sábado, 4 de março de 2017

Violeta Foi Para o Céu ( 2012,Andrés Wood)


Apresentação do filme : Eliana de Andrade;

Textos: Eliana de Andrade e Reinaldo Silva
O filme Violeta foi pro céu é um drama sobre a vida da mulher Violeta Parra, produzido em 2011, pelo diretor Andrés Wood, e filmado em diversas cidades por onde ela passou e morou, entre elas, Varsóvia e Paris.
Ao longo da narrativa do filme o diretor faz idas e vindas, intercalando as etapas da vida da Violeta, mostrando a sua personalidade vigorosa, sensível e frágil, por vezes, intratável e contundente, boêmia e terna.
Andrés nos presenteou com um trabalho delicado e forte, baseado no livro escrito pelo filho da Violeta, Ángel Parra. Oferece a oportunidade de refletir sobre a vida, a obra, a memória, os amores e as esperanças dessa mulher inteligente e criativa, que fez parte da vida de muitos de nós.
Violeta nasceu em 04 de outubro de 1917, sendo filha de uma família numerosa e pobre do Chile e acompanhava o pai, alcóolatra eprofessor de música, pelos bares por onde tocava.
Aos três anos, foi contaminada com a varíola, que lhe deixou marcas pelo rosto e na vaidade de mulher. Com as dificuldades decorrentes da pobreza e de se interessar pelos estudos formais, autoditada, tornou-se cantora e tocadora de violão, compositora, artista plástica, ceramista, considerada a mais importante folclorista e fundadora da música popular chilena.
Do seu primeiro casamento, com um ferroviário, teve dois filhos. Época em que foi apresentada ao Partido Comunista.
No segundo casamento, teve duas filhas, uma delas faleceu com menos de um ano de idade, quando ela estava morando em Paris.
Em 1960, conhece o jovem Gilbert Fávre, suíço, musicólogo e antropólogo, seu companheiro nos anos seguintes.
E em 1964, quando, aqui no Brasil, estávamos vivendo o Golpe Militar, de 18 de abril a 11 maio acontecia a sua exposição no Museu do Louvre, sendo a primeira artista latina americana a ter uma exposição individual naquela instituição.
Violeta tinha um sonho de criar a Universidade do Folclore e, em 1965, instalou a grande tenda em La Reina, local onde suicidou-se em 05 de fevereiro de 1967.
Seu último, e considerado o melhor disco, foi gravado um ano antes de sua morte. Entre tantas e contundentes letras, dois hinos percorrem nossas veias abertas da América Latina: Gracias a la vida, interpretação belíssima de Elis Regina, e Volver a los 17, num primoroso e inesquecível duo entre Mercedes Sosa e Milton Nascimento.
Eliana de Andrade
NF, 11 de março de 2017.

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                         A personagem Violeta Parra
 Um pequeno detalhe
Em destaque:
O filme foi apresentado pela Eliana. Excelente. Pura emoção. Homenageou o filho de Violeta Parra (personagem adolescente no filme), falecido no dia em que o filme estava sendo apresentado. Coincidência? Talvez uma “conspiração” que estimulou a forma como preparou e apresentou o filme. Foi premiada com o bonequinho em pé batendo palma. Valeu Eliana!!!.
 Não conheço a vida e a obra de Violeta Parra. Portanto, quando for lido o nome Violeta saibam que estou refiro-me ao personagem criado pelo diretor e não a pessoa ou a vida de Violeta Parra.
O que aqui me interessa é comentar a personagem independente da veracidade do que filmado, porque todo filme parte de uma concepção do diretor. Todas as narrativas não são o espelho da realidade. A idealização é um componente da natureza humana. Quando narramos um fato da nossa vida isso também ocorre. A linguagem quer seja verbal, gestual, visual ou composta de signos não dá conta do real, porque o acesso ao real é impossível na sua aparição. Por isso buscamos uma representação. Uma produção cinematográfica é a construção de uma representação imaginária. Nossa perspectiva sobre um filme depende das escolhas pessoais, ou seja, da subjetividade de quem o assisti, sentimentos transferimos para ele (o filme) e das buscas de informações que obtemos sobre a sua elaboração.
É muito comum ouvirmos que um “filme está baseado em fatos reais”, quando deveria ser dito que um filme está baseado em fatos imaginados como reais.
Violeta Parra e a Angústia
São raros os filmes que retratam a Angústia sem apresentar fatos psicológicos de cunho dramático e moralizadores, que fazem uso da fórmula “agora mantenha o lenço a mão, você vai chorar”.
Em nenhum momento observei que o diretor do filme apelou para essa fórmula. E é por isso que nos emocionamos. Não há sentimentos transferidos, somente a emoção de um vazio impenetrável da Angústia que a personagem de Violeta representa. A atriz é magnífica em sua atuação.
Toda angústia é assim. Um enigma que suga. Perde-se o solo, o olhar se torna vago e espesso. Quando deixamos de desejar morremos. A Angústia provoca uma espécie de vida sem desejo. Espaço e tempo estão ali, mas não os sentimos. Habitamos um corpo desconhecido. O sofrimento é um sentimento diferente da Angústia. Sofremos e sabemos o motivo ou os motivos reais ou imaginários.
Angústia é o sentimento do vazio, um hóspede estranho sem um traço que possa identificá-lo, corpo impalpável, ocupando um corpo que fica aguardando o momento de voltar a desejar.
O diretor montou a trama do filme relacionando a vida de Violeta com a sua arte. Uma arte proveniente da Angústia. E ele soube servir-se dos recursos técnicos que a arte cinematográfica possui para nos presentear com um belo filme.
Movimento de câmara, fotografia e iluminação.
O rosto de Violeta aparece inúmeras vezes em primeiro plano, e um olho aberto e inerte em um close-up (o olho aberto ocupa toda tela). Isto é bastante significativo, porque esses planos captam com a maior intensidade os movimentos das sensações transmitidas pelas expressões fisionômicas e pelo brilho ou opacidade dos olhos.
Por exemplo: no momento da sedução entre o jovem estrangeiro e Violeta.
A câmara mostra o rosto de Violeta de cima para baixo, assumindo a posição do olhar do jovem e de baixo para cima assumindo a posição do olhar de Violeta. Toda tensão impregna a cena. Esse encontro é um desafio, que, numa cena seguinte resulta numa relação sexual visceral entre os dois.
Tudo em Violeta é visceral e combativo sem que haja inimigo perceptível. 
A fotografia capta pedaços do corpo. Pés, mãos, ventre. Mas o seu rosto, quando criança ou adulto com olhar fixo e penetrante retorna a tela no plano close-up para mostrar as marcas provenientes da varíola ou para mostrar suas reações. Ela observa pelas frestas das paredes da madeira o que a vida está lhe retirando, silenciosamente.
A iluminação das cenas é tão “natural” que confunde. Será que as imagens foram feitas sem o uso da iluminação artificial? Impossível. Então, observo o talento do profissional que soube utilizar os recursos técnicos para “corrigir” a iluminação local sem cometer nenhum exagero no brilho das cores. Perfeito.
Violeta e a política partidária
Não houve intencionalidade do diretor vincular a arte ou a vida de Violeta a qualquer ideologia política. O propósito político de Violeta é decorrente de sua arte e não de um projeto de transformação social. As suas músicas falam do sofrimento humano sem demarcar terrenos opostos em luta. Suas músicas descrevem sentimentos de indiferença social dos indivíduos na tradição do cristianismo. Ela foi criada neste ambiente. Suas músicas não são somente fruto desta indiferença, que, confundida com uma suposta posição política, pode servir de instrumento ideológico a um partido político. O diretor não criou a imagem de uma Violeta libertária. Na cena em que o entrevistador tenta classificá-la de comunista, tentando associar suas músicas a arte de Pablo Neruda (militante comunista) sua ironia transforma o entrevistador em alvo de humor.
Somente em uma outra cena apreendemos o posicionamento político de Violeta. Quando é convidada a fazer uma apresentação no teatro para um pequeno grupo da burguesia local com suas indumentárias e gestos característicos, considerados modelos de sofisticação e prestígio. Ela aguarda no corredor é acolhida por um garçom despreparado para função, mas portador de características com as quais Violeta logo se identifica, porque demonstra pertencer ao seu meio social. Ela veste roupas simples, cabelos desalinhados, sem maquiagem ou qualquer tipo de preparação especial para esse encontro. É como ela se apresentar em qualquer lugar. Violeta não aceita ser humilhada, sua arte não é lazer passageiro, ela não foi ali servir de empregada para o entretenimento deste grupo. O caráter insubmisso de Violeta vem à tona. Ela não está numa relação de subordinação com aquele grupo, que considera naturalizada as formas mais comuns de humilhação.
Foi desta forma que o diretor construiu a imagem de Violeta Parra. Insubmissa aos que, ocasionalmente, estão no poder, insubmissa aos sentimentos amorosos, com os quais tem dificuldades (como todos nós) de se relacionar com os seus afetos, insubmissa às impossibilidades econômicas que inviabiliza a construção de espaço popular, onde sua arte musical, talvez lhe trouxesse um pouco de alegria.  
Abraços

Reinaldo

Um comentário:

  1. Excelente comentário de Reinaldo, simplesmente me leva para dentro do cinema com todo que de bom esta arte tem.
    Lendo sobre o filme sobre o que Reinaldo escreve, termino me apropriando de uma espécie de roteiro para entender cinema.
    EU pessoalmente desfruto muito tuas falas sobre os filmes, as vezes concordo outras não mas sempre aprendo muito.
    A dimensão da Vileta vc percebe no escrito longe de todo clichê lendo o que escreveu passaram no minha mente todas as cenas do filme.
    PARABENS.
    MIguel

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