segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O Segredo de Beethoven(2006,Agnieszka Holland)



Sem Destino (1969,Dennis Hopper)



Indicação , apresentação do filme e texto: Virgílio Roma
O filme foi feito em 1969, tendo idéia e roteiro de Peter Fonda. Peter teve a idéia do filme e chamou seu amigo Denis Hoper para dirigir. Para produzir contaram com a ajuda do amigo Jack Nicholson que participa do filme fazendo sua estréia como ator. O filme é considerado um marco dos anos 60, assim como a "Primeira noite de Homem" e "Bonie and Clyde". A idéia do filme é a de atravessar os EUA de motocicleta saindo de L.A. chegando até Louisiana de forma descompromissada, sem noção de tempo,  conhecendo a realidade interna dos EUA. Deve ser salientado que o filme entra num contexto típico dos anos 1960. A saber, da contra-cultura, das experiências hippies, das drogas, do chamado underground americano. Há por parte dos motoqueiros uma clara contestação dos valores do trabalho, da família, daquele "american way of life". Eles vivenciam o interior americano onde são desprezados, maltratados, e tratados de forma preconceituosa pela comunidade branca da Louisiana .A cena marcante do filme se dá no início do filme  quando eles saem de L.A. pegam suas  motos e Wyth, personagem de Fonda joga o relógio fora. É um road movie de baixo orçamento e com alto retorno. Inaugurando esse tipo de filme, de baixo custo, alto retorno ,bem alternativo e de contestação.
Virgílio Roma

domingo, 7 de janeiro de 2018

Blade Runner (Ridley Scott;1982)



Indicação e apresentação do filme : Joaquim Ferreira



AS VERSÕES DE BLADE RUNNER:

1) VERSÃO DE SAN DIEGO:
 Esta revisão só foi exibida uma vez EM maio de 1982, em San Diego,na Califórnia.. A versão é quase idêntica ao filme lançado nas salas de cinema norte-americanas, a exceção da inclusão de três cenas adicionais nunca antes vistas.
 2) VERSÃO DAS SALAS DE CINEMA NORTE-AMERICANAS:
 O realizador Ridley Scott considerou a versão teatral dos EUA – que tinha a duração de 116 minutos – como uma traição, uma vez que foram feitas alterações no filme sem o conhecimento do cineasta.
 A Domestic Cut, como é conhecida, incluiu o “final feliz” e a narração de Harrison Ford. Embora várias versões diferentes do roteiro incluíam uma narração, Ford e Scott decidiram adicionar cenas para fornecer a informação. Porém, a narração foi reinserida durante a pós-produção da longa-metragem depois de alguns membros de uma audiência de teste terem dificuldade em perceber o filme. Além do diretor, também Harrison Ford contestou a decisão. Existiram rumores de que o ator narrou intencionalmente mal com a esperança de que a gravação não fosse usada. Além disso as seqüências aéreas do “final feliz” também não foram filmadas por Scott. Eram cenas que não foram utilizadas em “O Iluminado" de 1980, dirigido por  Stanley Kubrick.
 3)VERSÃO DAS SALAS DE CINEMA INTERNACIONAIS:
 A diferença com a versão norte-americana prende-se na violência. Este corte inclui três cenas de ação violentas, sequências que foram cortadas nos EUA
 4)VERSÃO TELEVISIVA NORTE-AMERICANA
 Existe a tradição em “limpar os filmes” para a exibição televisiva. E “Blade Runner” não foi exceção. Em 1986 para que a longa-metragem pudesse ser exibida na CBS, o filme sofreu um novo corte. A revisão, agora com 114 minutos, foi editada para diminuir a violência, palavrões e nudez com o objetivo de cumprir as restrições de transmissão.Esta versão foi precedida do programa “Saturday Night Movie Teaser”, que explicava a premissa do filme, deixando claro que Deckard não é um replicante. Além disso na revisão televisiva, o texto inicial do filme é lido por um locutor anônimo e não Harrison Ford
  5) O CORTE DO DIRETOR (The Director’s Cut) ,de 1991 com 116 minutos de duração
 A revisão de 1992, aprovada por Ridley Scott, foi motivada pelo lançamento da versão não autorizada em 1990 e 1991. Quando Ridley Scott rejeitou publicamente essa versão da longa-metragem, a Warner Bros. decidiu reunir o corte definitivo do realizador para uma reedição oficial em sala, em 1992. Esta decisão do estúdio deveu-se à necessidade em colocar um final à polêmica com Scott, mas também era uma resposta às exibições esgotadas do filme e à popularidade de culto de “Blade Runner”. Ridley Scott forneceu extensas notas e consultas à Warner Bros., embora tenha sido o restaurador de filmes Michael Arick o responsável por criar o “Director’s Cut”.
  6) O CORTE FINAL ( The Final Cut) ,de 2007 com 117 minutos de duração
 Este é o verdadeiro corte do realizador, pessoalmente montado por Ridley Scott e lançado nos cinemas em 2007 sob o apelido “Final Cut”. Esta é a única versão sobre a qual o cineasta teve controle artístico completo, já que a produção de “Director’s Cut” não colocou Scott diretamente no comando. Em conjunto com o “Corte Final”  foram produzidos documentários e outros materiais, uma vez que serviram para a edição do 25º aniversário de “Blade Runner”. Foi em 2000, que Scott encontrou tempo para ajudar a montar uma versão definitiva do filme com o produtor de restauração Charles de Lauzirika. A versão ficou parcialmente concluída em 2001, antes de questões legais e financeiras impedirem o trabalho. Após vários anos de disputas legais, a Warner Bros. anunciou, em 2006, que garantia os direitos de distribuição completa do filme.“Final Cut” apresenta “Blade Runner” como Scott queria originalmente: o sonho do unicórnio aparece na sua versão mais completa.As  cenas violentas da edição internacional foram reinseridas   e a trilha  sonora de  Vangelis soou melhor.

Reflexões sobre "Blade Runner" e sobre o livro "Do Androids Dream of Electric Sheep?", de Philip K. Dick

O livro surgiu antes, escrito por Philip Kindred Dick, e foi publicado em 1967. Depois veio uma primeira versão do filme, dirigida por Ridley Scott, em 1982, que inicialmente não teve a atenção merecida. No Brasil, o livro foi publicado nos anos 80, na esteira do filme, como O caçador de andróides. Por último veio a segunda e definitiva versão do filme, em 1993, quando a primeira versão já era considerada um cult movie. O livro e as duas versões do filme são semelhantes, ou seria melhor dizer parecidas, mas guardam entre si algumas diferenças que são muito importantes. O livro conta a história de um policial decadente, Rick Deckard, atuando como caçador de recompensas, um bounty hunter, especializado na captura de andróides evadidos. Pelos sucessos alcançados (mas porque então o clima de decadência?), ele é destacado para capturar seis andróides especiais, de uma classe denominada como Nexus 6, conhecidos como replicantes no filme, dotados de capacidades físicas e mentais bastante superiores às do homem.
A estória apresenta uma característica presente em quase toda a obra do autor. As idéias são sempre geniais, envolvendo drogas, religião, meios de comunicação de massa e dúvidas sobre identidade, mas os livros parecem começar bem, sem contar depois com uma finalização adequada. É como se ele começasse a escrever e lá pelo meio do trabalho perdesse o entusiasmo e concluísse apenas por compromisso. Essa impressão não está presente por exemplo em O homem do castelo alto, que é sua opera prima.O livro O Caçador de Andróides parece estar centrado na procura por animais sintéticos. Deckard aceitou a tarefa de caçar os Nexus 6 interessado na recompensa e pensando no animal que poderia comprar com ela. Ele almejava adquirir uma cabra. O romance com Rachel mostra-se superficial, ao ponto dele inclusive ser casado. É como se os homens em 1992 (quando se passa a estória) quisessem recuperar o tempo perdido, já que não mais existem animais naturais. O roteiro do filme é fortemente baseado no livro. Há o policial decadente, há os andróides, há a fuga e há o desejo de viver mais. O filme é polêmico ainda hoje. O tema clonagem (se bem que não é isso que acontece na estória) e todas as questões éticas envolvidas são muito atuais, para não dizer que estão na moda. Certamente os primeiros espectadores não conseguiram entender tudo que se queria dizer... No filme há também o teste de perfil de personalidade de Voigt-Kampff. Um medidor de resposta do sistema nervoso avalia a veracidade da reação das pessoas a questões que só podem ser bem resolvidas com base em experiências pessoais. O que você faria se seu cônjuge lhe traísse sobre a cama que compartilham? O que você faria se seu filho trouxesse para casa um animal machucado? As respostas autênticas vêm da experiência acumulada com o passar dos anos, que é justamente o que os andros não têm, já que suas memórias consistem em implantes. O filme é bastante lembrado ainda pelo clima noir e pelas imagens de trânsito com os hovercars. As cidades parecem caminhar para aquelas imagens claustrofóbicas, noturnas e úmidas, com gigantescos outdoors e anúncios de Coca Cola e de fast foods japoneses. A Terra configura-se como um local difícil de aturar, onde permanecem os seres humanos menos dotados, incapazes de viver no espaço. Mas é preciso dizer que o filme toma um enfoque diferente do livro, ao não prestigiar tanto a ambição por animais sintéticos e dar maior ênfase ao gênero humano. O filme se preocupa com os replicantes e com suas ansiedades e desilusões. No filme, um replicante volta ao apartamento que ocupava para procurar por fotos, e morre por isso, já que encontra Deckard, tenta se livrar dele mas acaba morto por Rachel (aliás, não teria ela o salvado já sabendo que seriam iguais?). A segunda versão apresenta diferenças marcantes em relação à primeira. Foram alterados cerca de cinco a dez minutos. Grande parte desses acréscimos envolve cenas de trânsito com carros voadores, sem qualquer importância no desfecho. Mas dessas alterações, uma é fundamental, mesmo sendo bastante curta. E não há a narração em off pela personagem de Harrison Ford. A grande diferença entre as duas versões aparece mesmo em duas cenas: uma acrescentada e outra retirada. Na primeira, acrescentada, quando Rachel aceita acompanhar Rick até seu apartamento, depois de tê-lo salvado em um embate com outro replicante, ele se deita no sofá com um copo de uísque. E sonha com um unicórnio. A segunda cena, retirada, no final, quando Rachel e Rick fogem em um carro voador, e ele conta que ela é especial, pois não tem um prazo de validade. Essas duas cenas, mais a cena anterior a essa, em que Rick busca Rachel em seu apartamento, e antes de entrar no elevador encontra um origami de um unicórnio, conferem a essa segunda versão uma dimensão que supera a primeira em profundidade e em transcendência, e que a diferencia do livro em objetivos. Apesar de sonhos aparecerem no livro já no nome, questionando sobre o conteúdo dos sonhos de andróides. Talvez mesmo fazendo referência ao seu inconsciente. O filme todo transcorre em um ritmo forte, sempre noturno e úmido, com pessoas que não chegam a constituir exemplos a serem seguidos. Os dois últimos replicantes, Roy e Pris, o portador de mal de Matusalém, J. F. Sebastian, o geneticista empreendedor, Tyrrel, o andro que é melhor que os outros, Rachel, e o próprio removedor, Deckard. O sonho com um unicórnio e o origami deixado pelo colega fecham o filme dando uma sensação que é tão impactante quanto um choque de um automóvel a 200km/h em um paredão. É como se o filme nos fizesse flutuar por breves instantes, retirando nossas referências de cultura, de passado, de profissão, de amizades e de relacionamentos, para nos mostrar como talvez esses apegos cotidianos não merecem a importância e a preocupação que despendemos, para depois nos soltar ao chão novamente, para nos encontrarmos perdidos entre referências embaralhadas. O clima de pessimismo do filme, um pessimismo visceral sobre o futuro e sobre a raça humana, só é amenizado pela belíssima trilha sonora composta pelo grego Vangelis. O solo de piano que Rachel dedilha quando descobre essa habilidade e enquanto Deckard sonha com um unicórnio, e a faixa que acompanha os créditos no final, logo depois da porta do elevador em que Rachel e Deckard entraram se fechar, são inesquecíveis. Enfim, o homem conseguira criar homens à sua imagem e semelhança, como aparecia nos cartazes de lançamento de filme, agora teria que arcar com as conseqüências, o que poderia exigir alguém à altura, fisica e mentalmente. Mas se o encarregado de resolver a situação pode (ou precisa) ser um replicante, quantos mais não podem ser? O incrível é que o filme vai muito além dessa pergunta tão simples e tão óbvia.
              
1. Uma singular mistura de gêneros
 Ambientado em um futuro distópico, Blade Runner mistura em sua ficção científica subgêneros como o policial noir e a estética cyberpunk. Mas vai além disso. Utiliza esses elementos para contar uma história que reflete e propõe questões filosóficas e existenciais.
No futuro, a humanidade passa a explorar e colonizar outros mundos. A tecnologia permite a fabricação de androides com aparência humana, destinados ao trabalho escravo em colônias fora da Terra. Chamados de replicantes, eles têm se tornado cada vez mais avançados. Até que exemplares de última geração, dotados de uma sofisticada inteligência artificial, se rebelam e fogem.
Difíceis de serem distinguidos dos humanos, a presença dos androides passa a ser proibida na Terra. Para cumprir essa lei existe os Blade Runners, encarregados de caçar e “aposentar” (exterminar) qualquer androide ilegal identificado.
O policial Rick Deckard (Harrison Ford) faz parte desse esquadrão e é incumbido de encontrar quatro replicantes em Los Angeles. São androides que descobriram que, por medida de segurança, foram fabricados com um período de vida mais curto e em breve vão simplesmente morrer. Por isso, correram o risco de vir à Terra em busca do cientista que os desenvolveu, na esperança de terem suas vidas prolongadas.
Ao contar esta história, o filme cria uma atmosfera noir dentro de uma realidade futurista suja, de espaços urbanos superpopulosos, escuros, estreitos, barulhentos, asfixiantes e visualmente poluídos. Já os ambientes internos são compostos de contrastes de luz e sombra, assépticos mas também escuros, refletindo o caráter ambíguo e melancólico dos personagens que vivem e transitam nesses espaços.
 2. Questões morais no encontro com Rachel
 Ao visitar o criador dos replicantes, Deckard conhece Rachel (Sean Young). Ele deve submetê-la ao teste como uma espécie de contraprova, já que ela, presumidamente, é humana. No entanto, antes mesmo disso acontecer, ela o provoca. Pergunta se ele, por engano, já matou um humano achando que era um replicante.
A questão revela uma linha borrada entre o que distingue homem de androide, trazendo à tona o primeiro conflito moral com que Deckard irá se deparar.
Rachel se sai bem em quase todas as questões do teste e, por muito pouco, não se passa por humana. Mas ela é uma replicante. O problema é que não sabia disso, mas começa a desconfiar a partir desse encontro com o agente.
Este é o momento em que o filme confronta seu protagonista com uma possibilidade nunca antes imaginada por ele. Se um replicante pode desconhecer sua condição de máquina por meio do implante de memórias, o que garante que ele próprio não seja também um deles e suas lembranças todas falsas?
 3. O desenho sonoro na morte de Zhora
 Há uma sequência, já tornada icônica, na qual Deckard persegue e mata a replicante Zhora (Joanna Cassidy). Durante a perseguição, e no seu desfecho, os elementos sonoros criam um efeito singular.
A maior parte da caçada é acompanhada pelos ruídos caóticos e desnorteantes da cidade superpopulosa. Sons de veículos, semáforos, pessoas, sirenes. Não há trilha sonora, apenas o que se chama de som diegético (o que o espectador ouve é exatamente o que os personagens ouvem), o que, no caso, é o caos atordoante da cidade.
Então, quando a replicante é alvejada, tudo muda. Os ruídos dão lugar a uma trilha melancólica, dentro da qual cresce, sutilmente, o som de um coração batendo, até parar subitamente.
A humanidade daquilo que acaba de ser morto é simbolizada (e posta em questão) por meio dos batimentos cardíacos. Isso surge dentro da virada no desenho de som, que muda do diegético para o não-diegético (aquilo que espectador ouve não é exatamente o que os personagens ouvem).
Mais do que isso, toda a composição e montagem da cena dá àquela morte um sentido de violência humanizada pelo tom de tragédia, de real perda de uma vida e não pela “aposentadoria” de uma máquina.
Em seu desconforto, Deckard parece desenhar questões que vão atormentá-lo e se tornarão a grande questão final do filme. É o início das dúvidas éticas e morais trazidas pelo trabalho que executa. Dúvidas que o colocam em conflito com sua própria noção de existência e identidade.
   4. Deckard: caçador ou caça?
 Vale notar que em apenas um dos quatro confrontos com replicantes Deckard está na condição de perseguidor. Nos demais, ele apenas se defende de ataques. Especialmente no final, quando encarna definitivamente o status de caça.
Esta é uma inversão que nubla, sorrateiramente, não apenas sua posição dentro da ação física, mas principalmente sua condição existencial. É um jogo de espelhos simbólico que reflete, por meio desse acaso, a natureza de seu protagonista.
Se androides é que devem ser caçados, colocar seu protagonista como caça na maior parte do tempo pode ser visto como uma alegoria da inversão. Ironicamente, esta metáfora pode ser encontrada na provocação que o replicante Roy (Rutger Hauer) faz ao agente durante o confronto entre eles: “mostre-me do que você é feito”.
   5. Blade Runner: o noir em sua ambiguidade máxima
 Ridley Scott optou em Blade Runner por uma narrativa de filme policial noir. Embora os códigos desse gênero sejam diversos e dispersos (gerando debates até mesmo sobre poder ou não ser considerado um gênero) uma de suas principais características é a do anti-herói de caráter ambíguo.
O personagem de Harrison Ford assume essa ambiguidade em uma dimensão excepcional, pois ela transcende seu caráter e atinge sua própria condição, fazendo aflorar profundas questões éticas relacionadas à sua natureza ambígua: homem ou replicante?
Se ele for mesmo um replicante, a consciência disso o coloca no centro de uma tragédia: a de ser um exterminador de sua própria espécie. É a maldição do saber, a maldição do conhecer a si mesmo. Dentro da ignorância, nada disso importava. Porém, uma vez confrontado com sua condição existencial, a ética se impõe como um fardo e suas ações ganham outra perspectiva e densidade.
É dentro dessa profunda ambiguidade que Deckard torna-se então o suprassumo do anti-herói noir. Os questionamentos éticos de seu trabalho ultrapassam as dúvidas dos limites normativos e morais da sociedade. Eles alcançam o mais íntimo e profundo estado da existência: a consciência de um modo muito específico de estar no mundo e a descoberta de que todo este tempo ele esteve (e se enxergou) no mundo de modo errado. O resultado é uma completa e brutal destruição de qualquer possibilidade de pertencimento. É o esfacelamento de sua identidade.
 6. A morte de Deus e a libertação da alma
 Roy e seus companheiros descobriram que sua geração de androides tem um tempo curto de duração. Em quatro anos, “morrem”. Por isso retornam à Terra. Porque querem viver mais. Um desejo básico da natureza humana diante da consciência de sua finitude.
Busca, então, seu criador movido pela fé de que este pode ajudá-lo. Descobre, entretanto, que é impossível, o que revela a fraqueza e a impotência daquele que o criou. Diante disso, renega e mata com suas próprias mãos aquele que acreditava ser capaz de salvá-lo da morte. Mata, simbolicamente, sua única fé. Roy encarna então a representação da morte de Deus. Ele, como o filho que retorna à Terra, encontra aquele que lhe deu vida e o mata por descobri-lo impotente. Mais uma vez, Blade Runner representa o drama do homem que adquire uma consciência ampla das coisas. É através do conhecimento, do choque com a realidade absoluta, que se mata a fantasia de um salvador. O que não deixa de ser uma forma de libertação.Mais tarde, momentos entes de morrer, o replicante salva a vida de Deckard, daquele que fora enviado para matá-lo. É um gesto de compaixão, um ato humanitário de perdão absoluto, como uma redenção dos pecados do policial.Reforçando toda essa carga simbólica, Roy havia antes se flagelado com um prego, trespassando-o na mão. Uma marca que faz referência à crucificação e às chagas de Cristo. E, por fim, carrega uma pomba branca, símbolo do Espírito Santo.
Logo depois de salvar Deckard, morre. Seu tempo acaba. A pomba se liberta de suas mãos e voa para o alto em uma forma de ascensão, ou uma libertação, simplesmente.
7. A memória das máquinas
 O que define a humanidade de uma criatura? Hoje, essa resposta é fácil porque ainda é exclusivamente biológica. Mas, e no futuro? É esse campo que a grande ficção científica explora, testa, pergunta, provoca. Blade Runner propõe uma série de alegorias filosóficas sobre a existência e sobre a humanidade. Sobre os limites e as possibilidades de ampliação desses conceitos. No seu momento mais poético, as últimas palavras de Roy colocam a memória, o ter estado no mundo, como algo precioso, mesmo que artificial. Esta existência anterior, mesmo que falsa, torna-se verdadeira dentro de cada indivíduo. Por isso, diz Roy para Deckard: Eu tenho visto coisas que sua gente não acreditaria. Vi naves de ataque em chamas nos limites de Orion. Vi raios cintilando junto aos portões de Tanhäuser. Todos esses momentos vão se perder no tempo, como lágrimas na chuva.