domingo, 30 de julho de 2017

Noticias de Casa (Chantal Akerman;1977)



Indicação, apresentação do filme e texto: Filippi Fernandes

Da série "A provação da luz": Notícias de Casa (Chantal Akerman, 1997)




Numa viela aberta, as paredes são becos encardidos e fétidos. Garrafas, latas, caixas de papelão, canetas, cacos de vidro,cacos de vaso, cascas, restos e lastros. A lixeira verde é enorme e acumula esse amontoado de coisas que a cidade produziu e produz. À distância, um carro branco dobra a esquina em direção à câmera. Estamos na "Big Apple", em meados dos anos 70, época dos black power, black panthers, disco music, "Embalos de Sábado à Noite". Época da marginália e da violência estatal; época da corrupção e do crime à queima-roupa. Um tempo que não passou.
É final de tarde. Os faróis do carro iluminam parcialmente as paredes. Para cima e para baixo, a carcaça do veículo segue o ritmo da suspensão. Alguém segura o volante com força. Dobram a esquina quatro homens com sacolas e itens recém-adquiridos. As vestimentas proporcionais ao humor.
Segundo quadro. A câmera captura a total ou quase ausência de movimentação humana. O semáforo pisca o amarelo por repetidas vezes. O vento carrega um pedaço de plástico. Um carro azul surge no ângulo da câmera. No horizonte,começa a se desenhar o poente. O que esperar de uma confissão tão sincera?
Não ausência de uma finalidade discursiva, há apenas uma simples e espontânea maneira de capturar o cotidiano, como Lumière outrora teria feito. Uma voz in off se descortina. Ela é frágil, baixa e educada. Inicia a leitura da carta íntima que recebe de sua mãe. Nela há um emaranhado de afeições e delicadezas em torno de questões que não nos dizem respeito.  Preocupações cotidianas tão triviais e banais que geram simpatia a quem a ouve. E isso porque aquele que vê pela câmera-olho se faz de única testemunha. O privado se mistura ao público, como se indissociáveis fossem.
No metrô carregado de pessoas, próximo a faixa de pedestres, entre um abrir e fecha de sinal, pessoas entrecruzam presenças e ausências. Esse desdobramento das intimidades se dá em variados lugares: na presença de um público aparentemente indiferente ou daqueles que se intimidam pela câmera, tomando a ação distraída da filmagem pelo lado pessoal, tal qual estivessem num desejo por apagamento: por exemplo, a insistência do senhor de roupas verdes que insiste em esconder a palidez.
Por fim, resta na mente, o reflexo das luzes num dia de chuva. O silêncio. A solidão ruidosa de alguém que, afastado de casa, recebe algumas frases de notícias sem conseguir retrucar na mesma moeda. Porque para um estrangeiro o silêncio é revestido de fascínio e medo, pois a rotina daquela cidade faz apagar as pessoas. E apaga porque pensam "bom dia", "boa tarde" ou "boa noite" como forma de, com a educação, tapear que está sendo incomodado, uma vez que seria infinitamente melhor não ter quem pudesse perceber naquele momento. Porque não convém que algo possa atrapalhar seus planos de lucidez e idealidade. A liberdade é assim usufruída, numa tal angústia e ansiedade da existência que garante a normalidade do dia-a-dia.
A cidade é imunda na proporção de indivíduos que precisam pagar pelo que sujam. E nem assim o faz. Na cidade há algo muito mais importante do que o dinheiro circulando em cada esquina. Há o número, a numeração, o incômodo. Incluindo a régua dos estereótipos. O que dizer? Não dizer, passar, como quem não vê nada por estar olhando para onde pisa.
A cidade que é feita de falta precisa ser preenchida pela cor e ornamento. As crianças brincam em meio ao hidrante estourado, o metrô está pichado e a prostituta marca os lábios com batom barato, comprado de um usuário de heroína, num beco. Não há como dizer isso tudo para uma mãe que fala de pudins o tempo todo. Chantal entende certas contradições e certas impossibilidades.
No silêncio onde cada imagem precisa ser negociada há um desejo pelo distanciamento. É preciso que finalmente a cidade diminua de tamanho, para que de pouco a pouco seja vista como uma lembrança, um registro fílmico de uma experiência que passa. Chantal joga Excalibur na água. Avalon floresce em bruma e melancolia. Hora de retornar para o velho enlace. A realidade novayorkiana, afinal, não precisa dela. 




"(...)Sinto uma alegria enorme 
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma 

Se soubesse que amanhã morria 
E a Primavera era depois de amanhã, 
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã. 
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo? 
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; 
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. 
Por isso, se morrer agora, morro contente, 
Porque tudo é real e tudo está certo. 

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. 
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. 
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. 
O que for, quando for, é que será o que é."

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 

Heterônimo de Fernando Pessoa  



segunda-feira, 24 de julho de 2017

Machuca (2004;Andrés Wood)


Indicação e apresentação do filme e texto : Dalvinha Vieira
Machuca
Direção: Andrés Wood (2004)
Filme Chileno
 Andrés Wood conseguiu criar um clássico moderno do cinema latino. Há força, poesia, denúncia que nos envolve e nos faz pensar sobre nossos valores e escolhas.
 Andrés Wood (1965):Diretor de cinema, produtor e escritor chileno. Obras: Violeta se fue a los cielos;Histórias de futebol;  Nuestrosiglo;A boa vida
 Sob o olhar do personagem/observador “Gonzalo Infante”, ambientação: 1973.
 Gonzalo Infante é vivido por Matias Quer. Ele estuda no colégio Saint Patrick. De classe média alta. E Machuca estuda no mesmo colégio graças ao padre McEnroe, que implementa uma política que faça com que alunos pobres também tenham acesso a uma boa educação. “Estou no mundo mas não sou do mundo. Olho Machuca e percebo nossas diferenças. São tantas! A integridade, a força, a sinceridade pura. Eu não as tenho. Mas Machuca tem. Eu o admiro ao mesmo tempo que não posso.
Quanta distância e quanta aproximação. Tão paradoxal!
Vejo seu mundo difícil. E o meu não tão fácil, mas meu tênis é novo. E o meu tênis diz quem sou. E o que realmente sou?
Machuca sabe quem é; de onde vem e o que quer. Quer ser igual, ser partícipe na sociedade utópica dos desejos comuns.
Machuca vê, percebe o outro na íntegra. Tão jovem! Tão homem!
E eu tenho um tênis de marca como companheiro das caminhadas inúteis e vazias.
Mas é ele quem me define. É ele que me diferencia. É ele que me salva e me liberta do que não posso ser.
O ideal e o real não andam junto comigo.
Viro as costas e me abandono porque o real está marcado a ferro e fogo nos meus sentidos.
Olho Machuca pela última vez e olho a liberdade dele pela última vez.
E me olho pela última vez!”

Dalvinha 

quinta-feira, 13 de julho de 2017

segunda-feira, 3 de julho de 2017

La Dolce Vita (1960,Federico Fellini)


Indicação do filme e texto : Virgílio Roma
Apresentação do filme: Joaquim Ferreira

 A DOCE VIDA DE FEDERICO FELLINI

O Filme é de 1960 e marca a transição da fase Neorrealista para o simbolismo do diretor.
Através de um jornalista de nome Marcelo, Fellini retrata a vida da aristocracia romana que se apresentava decadente e entediada no pós-guerra.
O Filme retrata ,por meio  de festas a que o jornalista vai ,a superficialidade e incomunicabilidade humanas.
Cenas centrais do filme. 1-O Passeio do Jornalista Marcelo com Anita Ekberg na Fontana de Trevi;
2- O intelectual que entediado se suicida, levando Marcelo a embarcar numa vida de orgias, e
3- A cena final onde Marcelo na praia esbarra numa jovem e bela que tenta estabelecer contato com ele.
O Jornalista Marcelo é  interpretado por Marcelo Mastroianni.
Pasolini, que era amigo de Fellini colaborou com o roteiro do filme.
O filme ganhou o festival de Cannes em 1961.
E  considerado, juntamente a 8 e meio e Amacord, as obras primas de Fellini.

Virgilio Roma

4 de julho de 2017