domingo, 20 de agosto de 2023

O Pastor e o Guerrilheiro (José Eduardo Belmonte;2022)





O PASTOR , O GUERRILHEIRO .....E A LEITORA


O filme "O Pastor e o Guerrilheiro", produção de 2022   dirigida   por José Eduardo Belmonte, acrescenta  as últimas produções nacionais sobre a ditadura militar brasileira o aspecto da religião no contexto histórico vigente no período. Essa novidade por si só já destacaria o filme de Belmonte. Ao incluir a temática da religião dialogando com a política, Belmonte é pertinente numa roteirização dos divergentes para buscar a saída dos próprios isolamentos dos protagonistas, o pastor Zaqueu (César Mello) e o guerrilheiro Miguel ( Johnny Massaro). Isolamento pela prisão, pela tortura, pela incomunicabilidade sistêmica que a ditadura impunha e também a incomunicabilidade ideológica/epistemológica dos protagonistas.
 O que aparentemente significaria uma simples oposição mecânica entre religião e política, surpreende pelas intersubjetividades inerentes à essas esferas da vida social que são atribuídas aos personagens do pastor e do guerrilheiro e reveladas nos diálogos entre eles, especialmente quando se encontram na prisão. Desnaturalizando conceitos, significados, códigos e práticas constantes das respectivos, o filme ganha em qualidade. E a partir desse ponto é importante destacar a origem religiosa do pastor retratado no filme. Preso por engano pela ditadura ("por andar com comunistas"), o pastor Zaqueu representa um ramo histórico das religiões evangélicas brasileiras, a pentecostal, que preza a formação e os estudos teológicos sistematizados e sua divulgação. No filme, a trajetória de Zaqueu é pressionada para que ele ceda em suas práticas teológicas e adira ao crescimento da Teologia da Prosperidade, tão presente entre nós na atualidade. Surgido no final dos anos 1970, o neopentecostalísmo   hoje se insere nas mais diversas áreas do contexto nacional, da mídia ao cenário político.  
Conforme o sociólogo Ricardo Mariano,
" Até (...)décadas atrás seria inconcebível que um crente pentecostal fosse ao templo para, em fervorosas correntes de oração semana após semana e por meio de barganhas cósmicas - tendo a igreja como intermediaria e caixa registradora das transações -, desafiar a Deus com o fim de prosperar materialmente. “ (Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil 2005-Edições Loyola; pp.7)

Essa nova roupagem do protestantismo no Brasil, abandona várias características sectárias, hábitos ascéticos e o estereótipo de reconhecimento dos “crentes” ao propor novos ritos, crenças e práticas e atenuando os costumes e comportamentos como em relação às vestimentas.
Assim, o recorte que o filme faz sobre a religião deve ser considerada como o fenômeno social religioso e sua dinâmica no contato com outras esferas da sociedade sendo fundamental também para a compreensão o jogo político que as religiões participam.
E nessa direção, Friedrich Engels, no seu texto   “ A Guerra Camponesa Alemã”  ,de 1870, considera  que mais importante que o aspecto teológico das religiões,  frações das religiões  reformadas possuíam uma caracterização revolucionaria diante do catolicismo. Engels destaca a fração, anabatista que era dotada de um potencial de transformação social (não necessariamente uma revolução socialista) por conta de sua composição social que incluía camponeses, o nascente proletariado e plebeus.
Assim, o filme recorre a uma certa postura autocritica de seus protagonistas   buscando semelhanças e por isso não se excluindo.
Um outro aspecto que a meu ver contribui para a qualidade e pertinência do filme de v José Eduardo Belmonte é, digamos, um terceira linha, a linha condutora da memória que reforça o sentido da discussão central do filme .A história  é intercalada com cortes, onde a estudante Juliana (Julia Dalavia) Ao encontrar um livro em casa descobre que seu pai foi o coronel responsável pela tortura de João e   descobre sobre o encontro marcado entre o pastor e o guerrilheiro .Assim através da leitora Juliana a memória e sua transmissão  certificam  a historicidade  de “ O Pastor e o Guerrilheiro”.

Joaquim Ferreira