segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Cão Branco ( Samuel Fuller ;1982)


 O campo de batalha de Samuel Fuller.
 BERNARDO D.I. BRUM | 17 de Agosto de 2012

“Sempre quis saber, o que é o cinema, exatamente?”
“Um filme é um campo de batalha.
É amor, ódio, ação, violência, morte. Em uma palavra: emoção”
Diálogo entre Ferdinand Griffon (Jean-Paul Belmondo) e Samuel Fuller em O Demônio das Onze Horas, de Jean-Luc Godard.


A frase acima serve não só para descrever a visão de cinema defendida ferrenhamente por décadas, mas também para sintetizar em poucas palavras todo o cinema do diretor Samuel Fuller, que no dia 12 de agosto de 2012 comemoraria 100 anos se estivesse vivo.
Nascido Samuel Michael Fuller, filho do imigrante judeu russo Benjamin Rabinovitch e da imigrante judia polonesa Rebecca Baum em Worcester, Massachussets (a família mudara o nome de Rabinovitch para Fuller, provavelmente em homenagem a dois passageiros com esse sobrenome do navio Mayflower, que em 1607 trouxe separatistas ingleses e holandeses para a América.), Fuller começou a trabalhar ainda menino, com 12 anos de idade, como vendedor de um jornal nas ruas. Aos 17, começou uma carreira como cartunista e repórter da página policial do New York Evening Graphic, e mais tarde, em 1930, começaria a escrever roteiros, atuando também como ghostwriter, e escrevendo novelas do gênero pulp fiction, sendo a mais famosa delas The Dark Page, de 1944.
Na década de quarenta, Fuller serviu ao exército americano, fazendo parte do 16º Regimento da Infantaria, passando por campanhas na África, Sicília, Normandia, Bélgica e Tchecoslováquia. No final da guerra faz o seu primeiro registro conhecido, em 16mm, na liberação de pessoas do campo de concentração tcheco de Sokolov. Lá, presenciou tiroteios e tragédias que marcariam para sempre a sua memória – a guerra seria um tema recorrente na obra de Sam.
Prolífico, Samuel Fuller já tentava a sorte na nascente indústria do cinema há algum tempo: seus primeiros créditos como roteirista vêm da década de 30, assinando o roteiro da comédia musical Hats Off (1936) e de um drama sobre o mundo do crime, Gangs of The Waterfront (1945), que assim como fazia em suas pulp fictions, já delineava os temas que mais gostava de trabalhar: elementos como crime, traição, farsa e paixão já mostravam desce cedo o interesse em descortinar através do cinema temas normalmente considerados inconvenientes. A história já era tipicamente fulleriana, mostrando um delegado que convence um taxidermista a se passar por um líder de gangue atualmente fora de ação por causa de um acidente, enganando até a namorada do criminoso. E há, claro, o momento da vingança, quando o bandido descobre o que aconteceu e sai em busca de vingança.
Insatisfeito com a direção de Douglas Sirk e as mudanças no seu roteiro no filme Apaixonados (Shockproof, 1949), uma história de um triângulo amoroso onde originalmente era previsto um policial se rebelar violentamente contra o sistema ao final da obra, mas que Sirk se interessara pelo tema tratar de tabus, uma constante na obra do alemão. Foi quando ele resolveu, então, dirigir os próprios roteiros que escrevia, após ser contratado para escrever três obras pelo produtor independente Robert Lippert. Foi a gênese de Fuller como cineasta, dirigindo Matei Jesse James (I Shot Jesse James, 1949), O Barão Aventureiro (The Baron of Arizona, 1950) e Capacete de Aço (Steel Helmet, 1951).
Nessas três obras, Fuller revelava uma grande vontade de subverter padrões com seus personagens deslocados e anarquistas – O faroeste escuro retratado nos primeiros dois filmes abandonavam os contos de honra e virtude para adentrar no campo da traição, da mentira e do mundo ilícito e proibido: com fortes influências expressionistas, as luzes e sombras de Fuller desde cedo recortavam do cotidiano rostos sempre no extremo da emoção – como se fosse o folhetim de um jornal.
Capacete de Aço, o primeiro filme de guerra de Sam, foi o responsável direto por projetar o diretor – ele assinaria com a 20th Century Fox. Em seqüência, viria outro filme de guerra, Baionetas Caladas (Fixed Bayonets!, 1951) e o film noir Anjo do Mal (Pickup On South Street, 1953), que consolidava então o nome de Fuller como potência crescente do cinema estadunidense. A Dama de Preto (Park Row, 1952), com a intenção de mostrar os podres do jornalismo, foi seu primeiro fracasso. Os anos cinqüenta foram sem dúvida seu ápice enquanto artista reconhecido por sua estética poderosa – é por causa de filmes como Dragões da Violência (Forty Guns, 1957) que o brasileiro Rogério Sganzerla declarou em um manifesto que Fuller o ensinou a “desmontar o cinema tradicional através da montagem”, comandando a estrela Bárbara Stanwyck em um dos primeiros westerns feministas ao lado de Johnny Guitar (idem, 1954), de Nicholas Ray e O Diabo Feito Mulher (Rancho Notorious, 1952), de Frtiz Lang, em um dos poucos faroeste onde é difícil torcer para um lado, recheado de pequenas set-pieces poderosas.
E se os westerns de Sam já eram descontruídos em seu descortinamento dos parias sociais, que o digam seus film noir, produzidos principalmente ao final dos anos cinqüenta e início dos sessenta – O Quimono Escarlate (The Crimson Kimono, 1959), A Lei dos Marginais (Underworld U.S.A., 1961) e O Beijo Amargo (The Naked Kiss,1964) eram noirs tardios, pós-A Marca da Maldade (Touch of Evil, 1958), que mostrava a degradação moral do homem em sociedade: nesses filmes, racismo, crime organizado e pedofilia eram tratados de maneira explícita. Da mesma época, provém também o filme de sanatório Paixões que Alucinam (Shock Corridor, 1963), um dos maiores mergulhos do cinema na loucura. Nesses filmes, crianças são atropeladas e abusadas sexualmente, negros são partidários da KKK, amizades são desfeitas em nome da luxúria e de um etnocentrismo burro: a tônica de Fuller, a loucura de ser racional em um mundo que virou de cabeça para baixo e ninguém respeita mais nada. Só a ação individual poderia nos redimir da podridão.
Se em O Beijo Amargo observamos a via sacra de uma prostituta temperamental, Renegando Meu Sangue (Run of The Arrow, 1957) marcou por ser um dos primeiros westerns anti-racismo, mostrando o homem branco convivendo com índios após perceber que a sociedade dita civilizada é tão embrutecida e selvagem quanto. No final, a reconciliação, em suspenso, é claro – surge o anúncio “o final dessa história só depende de você”.
Democrata que era, Sam não acreditava em tradições e instituições inabaláveis – tudo era relativo, nenhum erro devia ser encoberto, a transformação era necessária. Nunca inocente ou ingênuo, é claro. Seus personagens, desesperados, não são exemplo de seres humanos – são contraditórios e cínicos e não tão espertos ou poderosos assim – quando enfrentam ricos abusivos, mafiosos cruéis e instituições repressoras, inevitavelmente assinam o atestado de óbito ou de loucura.
Defendido febrilmente pela Cahiers du Cinema e por cineastas como Truffaut, Chabrol e principalmente Godard, que além de colocar Fuller em seu O Demônio das Onze Horas ainda pegou emprestada de O Quimono Escarlate a técnica do jump-cut para Acossado (À Bout de Souffle, 1959) – voltando à grande obsessão de Fuller na hora de decupar um filme, a ação, o personagem enfrentando o mundo não por meio das idéias, mas na base de socos, tiros e gritos -, Sam voluntariamente se retirou do cinema por alguns anos devido ao filme Tubarão (Shark!, 1969), filme estrelado por Burt Reynolds onde um dublê tragicamente morreu ao ser atacado por um tubarão que deveria estar sedado enquanto a câmera rodava. Os produtores, inacreditavelmente, renomearam o filme do original Caine para esse com o objetivo de atrair polêmica. Fuller saiu da produção, e após ver o resultado nas telas, com o filme todo editado de uma maneira completamente diferente do seu projeto original, tentou retirar seu nome dos créditos, sem sucesso.
Apenas no ano de 1980 que Fuller retornaria triunfalmente na fase final da sua carreira; o amigo Peter Bogdanovich, o qual Sam ajudou no roteiro de Na Mira da Morte (Targets, 1968), e também um fanático pelo cinema do veterano, ajudou-o a financiar um filme que se passasse na Segunda Guerra Mundial, no desembarque das tropas americanas no Dia D, baseado nas próprias experiências de Fuller durante suas campanhas na Normandia e Itália: o resultado foi Agonia e Glória (The Big Red One, 1980), épico antiguerra estrelado pelo astro cult Lee Marvin, onde de maneira episódica várias cenas perturbadoras desembocam para um final que não glorifica ninguém, apenas mostra a imbecilidade e montruosidade insana da guerra. Um projeto que foi obsessão do diretor por quase trinta anos tornou-se, ainda hoje, um dos mais relevantes filmes sobre o assunto.
O ódio humano gravado em pedra como um vício marcou a fase final da carreira – se a reconcialiação e redenção eram possíveis em Verboten! (Idem, 1959) e A Casa de Bambu (House of Bamboo, 1955), não parecia ser o mesmo em Cão Branco (White Dog, 1982), onde o racismo era então uma doença que precisava ser trabalhada e esquecida – afinal o ódio direcionado combinado com o instinto animal é talvez o elemento inato mais nocivo para a sociedade, quando um patriarca de uma família WASP treina um pastor alemão branco para atacer negros. O controverso filme, suspenso pela produtora Paramount Pictures, foi o último americano do diretor, que teve de ser lançado de maneira independente, arrecadando muito pouco, mesmo coberto de críticas positivas.
Descrito por quem o conheceu como um homem incansável, que jamais largava seu característico charuto, enérgico e tagarela (um repórter que tentou entrevistá-lo para um livro aos moldes de Hitchcock/Truffaut desistiu após perceber que, após 18 horas de gravação de fita, ainda não tinha chegado na parte em que Fuller se metia com cinema pela primeira vez), Fuller terminou sua carreira como diretor com Ladrões do Amanhecer (Thieves After Dark, 1984) e Uma Rua Sem Volta (Street of No Return, 1989), dois filmes policiais de produção francesa que ao mesmo tempo que fechavam sua filmografia de maneira exemplar, também servia como agradecimento aos críticos e cineastas franceses que sempre o defenderam como um dos autores máximos da sétima arte – o primeiro, com uma história muito semelhante a Acossado, e o outro, uma adaptação de David Goodis, célebre autor noir também adaptado por Truffaut em Atire no Pianista (Tirez Sur Le Pianiste, 1960).
Ainda nos anos oitenta, fez uma pequena participação em O Estado das Coisas (Der Stand Der Dinge, 1982), do alemão Wim Wenders, aonde disse outra de suas máximas: “Sem dúvida, a vida passa a cores. O preto e branco, porém, é mais realista.” Preto e branco esse que garantiu o fascínio e a admiração de muitos diretores que prestariam homenagem ao seu ídolo chamando-o para fazer participações especiais em pequenos papéis – além de Wenders e Godard, também entram na lista Luc Moullet, Dennis Hopper, Mika Kaurismäki, Larry Cohen, e pasme, até Steven Spielberg em seu 1941 – Uma Guerra Muito Louca (1941, 1979).
De Jarmusch a Tarantino, não são poucos os diretores que ficaram impressionados com o trabalho de Samuel Fuller – Martin Scorsese é um dos primeiros a louvar seu jeito de capturar a ação com a câmera, citando alguns de seus filmes em seu livro de entrevistas. Esse mundo pulp, escuro e ambíguo, onde trombadinhas, ladrões de carteira, prostitutas, soldados rasos e pistoleiros anônimos eram os heróis protagonistas e conviviam com um mundo trágico e brutal onde a morte era quase sempre certa. Tal visão de mundo, combinada com a estética de luzes duras, tonalidades fortes, planos a favor da ação e da expressividade e não da narração pura e simples, marcaram de forma indelével o cinema que quer mexer com a marginalia – dos psicóticos de Scorsese às aberrações de Tarantino, todos eles têm um pouco de Fuller no seu anacronismo anárquico que defendem até a hora de morrer. Como aconteceu com o próprio, aliás – várias vezes fracassando, sendo criticado toda a vida por diálogos ditos forçados e exagerados, mas eternamente remando contra a maré.
O cineasta maldito por vocação e opção habita até hoje o terreno do cult, mesmo reunindo um grande séquito de seguidores. Seus gritos de protesto ecoam ainda nem tão discretos no estilo de vários diretores ainda em atividade. E como prova definitiva do seu legado, nada mais justo que citar  o caso do Midnight Sun Film Festival, da cidade de Sodankylä, na Finlândia, onde  Fuller foi o primeiro convidado de honra internacional – o que marcou tanto a população do bairro que a cidade nomeou uma de suas ruas como “Samuel Fullerin Katu”. Rua Samuel Fuller. Onde, quem sabe, as imagens e histórias marcantes desse homem que nos deixou em 30 de Outubro de 1997 continuam acontecendo noite após noite, seja na vida real ou na imaginação de cada um dos seus fãs.
(Disponível em https://www.cineplayers.com/perfis/samuel-fuller)


sábado, 20 de novembro de 2021

A Última Abolição( Alice Gomes;2018)

 



Exibimos no Espaço ECOARTE Livraria, em São  Pedro da Serra  ,o documentário " A Ultima Abolição", por conta do  "Mês da  Consciência Negra"   iniciado com  a  exibição de  "Marighella", de Wagner Moura no  último dia 18. Dirigido pela carioca Alice Gomes e lançado em 2018, o filme  aparentemente poderia ser  " mais um filme de história , mais um filme sobre o racismo" .Mas considero que não é!
Os documentários  correm sempre o risco de absorver uma centralidade do saber pela fala.Isso , em  grande parte é ,na minha opinião, um processo falho, além  de monótono,  que tem no descompasso  entre o trabalho de roteirização e montagem a origem do problema. O processo de montagem de um documentário ou de um filme  ficcional é responsável pela estruturação final da narrativa desejada. É o que podemos considerar como um  “terceiro filme” que é  feito a partir do material bruto dos  depoimentos  de extensa duração.
Entretanto , " A Ultima Abolição" supera certos lugares-comuns  existentes  na estruturação de diversos  documentários afins.  Nesse sentido, num filme de pouco mais de uma hora e 20 minutos de duração , o processo de  montagem utiliza-se  de uma crescente  argumentação lógica e histórica ,  que  com o diálogos divergentes e complementares   dimensionam o entendimento para uma necessária  perspectiva de totalidade. É  o entrelaçamento e equilíbrio  imprescindíveis entre roteiro-direção -  montagem.
A montagem do documentário em questão foi feita pela competente e premiada Natara Ney que também divide o roteiro do filme com Alice Gomes.Natara  , dentre outros trabalhos  , fez a montagem  de " Pernamcubanos - O Caribe Que Nos Une" ,de 2012 e ganhou em 2014, o  “Prêmio Cinema Brasileiro” por Melhor Montagem. do documentário " O Mistério do Samba" , ambos  exibidos pelo cineclubismo de  Lumiar e São Pedro da Serra.
Assim, os diversos depoimentos e análises variam de posições que vão de um viés mais culturalista à afirmações que sugerem criticas  a circularidade de argumentações contra o racismo  que não consideram as questões classistas, passando ainda por um atualização jurídica e penal sobre o problema que desmonta a linguagem jurídica que ainda criminaliza  a população negra. 
O final do documentário, seguindo o excelente trabalho de montagem e direção, converge para um  chamamento em prol da construção de um outro tipo de sociedade,   espécie de síntese de todas as posições colocadas ao longo do filme feita pela  filósofa Sueli Carneiro., do Geledés.Ela lembra uma citação do também filósofo jamaicano Charles Wade Mills  que afirma que " toda pessoa branca, queira ela ou não, é beneficiária do racismo a despeito de sua vontade . Porém, nem todas as pessoas brancas são, necessariamente, signatárias desse contrato racial." 
A conclusão de Sueli Carneiro enfatiza  a  necessidade de diálogo, negociação, parceria e consenso, decorrente do reconhecimento de que nem todas as pessoas brancas concordam  com o contrato do sistema injusto.do racismo  e  deve se engajarem  no processo.de luta antirracista.
O documentário conta ainda com importantes depoimentos de intelectuais, acadêmicos  e profissionais, como Alexandre do Nascimento, Álvaro Pereira do Nascimento, Amilcar Araujo Pereira, Ana Flávia Magalhães Pinto, Ângela Alonso, Antônio Carlos Higino da Silva, Elciene Rizzato Azevedo, Fernando Conceição, Giovana Xavier, Hebe Mattos, Humberto Adami, João José Reis, Nielson Rosa Bezerra, Paulo Rangel, , Tom Farias e  Wlamyra Albuquerque.
Outro destaque que faço  de " A Última Abolição",  é a atraente iconografia  videográfica que intercalada  aos depoimentos  sustenta, exemplifica, esclarece e atualiza as argumentações,. recorrendo as idéias dos pensadores abolicionistas de fins do século XIX, como Luiz Gama , André Rebouças e  José do Patrocínio.
Por tudo isso , considero  o documentário uma importante contribuição  para para o fortalecimento da consciência e luta antirrascistas,. A qualidade narrativa e teórica do documentário  é inegável  pois com  rigor histórico , a relação de permanência e mudança. são desenvolvidas a todo instante no filme. Infelizmente ainda , a prática mostra que permanências ,mais que mudanças, dão o tom  da questão racial no Brasil . Mas a qualidade do documentário já é um aspecto da mudança.

Joaquim Ferreira

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Viridiana ( Luis Buñuel;1961)

 


Na seqüência de nossas sessões presenciais na  Euterpe Lumiarense,  exibimos na  ultima terça -feira, 23/11, o filme " Viridiana", de Luis Buñuel.O filme foi indicado  e apresentado por Virgilio Roma.
Produção espanhola de 1961, o filme ganhou  Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1961 e é considerado por diversos críticos como  um dos melhores da história do cinema 
A obra cinematográfica de Buñuel é marcada  por características  que o colocam na posição de um dos mais controversos cineastas do mundo. Na sua vasta obra, composta de 33 filmes em cinqüenta anos de carreira, obras como "Um Cão Andaluz" (1928) , "A Idade do Ouro" (1930); "Terra sem pão" (1933);  "Os Esquecidos" (1950); "O Anjo Exterminador" (1962), "A Via Láctea" (1969) ; "La Belle de Jour" (1967), "Tristana" (1970).; "O Discreto Charme da Burguesia " (1972), "Esse Obscuro Objeto do Desejo" (1977), dentre outras, mostra Buñuel explorando   temas com o  amor louco, o anticlericalismo, o inconformismo diante do convencional, a  transcendência mostrada  em imagens  alucinatórias , utilizando  um  humor caustico e , muitas vezes, uma certa singeleza nas imagens  que marcaram seu estilo 
Segundo Buñuel , 
" A moral burguesa é a i-moral,contra a qual devo lutar.A moral fundada sobre nossas tão injustas instituições sociais, como  a religião, a pátria, a família, a cultura;enfim, aquilo que se chama os pilares da sociedade"(Entrevista de 1960)
É uma filmografia densa, sinuosa  .mas  muito  fiel a vida que Buñuel levou, desde a convivência  com os surrealistas nos  anos 1920  , os problemas de gênero com Garcia Lorca  até o rompimento com Salvador Dali nos anos 1940, passando por seus diversos destinos e"exílios" . Ao  deixar a Espanha com o início da Guerra Civil  em 1938., foi para A França, Estados Unidos e México . Regressa a Espanha no início da década de 1960  e realiza Viridiana
Em Viridiana , o estilo de Buñuel  a meu ver, tem  um conteúdo mais político, mesmo que não explicito . É  uma critica profunda  a ditadura de Franco  que, teria   aceitada  ingenuamente subsidiar e promover o filme no Festival de Cannes de 1961, sem que governo examinasse previamente a obra.  Se Franco foi ingênuo a esse ponto não posso afirmar   mas que a genialidade  superou  a ditadura, isso é fato! Depois o filme foi proibido na Espanha e só foi reexibido  no pais com o fim do franquismo.
Os elementos que sustentavam a ditadura de Franco são alegoricamente tratados no filme:  especialmente os  conceitos habituais de caridade e virtude cristãs. da Igreja Católica , uma das bases de apoio ao franquismo. .Viridiana representa   a submissão do baixo clero a tal  da caridade , limitada por natureza  em termos de capacidade para superar a pobreza e  conceder aos pobres autonomia para transformação social . 
A aristocracia, outro sustentáculo do franquismo,  e  representada no filme por Don Jaime (Fernando Rey), que quer a todo custo seduzir a noviça Viridiana(representada por  Silvia Pinal.,) .Don Jaime morre sem conseguir seu objetivo e é substituído pelo  filho Jorge (Francisco Rabal,) na condução dos negócios  .Este apresenta  uma postura moral  mais "moderna" porem também hipócrita e sem ser transformadora ,  típica de frações da classe dominante  que se  alternam  no controle do poder.  .A cena final envolvendo Jorge  mostra bem a moral que Buñuel tanto criticava.
Viridiana , que etimologicamente significa   “a verdadeira divina"  , também leva o nome de uma santa católica  italiana do século XIII,  condenada por blasfêmia e indecência  pela autoridade papal.
A cena mais marcante de "Viridiana" na minha opinião, é a profanação ,marca de  Buñuel, ocorrida durante a ceia dos mendigos que redimensiona   os   atos caridosos e de  fé de Viridiana 
A cena quebra a "harmonia"  do filme quando os mendigos são deixados sozinhos na casa de Dom Jaime. Sem os “patrões”, os pobres realizam  um banquete , onde reproduzem " A Última Ceia"  de Leonardo Da Vinci. E na fotografia que congela e  transpõe   o quadro de Da Vinci para o filme de Buñuel, a posição no centro do quadro que é originalmente a de   Jesus Cristo  é representada   pelo líder dos mendigos, que é um cego! Na  seqüência o mundano se impõe sobre o sagrado,  mandamentos e sacramentos  são transformados  e pecados cometidos :   um dos mendigos, vestido de noiva, dança a  Aleluia de Handel , há estupro, destruição de objetos da casa e tentativas de assassinato. Uma inferência que fiz ao rever "Viridiana" tem origem na  demonstração que a caridade não concede autonomia..O baixo clero -Viridiana- sufocado pelo controle hierárquico da Igreja Católica submete-se a essa constatação Ao optar pela vida mundana expressa na cena final, a ex-noviça transforma--se abandona a caridade , transforma-se  moralmente e  não se interessa pela organização política  dos pobres.É  anarquia social verificada no banquete citado e,  possivelmente para Buñuel ,a representação  da própria desorganização da oposição   sindical, partidária e política da Espanha franquista..
 Assim,  
" A traição de Viridiana em relação ao seu Deus-Igreja compõe uma das sequências finais da obra, quando ela queima os objetos religiosos e penteia-se e maquila-se para uma visita ao homem que ela secretamente desejava. A ex-noviça começa (ou termina) a sua jornada ouvindo jazz e jogando cartas com Jorge e a empregada da casa, com quem ele mantinha um caso. A câmera abandona o “trio pecador” afastando-se lenta e dramaticamente, pondo-se à distância, como que envergonhada. O desejo alcança a sua vitória ao fim da fita e, na mesa de jazz, cartas e sexo, cada ponta do triângulo tem uma vontade oculta a realizar. mundo. " (Luiz Santiago . Disponível em https://www.planocritico.com/critica-viridiana/)

Típico filme para ser visto ,revisto e a cada exibição ter a percepção de ser uma obra nunca vista! 



Viridiana– Espanha, México, 1961
Direção: Luis Buñuel
Roteiro: Luis Buñuel, Julio Alejandro (adaptação da obra de Benito Pérez Galdós)
Elenco: Silvia Pinal, Fernando Rey, Francisco Rabal, José Calvo, Margarita Lozano, José Manuel Martín, Victoria Zinny, Luis Heredia, Joaquín Roa, Lola Gaos, María Isbert, Teresa Rabal
Duração: 90 minutos

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

PROGRAMAÇÃO DE NOVEMBRO/2021


 PROGRAMAÇÃO -NOVEMBRO/2021

16/11 -MILITARES DA DEMOCRACIA: OS MILITARES QUE DISSERAM NÃO
BRASIL;2014;Documentário;Direção e Roteiro: Silvio Tendler ;100 min.
O documentário resgata, através de depoimentos e registros de arquivos, as memórias repudiadas, sufocadas e despercebidas dos militares perseguidos, cassados, torturados e mortos, durante a Ditadura Militar por defenderem a ordem constitucional e lutando pela democracia dentro e fora dos quartéis .

23/11-VIRIDIANA
ESPANHA/MÉXICO;1961 Direção: Luis Buñuel;90 min
Às vésperas de ser ordenada freira, Viridiana passa uns dias na mansão do seu  tio que,obcecado com sua beleza,tenta seduzi-la.Com a morte do tio,desiste da vida religiosa, indo morar na mansão. Movida pelo espírito de caridade cristã, ela abriga e alimenta todos os mendigos da região. Porém,os miseráveis não se comportam do jeito que ela esperava.

30/11-CÃO BRANCO (White Dog)
EUA;1982Diretor: Samuel Fuller;84 min.
Jovem atriz adota um cão branco perdido na rua .Aos poucos, ela nota um comportamento estranho no cachorro e percebe que é um animal treinado para atacar pessoas negras. Ela entrega o cão aos cuidados de um adestrador, ele próprio negro, para tentar reeducar o animal..

07/12-SONATA DE OUTONO(Höstsonaten)
SUÉCIA;1978; Direção e Roteiro Ingmar Bergman;99 min.
Elenco Principal:Ingrid Bergman,Liv Ullmann,Lena Nyman
Uma pianista famosa visita sua filha no interior da Noruega. A artista se depara com uma mulher introspectiva e deprimida. O encontro das duas é tenso, marcado por lembranças do passado e revela uma relação repleta de rancor,ressentimentos e cobranças.
 
14/12 -CADA UM COM SEU CINEMA (Ou Aquele Calafrio de Quando as Luzes se Apagam e o Filme Começa(Chacun son cinéma ou ce petit coup au coeur quand la lumière s'éteint et que le film commence )
FRANÇA;2007;119 min.
Dirigido por: Abbas Kiarostami,Aki Kaurismäki, Alejandro G. Iñárritu,Amos Gitai, Andrey Konchalovskiy, Atom Egoyan ,Bille August, Claude Lelouch ,David Cronenberg, David Lynch ,Elia Suleiman ,Joel & Ethan Coen, Gus Van Sant, Hou Hsiao-hsien ,Jane Campion ,Kaige Chen , Kar Wai Wong, Ken Loach ,Lars Von Trier , Jean-Pierre &Luc Dardenne ,Manoel de Oliveira ,Michael Cimino ,Nanni Moretti ,Olivier Assayas, Raúl Ruiz ,Raymond Depardon, Roman Polanski ,Takeshi Kitano, Theodoros Angelopoulos, Tsai Ming-liang, Walter Salles, Wim Wenders, Youssef Chahine ,Zhang Yimou
Em comemoração aos 60 anos do Festival de Cannes em 2007 , 34 cineastas de vários  países são convidados a realizar um filme coletivo, cada um contribuindo com curtas de três minutos de duração, que expressam sua paixão pelo cinema.