segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Sacco e Vanzetti( 1971;Giuliano Montaldo)


Indicação e apresentação do filme: Ricardo Costa
Texto: Reinaldo Silva

                Sacco e Vanzeti em tempos sombrios

Em primeiro lugar e necessário esclarecer a distinção entre as ideologias anarquista e marxista. Isto não fica claro no filme. Em algumas cenas Sacco e Vanzetti são chamados de comunistas mais por ignorância dos inquisidores. Segue abaixo uma resumida diferença entre comunismo e anarquismo.
Há discordância, grosso modo, entre essas duas ideologias. O anarquismo propõe um modelo de sociedade sem a existência do Estado, regida por um coletivismo comunitário, por categoria de trabalhadores, na qual a militância sindical é o vetor de reformas econômicas, sociais e políticas, ou seja, uma utopia de sociedade sem a existência do Estado. Porém, como em toda ideologia, existem correntes anarquistas que defendem uma mínima participação do Estado, reservando-lhe o lugar de legislador das decisões advindas das coletividades comunitárias.
A ideologia marxista apresenta uma outra proposta utópica de sociedade, na qual o Estado tem um papel fundamental tanto na fase de transição (socialismo), quanto na fase decisiva de uma sociedade sem classe (comunismo). Entre essas duas fases existe uma outra intermediária, denominada ditadura do proletariado, quando os meios de produção (fábricas, bancos, terras, enfim, todo o conjunto produtivo) são coletivizados. Aqui também existem correntes que mitigam a existência desta fase intermediária. Mas o que é importante salientar é que o marxismo não abre mão do papel do Estado, uma vez que ele passa a ser o detentor do poder político da classe operária em sua luta contra a classe burguesa.
Existem duas eminências pardas, que caso caminhem na mesma calçada não irão se cumprimentar de jeito nenhum. Marx e Proudhon. Quem quiser conhecer detalhes sobre a origem do anarquismo consultar o Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia de André Lalande, páginas 65 e 66 ou na Internet. Indico o livro porque sou um “dinossauro” que luto para não ser extinto.
Feito o esclarecimento, vamos ao filme.
O maior valor, segundo a “democracia” americana é a liberdade. Esse é o “orgulho” da nação, segundo os americanos. Mas em tempos sombrios, como no caso apresentado pelo filme, todo portador de ideologia incompatível com os interesses dos interpretes da “democracia” americana, é reconhecido, rapidamente, como inimigo público número um, em nome da segurança nacional. Esse é o aperitivo para colocar goela abaixo, depoimentos extorquidos, montagem de esquemas criminosos, publicidades especulativas de cunho dramático, luz, câmara e ação.
Tempos sombrios é uma decorrência da vida instável nas “sociedades democráticas”. Talvez seja a própria “natureza” da democracia, ou porque a personificação do Estado seja um elemento estranho no cotidiano das diferenças individuais. Realmente não sei!
O roteiro, fotografia e montagem do filme são diretos sem aqueles nuances românticos e estéticos da produção dos estúdios de Hollywood. Trama ágil, vivida por atores de forma intensa. Em tempos sombrios a justiça é o braço armado nas mãos dos ideólogos da segurança nacional, da simulação de uma ameaça que preza pelo absurdo. De um crime perfeito. A farsa do julgamento realizado.
Tempos sombrios é sinal de regressão social? Fim da instituição Estado? Necessidade de mais Estado?


domingo, 20 de novembro de 2016

Hannah Arendt (2013; Margarethe von Trotta)


Indicação e apresentação do filme: Valéria Toledo


Muito interessante o filme e a abordagem do mesmo.Melhor ainda as analises conjuntas do grupo ,discutindo.Isto de faz perceptível desde a forma como se trabalhou as questões filosóficas pertinentes ao filme, tanto no que permeia a questão do conhecimento, do pensar, até o nível prático, isto é, trazendo o conjunto de questões discutidas no filme para a realidade.Podemos então perceber a atualidade e a ferocidade do pensamento de uma grande autora e pensadora.( Valéria Toledo) 
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Como jornalista, Hannah Arendt julgou mais o homem do que propriamente o nazismo.Considerando-o como um sere medíocre, incapaz, tão incapaz ao ponto de nem perceber o grande mal que estava realizando.Infelizmente, criticas e o próprio povo judeu, não conseguiram entender o seu modo de pensar, considerando o seu artigo relacionado ao nazismo e ao povo judeu.Realmente, seria muito dificil entende-la (Alfredo Henrique)
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Oportuna a exibição do filme sobre Hannah Arendt, que  apresenta, principalmente,  a polêmica teoria  da "banalidade do mal",desenvolvida a partir   da interpretação do comportamento de Adolf  Eichmann, um oficial  nazista responsabilizado pela logística de extermínio de milhões de pessoas.Em 1963, a autora publicou um livro sobre o julgamento de  Eichmann, o que  provocou um escândalo imediato. Arendt permaneceu  firme na defesa de suas idéias,  mesmo  atacada por amigos e inimigos na mesma medida.
Segundo Hannah Arendt, Adolf Eichmann não era um monstro, alguém com um espírito demoníaco e antissemita. Ela o identificou como um burocrata, um sujeito medíocre, que de certa forma renunciou a pensar nas conseqüências dos seus atos. “Embora as atrocidades por ele conduzidas tivessem sido de uma crueldade inimaginável, o executante era ordinário, comum, nem demoníaco, nem monstruoso ". Eichmann revelou-se como uma pessoa incapaz de exercer a atividade de pensar.
Segundo  Arendt ,  “Será que a natureza da atividade de pensar, o hábito de examinar, refletir sobre qualquer acontecimento, poderia condicionar as pessoas a não fazer o mal? Estará entre os atributos da atividade do pensar, em sua natureza intrínseca, a possibilidade de evitar que se faça o mal? Ou será que podemos detectar uma das expressões do mal, qual seja, o mal banal, como fruto do não-exercício do pensar?”  O filme também é importante para refletirmos sobre os dias atuais. Se pensarmos na sentença arendtiana que “os maus não são somente os vilões como Hitler, mas todo o cidadão que nada faz para combater o mal”, somente discordará de Arendt quem estiver propenso à irresponsabilidade, passividade, à indiferença e à insensibilidade. (Joaquim Ferreira)

domingo, 13 de novembro de 2016

Quanto Vale ou e Por Quilo? ( 2005;Sérgio Bianchi)

                      
Indicação e apresentação do filme: Joaquim Ferreira 
Texto: Reinaldo Silva

No meu entender Sérgio Bianchi é atualmente o diretor mais inovador do cinema brasileiro. As questões que aborda são atuais e seus filmes tratam questões problemáticas sobre políticas sociais. Ele não faz concessões. Sua linguagem cinematográfica é crua.
Entende-se por linguagem de um filme o conjunto das imagens associadas aos diálogos, aos planos e demais recursos técnicos utilizados na elaboração de um filme.
Neste filme, assim como no seu filme anterior (Cronicamente Inviável) o altruísmo, a solidariedade e o conjunto de valores morais existentes na sociedade brasileira e as relações sociais que derivam da prática política não são ações desinteressadas. Em um determinado momento do filme uma personagem socialite exclama que fazer caridade “eleva o espírito”. Em outro momento expõe de forma didática o funcionamento do que é conhecido como “dádiva da caridade”, ou seja, a personagem financia uma festa deixando em aberto como irá cobrar no futuro a dívida. São vários os exemplos sobre o funcionamento do cinismo atua em nossa sociedade, travestido de solidariedade e altruísmo.
A maioria dos diálogos em cada cena expõe o jogo de interesse, o uso do marketing político como ferramenta de convencimento das políticas sociais. Como disse acima, o diretor não faz concessões e não é politicamente correto. Por exemplo, ao expor problemas sobre os critérios étnicos utilizados na política social de “cotas raciais”. Qual o percentual de cor negra para conceder o benefício? O critério é valido numa sociedade com forte índice de miscigenação étnica?
O roteiro é uma ponte entre a adaptação do conto Pai contra Mãe de Machado de Assis de 1906, e documentos existentes no Arquivo Nacional sobre o período da escravidão no Brasil.
Qual foi a intenção do diretor?
 No meu entender:
1) Apresentar uma tese sobre as condições mercadológicas atuais da exploração da miséria, por empresas autorizadas a substituir o Estado no que diz respeito às políticas públicas. O seu alvo são as ONGS.
2)  O prolongamento das estruturas políticas de dominação, em que as oligarquias se revezam no poder utilizando o marketing como prática de convencimento.
3) Os interesses dos interessados, ou melhor, dos beneficiados, em relação a continuidade e manutenção da estrutura de dominação da oligarquias.
4) O “navio negreiro” aumentou com a entrada dos proletários advindos do processo de industrialização, que serão alçados como parceiros em novos empreendimentos.
5) Com o desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo, as relações de produção aumentaram e diversificou a massa dos explorados. A dinâmica da exclusão social no Brasil foi adquirindo contornos perversos, encobrindo formas de exploração atualmente sofisticada, onde os explorados surgem como matéria prima de interesses econômicos. O grande aliado desses interesses é o Estado neoliberal.
6)  A miséria de segmentos da sociedade é disputada por ávidos concorrentes, tornaram-se objetos de desejo de grupos nacionais e transnacionais, inaugurando uma nova fonte de acumulação de capital, extraída dos impostos recolhidos pelo Estado.
            Esses são apenas algumas “questões bombas” abordadas pelo filme.
(Reinaldo Silva)

domingo, 6 de novembro de 2016

Asas do Desejo( Wim Wenders;1988)



Indicação do filme: Ana Babo
Apresentação e texto : Reinaldo Silva

                      Asas do Desejo ou o corpo da vida.
Transcrevo abaixo um poema recitado antes do início do filme. Alguns trechos são melódicos, como se fosse uma canção.

A criança, quando criança,
caminhava de braços caídos,
queria que o ribeiro fosse rio,
o rio uma torrente
E este charco, o mar
 A criança, quando criança,
não sabia que era criança,
tudo para ela tinha alma
e todas as almas eram uma só
 A criança, quando criança,
não tinha opinião sobre nada,
não tinha hábitos,
sentava-se de pernas cruzadas,
de repente desatava a correr,
tinha um remoinho
no cabelo
e não fazia careta quando era fotografada.

Preparem-se!!! No sábado o “Cine Estalagem” irá apresentar um filme de tirar o fôlego. Para mim um dos melhores filmes que já assisti. E já o assisti diversas vezes e não me canso de rever, porque aguça a sensibilidade para questões que diz respeito as nossas escolhas.
Wim Wenders faz parte de uma nova geração de diretores do cinema alemão, juntamente com Fassbinder e Werner Herzog, surgida a partir da década de 70 do século 20. Antes tínhamos Murnau e Fritz Lang, expoentes do período que ficou conhecido como “expressionismo alemão”.
Alguns diretores elaboram os seus filmes como proposta de reflexão sobre temas políticos, filosóficos, literários, histórico etc, e não apenas como meio de entretenimento. Explico. Diálogos, enquadramento de uma cena, movimentos de câmara, fotografia,  podem servir de referências sutis de um conto, de um romance, de um outro filme, que desperta a curiosidade, tornando-se tema de conversa após a projeção do filme ou de uma pesquisa posterior pelos interessados.
Ao fazerem essa escolha sabem que seus filmes não serão assistidos por um grande público. Por isso, o custo de produção de seus filmes é baixo se comparado, por exemplo, aos lançamentos dos grandes estúdios americanos. Este é o caso do filme Asas do Desejo.
 O filme Asas do Desejo é uma fábula. Fábula é uma narrativa alegórica em verso e prosa de situação imaginária de cunho popular ou mitológica, destinada a ilustra um preceito.
A questão central que faz parte desta fábula está profundamente relacionada como queremos viver não só na atualidade, mas também sobre a possibilidade de nossa presença na terra. É uma questão narrada por um anjo.
Dentre outras questões o filme aborda direta ou indiretamente: a imortalidade da alma;
a divisão do mundo em uma parte física e uma parte metafísica; a existência ou continuidade da vida após a morte; a ressurreição do corpo;
Até os dias de hoje nos debatemos para entender, acreditar ou não em questões provindas da tradição milenar do pensamento filosófico. São esses temas que o filme aborda. E faço um paralelo entre as questões que o filme levanta, fazendo três perguntas, que estão na cabeça da maioria das pessoas, quer nos momentos de tristeza pela perda de uma pessoa querida, quer em conversas reservadas, ou mesmo em conversas informais:
Nosso corpo possui uma alma? Nossa alma é imortal? Acredita em ressurreição?
Se fizermos uma pesquisa procurando saber as respostas, certamente ouviremos SIM para todas. Dependendo da religião ou crença, teremos explicações variadas sobre cada pergunta.
Mas saiba que desde a mais antiga antiguidade, passando pela idade média, o corpo, o desejo, a imortalidade da alma e a ressurreição eram questões que faziam parte do pensamento filosófico e religioso. Era um tema amplamente discutido por renomados pensadores católicos, como Sto Thomas de Aquino e Sto Agostinho.
Não estranhe a intensa presença de crianças em inúmeras cenas. O poema é dividido em várias partes e narrado parcialmente durante o filme.  

A criança, quando criança,
Fazia perguntas como estas:
Por que é que sou eu e não tu?
Quando começou o tempo e onde acaba o espaço?
A vida sob o sol não é apenas um sonho?
Aquilo que vejo, ouço e cheiro não é apenas a aparência de um mundo antes do mundo?
Existe realmente o Mal e pessoas que são más?
 É possível eu, que sou eu,
não o ter sido antes de ser,
e de repente o eu que sou
deixar de ser aquele que sou?

Somente as crianças podem ver os anjos, porque dão vida as ficções. Não existe criança que não cria em sua imaginação estórias compondo cenários fictícios e personagens fantasmas.
Há uma cena belíssima em que um dos anjos está no circo sentado ao lado de uma criança, com olhos e semblantes extasiados pela presença de palhaços, acrobata e mágico.
Os adultos não podem os anjos. Será porque estão aprisionados por preocupações que não deixa brechas para inocência das ilusões? Será porque a consciência da morte impossibilita as fantasias?
Mas existe um personagem que quebra essa regra. Esse personagem é uma auto-referência de Wim Wenders.
  Vocês irão perceber que as cenas iniciais do filme são feitas em preto e branco. No decorrer do filme elas vão se alterando, ora preto e branco ora coloridas.
Por que a diferença? Porque nas cenas coloridas estão presentes personagens humanos, e nas cenas em preto e branco estão presentes ou que resultam da observação dos anjos. Humanos sinaliza corpo portador dos cinco sentidos, uma característica que os anjos não tem, devido ausência de corpo.
Os anjos vivem num mundo descarnado, não têm sensibilidade treinada para distinguir cores.
A palavra Asas do título é uma metáfora para desejo. Lembra a natureza do desejo. Desejar é se colocar em movimento, deslocar-se de um ponto a outro.
Após conhecer as aflições humanas, temores, medos, angústias, e acontecimentos passados, como o nazismo, a destruição de Berlim no final da Segunda Mundial em 1945, convivendo com o trauma de uma nação dividida por um murro (filme realizado em 1987 e o muro demolido em 1989), um dos anjos toma uma decisão.
Sua decisão foi refletida, analisou, comparou os fatos e as condições presentes e futuras, antes de fazer uma opção, que, no meu entender, resume-se na seguinte pergunta:
Qual a vida que merece ser vivida?
 Abraço

Reinaldo Silva