terça-feira, 13 de novembro de 2018

O Anjo Exterminador(1962,Luis Buñuel)



Indicação , apresentação do filme e texto : Reinaldo Silva


                                 O Anjo Exterminador
                          Buñuel nos provoca a pensar
Diretor: Luis Buñuel Portelés (22/02/1900- 29/07/1983)
Título Original: Os Náufragos da Rua da Providência
Lançado no México: 1962
Renomeado como O Anjo Exterminador por Buñuel em homenagem a peça inacabada de seu amigo José Bergamin
Total de filmes que dirigiu: 33 (trinta e três), sendo 2 (dois) com Salvador da Dali
Explicações preliminares
Cabe de início uma explicação sobre o título do filme. O Anjo Exterminador é uma figura da religião judaica, que aparece no Velho Testamento, nos livros Gênese, Êxodo, Segundo livro dos Reis e Segundo livro de Samuel. Quando Deus queria castigar enviava o Anjo Exterminador a terra com uma missão. No filme a imagem do Anjo Exterminador aparece na porta do quarto onde um casal se esconde. Alguns trechos bíblicos mencionam que a presença ou a passagem do Anjo Exterminador, indicava que o local por onde passava deveria ficar isolado. Nenhuma pessoa poderá sair ou entrar no local. Outra referência de cunho religioso são os pés de galinha que uma personagem feminina em uma cena retira da bolsa. Na tradição das religiões  Camdoblé e Umbanda os pés de galinha são utilizados como objeto simbólico para proteção (diz-se “fechar o corpo”). Geralmente, eram pendurados na parede do local em que se pretendia proteger de espíritos malignos.
Comentários
Prefiro duas possíveis interpretações, dentre outras prováveis perspectivas.
A primeira interpretação pode ser baseada nas fortes referências religiosas tanto do título original quanto o renomeado por Buñuel, e de elementos “misteriosos” que aparecem em algumas cenas. Por este ângulo é possível associar a presença de que os sintomas psicológicos ou psiquiátricos causados nos personagens (delírios, passionalidade, histerismo, fobias, paranóias, esquizofrenia) podem ser atribuídos a presença de espíritos em conseqüência do Anjo Exterminador.
A segunda interpretação é de caráter histórico e político. O filme seria a visão de Buñuel sobre o período fascista do governo do general Francisco Franco, iniciado com a guerra civil espanhola entre 1936 a 1939, até o fim da ditadura em 1975, com a morte de Franco. Para sustentar essa tese, menciono a ambigüidade simbólica dos cordeiros, animais associados aos rituais de sacrifício de cunho religioso e como metáfora política de obediência e servidão. A cena que antecede o final do filme é decisiva para esta interpretação: a presença do aparelho repressivo do Estado no uso da força bélica. Ou seja, para quem privilegia esta interpretação os personagens não estão sendo alvos de uma dominação invisível, o anjo simboliza a opressão do Estado. Particularmente, estou mais próximo desta tese. Penso que Buñuel utilizou recursos simbólicos extraídos de crenças religiosas para caracterizar uma conjuntura política de um período histórico da Espanha.
Ao contrário dos filmes de Costas Gravas (outro grande diretor), Buñuel não apresentava em seus filmes uma associação de idéias que iam se encadeando no decorrer das cenas até a conclusão de uma mensagem final. Ele coloca em cena elementos que despertam a curiosidade, e introduz a dúvida para que nós possamos perguntar: o que isso tem haver?o que significa? Como isso se encaixa na cena? É por isso que ao final de seus filmes da fase surrealista, surgem interpretações divergentes. 
Buñuel nos provoca a pensar!!
O Surrealismo coloca em questão a perspectiva de uma consciência que imagina construir um entendimento final após o encadeamento de idéias que se associam. É difícil olhar uma tela de um pintor surrealista e não se indagar sobre os múltiplos sentidos que ela desperta. Parece-me que foi isso que Buñuel fez neste filme: mesclou elementos que podem ser utilizados como simbolismo para que possamos elaborar múltiplas perspectivas de interpretação.
Finalmente, quero concluir este texto suscitando o que no filme considero de suma importância como conclusão da escolha da interpretação que escolhi.  O “livre arbítrio” e o medo são temas presentes do início ao fim do filme, quer de maneira explícita ou implícita. Vou fazer apenas uma breve explanação e “deixar no ar” algumas interrogações.
Aparentemente todos os personagens do filme possuem a capacidade de escolher o que desejam, uma vez que pertence a uma classe social detentora de capital econômico. Esse privilégio os torna possuidores de privilégios de bens culturais compartilhado por hábitos e identificações semelhantes no que diz respeito aos comportamentos, gestos, escolha do vestuário, organização e objetos domésticos ostentados como símbolos de sucesso, demonstração de poder com subalternos. Todos esses “predicados” estão unificados por uma visão de mundo.
Por que, então, os personagens não exercem o “livre arbítrio”? O que os coloca em “condição sub-humana”, a ponto de todos guerrearem contra todos? Onde nascem os desejos? Decidimos sobre o que desejamos?
Reinaldo Silva