domingo, 3 de novembro de 2019

CICLO DE FILMES "GRANDES DIRETORES" - FRANÇOIS TRUFFAUT- Os Incompreendidos(1959)


Indicação, apresentação do filme e texto: Joaquim Ferreira

OS INCOMPREENDIDOS (1959) (Les Quatre Cents Coups ) [1]  
 Elenco: Jean-Pierre Léaud. Claire Maurier. Albert Rémy 
Roteiro: François Truffaut e Marcel Moussy.

Marco  inicial da Nouvelle Vague, narra à história de um adolescente, Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), aluno disperso, rebelde, que prefere ficar perambulando pelas ruas de Paris a ir para a escola, o que certamente é reflexo da relação conturbada que tem com sua mãe Gilberte Doinel (Claire Maurier) e com seu pai não-biológico Julien (Albert Rémy). As  únicas vezes em que o afeto é demonstrado pela família de Doinel são os momentos em que a arte é destacada como uma possibilidade de significado, inserção e mudança de  mundo .A cena na qual a família vai ao cinema e quando sua mãe afirma a importância do aprendizado da língua francesa  para a educação do menino,  caracterizam a própria vida do menino  Doinel/ Truffaut. Afinal  o protagonista de "Os Incompreendidos" é uma espécie de alter-ego do diretor francês. A semelhança entre as histórias de Antoine Doinel e François Truffaut não é mera coincidência: o diretor também tinha problemas na escola, matava aula para ir ao cinema ,fazia pequenos furtos em Paris e ficou preso num reformatório para delinqüentes. Truffaut  voltaria a trabalhar com Léaud  no personagem de  Antoine   em outros filmes durante a carreira.[2]  
Antoine Doinel não é uma pessoa necessariamente boa ou má. É um jovem, com sonhos, desejos, pensamentos e reflexões, e que pouco se adapta aos métodos tradicionais de ensino. Transmite toda revolta misturada com ingenuidade. Vale destacar, entre tantos momentos  de Léaud, seu sorriso incontido quando a psicóloga pergunta se ele já teve experiência com mulheres. Aliás, seu desempenho durante todo este diálogo é digno de aplausos, demonstrando  a simplicidade do jovem, que não enxergava nada de errado no que fazia. Doinel era apenas um adolescente que não era compreendido pelos adultos com quem convivia. 
Filmado nas ruas de Paris com realismo e sensibilidade, o longa tem o mérito de olhar para a adolescência com carinho. Truffaut evita  o melodrama quando este poderia se fazer presente, assim  como  os  potenciais momentos cômicos de  "Os Incompreendidos".
Truffaut acerta o tom da narrativa com equilíbrio, com uma  direção discreta, sem enquadramentos ou movimentos de câmera muito estilizados, a não ser algumas tomadas mais trêmulas como efeito da prática da  "câmera na mão " mas que são perfeitamente inteligíveis a partir da técnica da "mise-en-scène" . Exemplo da contenção  da câmera e de um angulo observador ,  é  a cena em que os garotos saem  em fila para  praticar exercícios pelas ruas de Paris , matando a aula sem que o professor percebesse. A escolha pela câmera afastada transforma uma cena que poderia soar engraçada em algo poético, distante e sensivelmente mais belo, graças à acertada escolha do diretor.
 A técnica da  "mise-en-scène" enfatiza o sentido  do filme e concretizada    na medida em que os planos separados podem ser justapostos numa montagem mental e subjetiva de cada espectador ao fim da exibição. Ao lembrarmos cenas do filme, uma possivelmente, no meu entender,  reveste "Os Incompreendidos" como   precursor de tem as tão sensíveis atualmente  como as instituições  disfuncionais  e suas criticas: a escola, família e  o sistema jurídico, por exemplo. Já na parte final do filme ,  na qual meninas são mostradas numa gaiola-prisão no Centro de Observação para Delinqüentes Juvenis para o olhar mais atento, possui o contraponto  na cena talvez  mais  bela de " "Os Incompreendidos" quando  Truffaut registra diversas  reações de rostos infantis  numa representação de marionetes . Inevitável a comparação entre a necessidade da arte para a superação da  repressão ao individuo. 
empirismo sociológico de Truffaut, marca momentos no filme nos quais o sistema escolar é questionado pela sua grande inabilidade de socializar e educar os jovens  problema também sentido na família e "corrigido" ou tentado  pelas instituições  reformadoras tangenciado pela ameaça constante  em enquadrar os jovens no sistema militar . 
O último plano de "Os Incompreendidos" reflete muito bem a solidão que o adolescente sente em muitos momentos de sua vida,  sem aparentes saídas mas com potencialidades.Ao  depara-se com o mar, imenso, desafiador , desconhecido como a própria vida,o  olhar de Antoine  deixa o final  o final aberto  para diversas interpretações.
Truffaut aparece no filme, tal qual seu mestre Hitchcock  :ele é um dos personagens que está no carrossel junto com Antoine Doniel e é o que sai da sala junto com o menino , acendendo um cigarro.
A trilha sonora nostálgica de Jean Constantin reforça o clima 

[1] Expressão popular equivalente a "pintar o sete" em português
[2] Jean-Pierre Léaud (Paris,  1944) é um ator francês. Estreou como ator de cinema aos 15 anos, no papel de Antoine Doinel,  alter-ego de  François Truffaut, em Os Incompreendidos. Protagonizou mais quatro filmes de Truffaut que mostravam a vida de Doinel, ao longo de um período de 20 anos - ao lado da atriz Claude Jade, como a sua namorada e, depois, esposa. Estes filmes são: O Amor aos Vinte Anos (1962), Beijos Roubados (1968), Domicílio Conjugal (1970) e Amor em Fuga (1979).  Léaud e Truffaut divergiram em certos momentos. Enquanto Truffaut parecia evitar o engajamento político (embora houvesse se posicionado contra a Guerra da Argélia), Jean-Pierre era um militante político. Em 1968 esteve no Brasil, no período da ditadura civil-militar, fazendo um discurso para centenas de estudantes da Universidade de Brasília, em Brasília. A cena aparece no documentário Barra 68 - Sem Perder a Ternura (2001) de Vladimir Carvalho.


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