sexta-feira, 15 de março de 2019

Rosetta (1999, Jean-Pierre e Luc Dardenne )


Indicação, apresentação do filme e texto :Reinaldo Silva


                                       
  Rosetta: Angústia e “Realismo” Social
“Se Roseta fosse um filme mudo, mesmo assim eu entenderia todo o seu conteúdo”

A angústia ao contrário do sentimento do medo não possui um objeto determinado, identificável a olho nu. O que alimenta a angústia é um estado que fixa e aprofunda um sentimento que não pode ser expresso, seja pela fala, por gestos ou por outra forma de simbolismo.
O fundamento que une angústia e “realismo” social é o movimento da câmara, impossível de ser dissociado. A habilidade dos diretores, qualidade estética pouco presente em outros diretores, envolvidos no segmento da indústria cinematográfica comprometida com efeitos visuais, que pouco ou nada acrescentam à qualidade dos filmes, orçamentos elevados e retorno financeiro garantido. Enfatizo: não entenderemos nada do envolvimento emocional que o filme provoca sem levar em conta os movimentos da câmara com as nossas emoções.
Roseta não deixa a câmara descansar (ou é o inverso?) registrando suas expressões faciais pouco variáveis, o rosto ocupando, majoritariamente, o primeiro plano na tela, uma experiência física e ao mesmo sensível, associada as imagens longas e não fragmentadas como estamos habituados a ver em filmes. O desempenho da atriz que interpreta Rosetta é de tirar o fôlego.
Física é a angústia e o desespero de Rosetta. Ela não dança e não sorri durante todo filme (apenas um esboço em um determinado momento), as emoções estão reprimidas. Quem assistir ao filme saberá em que local do corpo a angústia de Roseta se localiza. O sintoma desse estado é visível em seu comportamento. Não é algo que ela vive na mente, porque angústia e desespero ou qualquer outro sentimento são também corpóreos. E quem capta o desempenho da atriz em relação a esses sentimentos são os movimentos da câmara.
Quando associo a angústia de Roseta as condições sociais em que ela vive (o que estou chamando de “realismo” social) não estou reduzindo esse sentimento ao mero efeito das condições econômicas e políticsa nas quais ela busca o reconhecimento e a possibilidade de uma existência material digna. Mas sem conhecermos (e não iremos conhecer) a trajetória de vida de Rosetta, seremos convencidos que a sua angústia é derivada de “problemas psicológicos”, do chavão “antissocial”, que até hoje domina os discursos dos portadores de uma ideologia que desvincula indivíduo de sociedade. Particularmente, estou cansado de ouvir essa bobagem.
A angústia (derivada do latim angere, apertar, estrangular), que ao contrário do sentimento do medo não possui um objeto determinado, não pode ser identificado. O que alimenta a angústia é um estado de constante ameaça da liberdade de ação, uma vertigem e movimento que pode paralisar ou intensificar com sinais de violência e consequente desespero, o domínio do vazio na existência.
Finalmente, minha última consideração sobre esse extraordinário  filme. Considero essencial vincular a existência de Rosetta ao “realismo” social, isto é, ao conjunto de precariedades sociais, econômicas e políticas nas quais ela vive. Essa é a mensagem que, acredito, de fundamental importância e próxima de um “realismo social” bem semelhante ao nosso, vivendo a milhares de km de Rosetta.

Reinaldo Silva
Vídeo: O Realismo Social do Cinema dos Irmãos Dardenne