quinta-feira, 28 de novembro de 2019

CICLO DE FILMES "GRANDES DIRETORES" - FRANÇOIS TRUFFAUT- A Noite Americana (1973)




Indicação, apresentação do filme e texto: Joaquim Ferreira


A NOITE AMERICANA(1973)  (La nuit américaine) [1] 

Elenco: François Truffaut, Jacqueline Bisset, Valentina Cortese, Jean-Pierre Aumont, Jean-Pierre Léaud, Jean Champion, Alexandra Stewart, Nathalie Baye, Graham Greene, David Markham
Roteiro: François Truffaut, Jean-Louis Richard, Suzanne Schiffman .Duração: 115 min.

PRINCIPAIS PRÊMIOS E INDICAÇÕES
Oscar 1974 (Estados Unidos):Venceu na categoria de melhor filme estrangeiro.
Oscar 1975 (Estados Unidos): Indicado na categoria de melhor atriz coadjuvante (Valentina Cortese), melhor diretor e melhor roteiro original.
BAFTA 1974 (Reino Unido):Venceu nas categorias de melhor direção, melhor filme e melhor atriz coadjuvante (Valentina Cortese).
Globo de Ouro 1974 (Estados Unidos):Indicado nas categorias de melhor filme estrangeiro e melhor atriz coadjuvante (Valentina Cortese).
Prêmio NYFCC 1974 (Estados Unidos):Venceu nas categorias de melhor diretor, melhor filme e melhor atriz coadjuvante (Valentina Cortese).


"A NOITE AMERICANA"  E O ROMPIMENTO DE TRUFFAUT E GODARD.

François Truffaut e Jean-Luc Godard formaram uma dupla  que originou duas linhas onde se incluem os principais nomes do cinema autoral. Seus estilos corresponderam    a própria  definição da Nouvelle Vague . Contudo , esboçavam divergências e  a ruptura entre os dois significativos cineastas da “Nouvelle Vague” consumou-se a partir da exibição de " A Noite Americana" de Truffaut  . 
Godard  escreveu a Truffaut  a dizer tudo o que pensava do filme:    "Vi ontem A Noite Americana, provavelmente ninguém te chamará mentiroso, assim eu faço-o.» Você diz que filmes são como trens no meio da noite, mas quem pega esse trem, de que classe social, quem os conduz? […] Se você não fala do Trans-Europa, pode ser o trem da periferia, ou o de Dachau-Munique".  [2]
É com essa acusação que Jean-Luc Godard começa a carta de 1973 que daria fim à sua amizade de duas décadas com François Truffaut. “Comportamento de um merda em um pedestal”, diz o outro, em resposta não menos agressiva.
E continua Truffaut:
Você mudou sua vida, seu cérebro e, mesmo assim, continua a perder horas no cinema perturbando seus olhos. Por quê? Para achar o que alimenta seu desprezo por todos nós, para reforçar suas novas certezas? […] você detém a verdade sobre a vida, a política, o engajamento, o cinema, o amor, tudo isso é muito claro pra você e quem pensar diferente é um idiota, ainda que você já não pense em junho o que pensava em abril. [3]
Godard critica o apolitismo de Truffaut. A exceção de um tímido apoio deste  ao fim da Guerra da Argélia, o cotidiano de Truffaut passava ao largo de preocupações mais políticas ou melhor partidarizadas em torno  de um cinema engajado . Truffaut vivia a sua vida "dentro do cinema" .Ser feliz para ele  era sinônimo de " viver a realidade"  do cinema,o universo do filme
Retratando o cinema de Truffaut num contexto  social e rebatendo a critica do apolitismo  , uma leitura  possível de " Os Incompreendidos"   é uma leitura em grande parte  política também.Assim, histórias de vida, memórias , enfim sua  própria história e inscrita em sua cinematografia  vinculando seus valores à sua produção . Cada um dos filmes de Truffaut foi gravado a partir de sua  própria matéria biográfica , da com  traços  às vezes violentos e humilhantes. Truffaut tornou-se uma espécie de “militante do cinema”
Sobre Truffaut e Godard, Eduardo Escorel  resume   bem as relações entre os  dois diretores: 
"(..)  contradições e crises sucessivas, marcaram as carreiras e a relação pessoal de Truffaut e Godard. Mesmo sendo amigos próximos, eram muito diferentes um do outro. Não tinham a mesma origem social, nem o mesmo caráter, e seus filmes são de natureza distinta. Truffaut sempre procurou aperfeiçoar o domínio do artesanato, enquanto Godard dedicou-se permanentemente a reinventar o cinema. A união dos dois foi tática, respondendo à necessidade de se fortalecerem. Sustentada pelo amor ao cinema, e em interesses profissionais comuns, tiveram uma relação intensa. Quando romperam, a violência foi proporcional ao grande afeto que tinham um pelo outro. Truffaut era generoso, Godard continua dando demonstrações de mesquinharia e insolência, parecendo acreditar sempre que tudo lhe é permitido e devido. O que não impediu Truffaut de apoiar o amigo, chegando a escrever, em 1966, que 'há o cinema antes de Godard e depois de Godard'. O veredicto, vindo de um profundo conhecedor, não pode ser ignorado". [4]

O FILME

É praticamente impossível assistir a um filme de François Truffaut e não perceber o seu amor pelo cinema.  A Noite Americana  de 1973 é a história de uma filmagem ,  a de  "Je Vous Presente Pamela" e diz muito sobre o seu diretor . É  uma homenagem ao cinema .O título do filme refere-e ao nome de um  efeito cenográfico, um  truque da lente, um filtro de  imagem  que modifica as cenas rodadas durante o dia, dando-lhes um efeito de (em inglês, isso é chamado de "Day for Night"). É a parte da visão que Truffaut tinha do cinema americano: uma interessante falsidade. A Noite Americana é , a meu ver, é um dos melhores  filmes  já realizados  sobre o cinema, empatado com  " Oito e Meio"  de Felinni.
Truffaut mostra  a lenta produção e os várias atribulações pelos quais passa um filme, e junto a esse elemento metalinguístico, as histórias individuais dos profissionais do cinema são reveladas e   diretor cria  duas histórias sobre cinema -  o filme dentro do filme. Truffaut exterioriza o seu processo criativo, e inclui cenas com diálogos escritos em cima da hora, demonstrando um  perfeccionismo cênico e um grande respeito  pelo  público . Mais uma vez ao lado    de  Jean-Pierre Léaud,- o alter-ego  do diretor -, Truffaut no papel do   diretor Ferrand , vive para o cinema, deixa sempre suas paixões e prazeres particulares por último, colocando a arte em primeiro lugar. Mas além da personificação de Truffaut  ,um outro evento autobiográfico é revelado  no filme: as seqüências do sonho do cineasta, com que roubava fotografias de clássicos do cinema. é uma imagem que vai se compondo aos poucos, um menino andando pelas ruas vazias Quando surge da primeira vez, a cena nos parece deslocada e sem sentido, mas quando revela-se por completo, já ao fim da película, quando   rouba as fotos de cena de "Cidadão Kane", temos um encantamento por esse momento do filme. Mais uma vez a paixão pelo cinema aparece relacionada à vida de uma personagem. É também a prática de um dos aspectos técnicos da obra de  Truffaut, a  mis-en scene Assim, " A Noite Americana" , é o relato é autobiográfico, uma mistura de todas as histórias que Truffaut viveu ou ouviu falar .  E conforme  Rubens Ewald Filho

 Ele[Truffaut]  coloca o espectador como "voyeur" e cúmplice (revelando todos os pequenos truques das filmagens, até o fogo alimentado a gás). Se a atriz principal não consegue decorar suas falas e parece neurótica e irritante, alguém, de passagem, dará razão: seu filho esta à morte com uma doença incurável.(...) O filme é um tratado sobre aparências e realidades. Nada é o que parece, o cinema é tão falso e irrelevante, quanto a manteiga natural embalada na pia. Mas atrás de cada frase ou situação, encontra-se a verdade, muitas vezes, do ator que faz o personagem. A fita está repleta de referências, desde Valentina Cortese colando suas deixas pela sala (como costuma fazer Marlon Brando) ou sugerindo dizer apenas números com entonações significativas (como ela mesmo costumava fazer com Fellini). Ou Jacqueline Bisset, que foi descoberta em um filme em que ficava com catapora ("Um Caminho para Dois") ou Jean-Pierre Léaud, que praticamente retrata sua própria personalidade.(...) o filme é um retrato do próprio Truffaut, um ex-delinqüente juvenil, salvo da vida criminosa para se tornar "rato de Cinemateca". "A Noite Americana" é sua declaração de amor ao Cinema e seu melhor filme. [5]

NOTAS
[1]Truffaut  dedica o filme  nos créditos iniciais, às irmãs Dorothy e Lillian Gish. Dorothy Elizabeth Gish era uma atriz americana da tela e do palco, além de diretora e escritora. Dorothy e sua irmã mais velha, Lillian Gish, foram as principais estrelas de cinema mudo

[2]https://www.correioims.com.br/uncategorized/cartas-de-rompimento-entre-godard-e-truffaut-por-victor-calcagno/

[3]https://www.correioims.com.br/uncategorized/cartas-de-rompimento-entre-godard-e-truffaut-por-victor-calcagno/

[4]https://piaui.folha.uol.com.br/materia/encerramento-inconclusivo/

[5] https://cinema.uol.com.br/resenha/a-noite-americana-1976.jhtm


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