quarta-feira, 20 de novembro de 2019

CICLO DE FILMES "GRANDES DIRETORES" - FRANÇOIS TRUFFAUT- Jules e Jim (1962)





Indicação, apresentação do filme e texto: Joaquim Ferreira

JULES E JIM – UMA MULHER PARA DOIS (1962) (Jules et Jim) 
Elenco: Jeanne Moreau, Oskar Werner, Henri Serre, Vanna Urbino, Serge Rezvani, Anny Nelsen, Sabine Haudepin, Marie Dubois, Michel Subor
Roteiro: François Truffaut, Jean Gruault (baseado na obra de Henri-Pierre Roché 1 ) .
Indicado ao BAFTA de Melhor filme e atriz, para Jeanne Moreau  


AS MULHERES DE TRUFFAUT 
Um dos temas do universo cinematográfico de François Truffaut é o universo feminino. Seus filmes revelam mulheres fortes, decididas, que tomavam o controle da própria vida. 
Conforme Aline Desjardins,(1987: p. 51 apud OLIVEIRA ,2014), Truffaut afirmava que " Já fui muitas vezes acusado de retratar homens fracos e mulheres decididas, mulheres que conduzem os acontecimentos, mas eu penso que é assim que as coisas são na vida real .[2] 
O que desencadeava a ação nas narrativas era o desejo dessas mulheres como donas de seu próprio desejo, e não somente como objetos do desejo masculino. 
Sobre as mulheres de Truffaut,

(...)  elas são " antipáticas e atraentes, destrutivas e aconchegantes, dominadoras e conciliadoras, desesperadamente loucas e desesperadamente apaixonadas. A lista de qualidades das personagens femininas  (...)  em filmes de Truffaut sugere que ele foi capaz de compreender que o contraditório é um traço básico que elas compartilham com os homens!  (...)  As mulheres são vulneráveis? Elas são mais complexas do que os homens supõem? (...) levando-se em consideração os tipos femininos criados por Truffaut, a resposta é  sim. (...) a coexistência de diversas personalidades numa mulher é um padrão tão recorrente em Truffaut que o “duplo” é uma presença marcante em sua obra. Por um lado, temos os filmes onde um personagem masculino sente-se atraído por duas figuras femininas complementares. É o caso de Thérésa/Léna em O Tiro no Pianista (Tirez sur le Pianiste, 1960), Franca/Nicole em Um Só Pecado (La Peau Douce, 1964), Linda/Clarisse (interpretadas pela mesma Julie Christie) em Fahrenheit 451 (1966), Christine/Fabienne em Beijos Proibidos (Baisers Volés, 1968), Christine/Kyoko em Domicílio Conjugal (Domicile Conjugal, 1970) e Anne/Muriel em As Duas Inglesas e o Amor (Les Deux Anglaises et le Continent, 1971). Por outro lado, existem também aqueles filmes em que as mulheres possuem pelo menos duas facetas. É o caso de Catherine em Jules e Jim (Jules et Jim, 1962), Julie/Marion em A Sereia do Mississippi (La Sirene du Mississipi, 1969), Julie/Pámela em A Noite Americana (La Nuit Americaine, 1973) e Adèle/Madame Pinson em A História de Adèle H (Adèle H, 1975)..(...)   [3]

JULES, JIM E A MULHER:
O filme "Jules e Jim" foi o terceiro longa- metragem  da filmografia de Truffaut. A narrativa  é  guia obrigatório para os interessados em conhecer a história do cinema e a carreira do diretor François Truffaut. A narrativa, muito ágil,  também  ficou famosa por utilizar truques revolucionários de edição que Hollywood só usaria  décadas depois: imagens congeladas que interrompem a narrativa, telas divididas e montagem fragmentada .
O filme relata a amizade de dois homens, o tímido alemão Jules (Oskar Werner) e o extrovertido francês Jim (Henri Serre), e o amor de ambos pela mesma mulher, a ambígua Catherine (Jeanne Moreau).  Catherine casa-se com Jules. Após a Primeira Guerra Mundial  , na qual Jules e Jim combatem em campos opostos, os três amigos reencontram-se na Alemanha, onde Jules vive com Catherine, e esta apaixona-se por Jim.Os fatos tornam-se conflituosos ao longo da narrativa, tamanha a instabilidade da moça, espécie de metáfora para as mudanças nos costumes daquele momento histórico.
Com a crise dos valores tradicionais, o mundo vivia o prenuncio da libertação sexual dentro de uma crise repleta de vazio existencial. Era a Europa do inicio do século XX , a Europa da modernidade,   marcada pela Primeira Guerra . E a história do triângulo amoroso , um tipo de hedonismo,  é a opção formal do cineasta por criar/ resgatar uma "estética moral e nova", uma sabedoria da existência, um jogo onde todos os esforços devem conspirar para a maior leveza e alegria  que tornou possível o amor a três de Jules, Jim e Catherine.
Esse tipo de moral estética desenvolvido e incessantemente reconsiderada por Truffaut marcam  os aspectos culturais e sociais que prenunciavam a efervescência cultural na França, que culminou no Maio de 1968 e na ascensão do movimento feminista no mundo , a meu ver, com fortes bases na essência do existencialismo de Jean-Paul Sartre que deriva a compreensão de Simone de Beauvoir, ícone do pensamento filosófico feminista ,sobre a questão do ser mulher.  
O  diálogo de Beauvoir com o existencialismo sartriano reside na defesa  da liberdade e a autenticidade de cada ser humano como essenciais, mesmo com a angústia que tal liberdade pode nos trazer. Simone De Beauvoir procura aperfeiçoar a idéia de existencialismo de Sartre, concentrando o objeto de sua idéia na liberdade das mulheres como seres humanos e na "guerra" de intersubjetividades entre indivíduos do sexo masculino e feminino.
Desta forma, Beauvoir afirmava que as mulheres são tão capazes de escolher quanto os homens e que, portanto, podem optar por elevar-se, movendo-se para além da essência e interioridade (a  "imanência") ,a qual eram anteriormente resignadas, para alcançarem a "transcendência", uma posição em que um indivíduo assume a responsabilidade para si e para o mundo, onde se escolhe sua liberdade. 
No filme, o personagem de Catherine é apresentado como a forma do feminismo existencialista, no existencialismo humano como um todo.
Assim, Truffaut aborda um tema difícil e polêmico. Sem julgar os personagens, pode-se criar empatia pelo trio naquela relação de improvável sucesso. Amar não é fácil, e compreender a pessoa que amamos é ainda mais difícil. O amor, a amizade e o medo que todo ser humano tem de perdê-los é o fio condutor de uma narrativa  marcada também por  romantismo mas um tipo  romantismo  mais existencial que amoroso
Desta forma, o crítico de cinema Marcelo Müller conclui que 

"Os personagens de Jules e Jim: Uma Mulher Para Dois caminham cada vez mais desorientados, pois não é de sua natureza conformar-se.  As tentativas dos personagens atuarem em consonância com os ditames impostos à coletividade repercutem de maneira distinta. Uns até conseguem conviver com a infelicidade, tratando de reduzir as próprias expectativas em função da manutenção das relações, da proximidade dos que amam. Já outros, espíritos mais indóceis, caminham inexoravelmente à tragédia, diante de um cenário que não lhes é favorável, que sacrifica a complexidade do humano em detrimento de um bem-estar comum, como se fosse possível uniformizar anseios e necessidades. François Truffaut diferencia os dois caráteres do filme por meio da câmera. Em princípio, ela própria é livre para enquadramentos insólitos, para capturar momentos aparentemente banais, nos quais reside a felicidade cotidiana. Aos poucos, porém, seu olhar vai endurecendo, e o desapontamento frente aos sonhos não concretizados surge como inevitável sintoma de um tempo em que a felicidade é quase uma abstração, justo porque dela não se valorizam mais as pequenas ocorrências. " [4]

NOTAS:

 [1]O encontro de François Truffaut com a obra à época ainda ignorada de Henri-Pierre Roché (autor dos romances "Jules e Jim" e de "Duas Inglesas e o Continente", que o diretor adaptou para o cinema em 1961 e 1971, respectivamente) foi decisivo para o destino de ambos. Em 1955, quando folheava os títulos  de uma livraria parisiense, Truffaut, ainda um jovem crítico de cinema, bateu com os olhos no romance de estréia de Roché. O livro tinha sido publicado dois anos antes e passado despercebido. Chamava-se "Jules e Jim". O que mais espantou o cineasta foi o fato de um "primeiro romance" ser escrito um homem de 76 anos.

[2 ]DESJARDINS, Aline. Aline Desjardins s’entretient avec François Truffaut   1987: p. 51 apud OLIVEIRA ,2014 )

[3] OLIVEIRA, R.A. As Deusas de François Truffaut , 2014. Disponível em http://www.zonacurva.com.br/deusas-de-francois-truffaut/

[4]  https://www.papodecinema.com.br/filmes/jules-e-jim-uma-mulher-para-dois/




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