No dia 6 de
agosto de 1945, a cidade japonesa de Hiroshima foi alvo de um ataque nuclear
que resultou em cerca de 140 mil mortos. Quatorze anos depois, o cineasta
francês Alain Resnais lançava o filme franco-japonês Hiroshima mon amour,
um poema cinematográfico de amor e de morte que lança a questão: como falar de
Hiroshima depois da bomba atômica? Como representar tamanha dor e tamanho
absurdo? A princípio, Resnais pretendia fazer um documentário sobre os
acontecimentos trágicos de agosto de 1945. No entanto, o cineasta decidiu
incluir elementos de ficção ao seu projeto e designou a escrita do roteiro e
dos diálogos do filme a ninguém menos que Marguerite Duras.
Alain Resnais é
um dos mais célebres cineastas franceses, tendo sido um dos responsáveis por
lançar um olhar novo sobre a forma de se fazer cinema nos 50 e 60. Contrariando
formas narrativas tradicionais, explorando de uma maneira particular e moderna
o potencial da linguagem cinematográfica, Resnais construiu uma filmografia
impressionante. Dentre suas obras mais conhecidas, encontram-se Noite e
Nevoeiro (1955), O Ano Passado em Marienbad (1961), Amores
Parisienses (1997) e o recente Medos Privados em Lugares Públicos (2007).
O diretor nonagenário acabou de lançar seu último longa-metragem, Vous
n'avez encore rien vu (201
Desde sua
primeira projeção oficial, na edição de 1959 do Festival de Cannes, Hiroshima
mon amour foi apresentado como o fruto de uma colaboração estreita entre
Resnais e Marguerite Duras, um dos maiores ícones da literatura francesa do
século 20. Além de romancista consagrada, dramaturga e roteirista, ela dirigiu
15 longas-metragens, dentre eles o cult India Song (1975). Marguerite
Duras chegou a ser indicada ao Oscar em 1961 pelo roteiro de Hiroshima mon
amour. Pouco tempo após o seu lançamento, o filme teve seu script publicado
em livro, o que prova a força poética do texto de Duras. No entanto, mesmo que
o roteiro do filme possa ser lido separadamente, o texto de Duras encontra nas
belas imagens de Resnais um eco e uma ressonância responsáveis por fazer, dessa
obra-prima, um exemplar único na história da sétima arte.
Hiroshima mon
amour se passa em 1957 na cidade que dá nome ao título. Em Hiroshima, uma
atriz francesa (da qual nunca saberemos o nome) participa de um filme que fala
justamente sobre a paz. No dia que antecede sua partida, ela encontra um
arquiteto japonês (cujo nome também não é revelado) com quem ela tem uma
intensa aventura amorosa. Esse encontro provoca uma série de reflexões sobre os
acontecimentos da História que culminaram no bombardeamento em Hiroshima e
Nagasaki, assim como os acontecimentos que marcaram a história pessoal da
atriz, incluindo seu passado amoroso. O filme opõe e estabelece uma relação
poética entre uma tragédia pessoal a uma catástrofe coletiva.
A questão da
memória e do esquecimento é um dos elementos centrais do filme. A relação
amorosa estabelecida em Hiroshima permite a reconstituição de um trauma do
passado da jovem atriz, um episódio esquecido que remonta à época em que ela
vivia em Nevers, pequena cidade francesa. O apelo à memória faz com que a
personagem reviva e redescubra o que se passou em Nevers, como se os elementos
esquecidos e reprimidos de seu passado e os fragmentos de sua história viessem
à tona em sua consciência. Resnais e Duras traçam assim um paralelo entre o
destino trágico de um indivíduo e o horror coletivo das vítimas da bomba
atômica.
Após Auschwitz e
Hiroshima, muitos artistas viram como necessária a invenção de novas formas
artísticas. Hiroshima mon amour se interroga sobre a possibilidade de
filmar aquilo que é irrepresentável e dizer aquilo que é indizível. As figuras
de repetição presentes no texto de Duras, as elipses narrativas, a montagem
baseada em associações e analogias e a representação de imagens mentais
participam dessa tentativa de apreender o impossível. Não por acaso os críticos
da célebre revista Cahiers du Cinéma chegaram a afirmar que Hiroshima mon
amour é um filme sem precedentes na história do cinema, enfatizando sua
modernidade.
Hiroshima mon
amour é um filme que apresenta uma dupla dimensão: uma dimensão íntima e
uma dimensão histórica. Essas duas dimensões se sobrepõem através da evocação à
memória, ao passado, ao esquecimento e ao trauma. Alain Resnais e Marguerite
Duras fazem um filme sobre Hiroshima a partir da premissa de que é impossível
se fazer um filme sobre Hiroshima. E nessa tentativa de captar algo que
testemunho nenhum pode comunicar, que está na essência do sentimento da perda e
do trágico, eles realizam uma obra-prima única, de um lirismo incomparável.
Para o
privilégio dos amantes do cinema, Emmanuelle Riva, a protagonista de Hiroshima
mon amour, nos oferece, mais de 50 anos depois do seu grande papel, outro
trabalho maravilhoso. Aos 85 anos, ela estrela o incrível Amor (2012), filme de Michael Haneke, ganhador da
Palma de Ouro em Cannes.