domingo, 22 de janeiro de 2017

E La Nave Va ( Federico Fellini;1983)


Indicação e apresentação do filme: Maria Helena

FEDERICO FELLINI E LA NAVE VA (1983) 

Fellini, ele mesmo, declarava que não era um italiano típico: não ligava para futebol e nunca havia se interessado por ópera. Mas Nino Rota tinha morrido em 1979 e Il Maestro perdera a parceria onde a música, sempre original, era um agente dramático. Então achou que era hora de se aproximar do canto lírico. Não somente criou climas épicos usando trechos de Verdi, mas escreveu e filmou um roteiro sobre grandes divas e os amantes da ópera. Quando a história começa, nós espectadores acompanhamos, no porto de Nápoles, a partida de um navio de luxo que carrega as cinzas de Edmea Tettua, a grande soprano cuja voz inigualável se erguia miraculosamente, sem esforço. Poderia ser inspirada em Maria Callas, sendo ela também nascida numa ilha em cujo litoral serão suas cinzas lançadas ao mar. Para prestar as últimas homenagens seguem os seus admiradores, figuras bizarras, caricatas, que vão se revelando por pequenos “flashes”. Seus egos são enormes. Eles são a elite da arte: divas, maestros, professores de canto, tenores, até uma família real, devidamente ridicularizada. A forma de nos situar no tempo se dá através de algumas sequências iniciais em sépia, quando vemos o navio Gloria N no cais e a chegada de carros com passageiros e bagagens. Trata-se da projeção de um filme (documentário) mudo, onde os intertítulos informam o mínimo necessário. Só se ouve o ruído do projetor. As imagens mostram todo o burburinho do cais, o povo e as crianças assediando os milionários que os repelem com irritação. O filme se torna colorido quando a viagem começa, quando todos embarcam ao som da abertura de A Força do Destino, de Verdi. Esse passagem para a cor nos comunica que podemos viver a história contada, no presente, entrando na mágica do cinema . A data é 1914, ano do início da Primeira Guerra Mundial, que liquidou com o romantismo da Belle Époque. Os ambientes são luxuosos e no salão de refeições os passageiros comem muito devagar, mais preocupados em mastigar com elegância as iguarias que saem de uma cozinha que funciona com ritmo frenético. Do lado oposto da porta, o maitre desliza ao som do balé Quebra-nozes, do também romântico Tchaikovsky. São vários tempos dentro de um mesmo tempo. O passado daquele passado 1914 também se faz presente, na projeção de um tempo quando Edmea ainda vivia e que, repetidamente, é rememorado pelo Conde Bassano, personagem romântico e “ambíguo” no julgamento do narrador, Orlando. Trancado em sua cabine repleta de peças e memórias da cantora que idolatra, ele parece nos dizer que os belos tempos ficaram no passado. E não é isso que pensam os românticos quando, ainda hoje, celebram os tempos antigos? Qual a melhor maneira de capturar o passado? a câmera cinematográfica, personagem destacado nesta história. Desde o início o filme mostra que há vários observadores: a câmera de Fellini, que nos oferece o filme e vai ser revelada nas cenas finais; uma câmera lambe-lambe dentro do quadro, documentando o evento; e câmeras no navio gravando entrevistas feitas pelo jornalista/narrador. Um a um os personagens recebem a atenção da câmera-voyeur, principalmente o inglês Sir Reginald, ele também um voyeur que se excita com as experiências sexuais de sua mulher ninfomaníaca - ironicamente chamada Violet, como La Traviata. A câmera flagra ainda um jovem cuja mãe precisa segredar-lhe para que contenha sua libido ao ver os marinheiros. Num clima de pantomima, cada personagem é por si mesmo uma caricatura. Os cantores, como todo astro, dão um show de egos durante uma visita à casa de máquinas, quando os maquinistas suados pedem para ouvir a sucessora da diva, a invejosa Ildebranda Cuffari. Cada qual atropelando o outro, sequer deixando que ela cante. E no detalhe, a crueldade de Fellini filma as bocas, gargantas, amígdalas e línguas que estariam emitindo aqueles sons divinos. A família austro-húngara, composta pelo Grão Duque, sua irmã cega (Pina Baush) seu Ministro (golpista) e o General de cérebro vazio, que também viajam para acompanhar as cinzas da Tettua, passa a ser de importância crucial quando o navio é abordado por um encouraçado austríaco que exige sejam entregues os náufragos sérvios que haviam sido recolhidos e abrigados no deck inferior. Lembrando que eles eram fugitivos do massacre que estava sendo executado após o assassinato, em Sarajevo, do Arquiduque Franz Ferdinand, da Austria, por jovens sérvios. Fellini sublinha algumas dessas cenas com o Danúbio Azul, do austríaco Strauss. Mas, uma vez declarada a guerra, os italianos cantam o Coro dos Escravos Hebreus, também de Verdi (Nabuco), negando-se a entregar os náufragos, cantando a Liberdade e provavelmente evocando o ressentimento da época em que os austríacos haviam dominado a Italia. Aqui, uma curiosidade me assalta: a de perguntar se aqueles seres destituídos de todas as suas posses, mas que dançavam de forma a contagiar os passageiros da Primeira Classe com sua alegria, não teriam sido inspiração para cenas semelhantes do filme Titanic. Não bastasse o leque de personagens bizarros, um toque surrealista: Il Maestro coloca no porão um rinoceronte que, afirma seu cuidador, está apaixonado e sofre de uma diarréia cujo fedor invade todo o navio. Ele precisa ser içado para ser lavado, aliviando o mau cheiro. Fellini irá explicar que isso foi uma recordação de sua infância, quando ele deu banho numa zebra que também estava sem companheira e lhe pareceu triste e doente por falta de sexo. Fica evidente que Fellini, como sempre, usa dados autobiográficos. Por exemplo, o narrador Orlando, ligeiramente cômico e insignificante poderia ser sua presença no filme. Ele diz que não sabe que história contar, pois tudo já foi dito e feito. Opera Bufa, Pantomima, Referências a seus filmes anteriores, Obra onírica, E LA NAVE VA apresenta a crítica social do fim de uma Era que afundou com suas trivialidades. Como sempre acoplada a momentos musicais que parecem ter sido escritos para este filme. Fica uma pergunta: seria aquela jovem linda como uma pintura, que se enamora do rapaz sérvio e o acompanha no bote, a esperança de uma humanidade amorosa? Ultimo toque do diretor, ele nos revela o estúdio em Cinecittà; sua presença atrás da câmera; o cenário de papel, de tecido e polietileno que criara a ilusão teatral do mar revolto, bem como as engrenagens hidráulicas que faziam o navio jogar e que - declarado por ele - causava nos atores enjoo como se realmente estivessem no mar. Detalhe: o grande navio ancorado no cais era, na realidade, uma pintura feita no muro da fábrica romana onde seu pai trabalhara antes de ser vendedor. Desse modo, somos devolvidos à realidade de nosso olhar racional, desembarcando do sonho e da fantasia.

 Federico Fellini (1920-1993) Rápida biografia:

Nascido em Rimini, Na Emilia Romana filho de um vendedor e uma pequeno-burguesa católica que tinham fugido para se casar. Iniciou seus estudos primários com as freiras de San Vincenzo em Rimini e após 2 anos foi para a escola pública onde tinha de usar a camisa preta do fascismo. Passava seu tempo livre desenhando e lendo as tirinhas americanas traduzidas. A partir dessa admiração ele começou a carreira desenhando tirinhas, fotonovelas, e também fazendo retratos e caricaturas. Seu primeiro filme deriva desses aprendizado. Em 1939 vai para Roma e se matricula na escola de Direito, para agradar aos – pais, dizia ele. Parece que não frequentava as aulas. Entre 1939 e 1942 fez carreira em revistas humorísticas, escrevendo ou desenhando. Nessa época, ainda em torno dos 20 anos, conheceu vários intelectuais e futuros cineastas. Ficou muito amigo de Aldo Fabrizi, um cômico para quem escrevia esquetes. Foi por causa de Aldo Fabrizzi que Rosselini se aproximou dele, com um convite para filmarem juntos. Casado com Giulieta Massina (ela estrelava no rádio uma serie que ele escrevia) em 1943, ano da queda de Mussolini. Em 1944 ele trabalha com Roberto Rosselini, fazendo roteiro e diálogos de Roma Cidade Aberta e Paisà, de 1946. Ele declara que observando os trabalhos de edição percebeu que poderia também dirigir os roteiros que criava. Seus primeiros filmes tinham a influência do Neo-realismo mas após um breve período de psicanálise durante o qual leu Memórias, Sonhos e Reflexões, de Carl Jung, acolheu o inconsciente e o clima onírico como sua marca pessoal. Segundo ele mesmo, Entrevista, feito para a Tv, foi sua reconciliação com a figura do pai. Frases . Sou um contador de histórias… . sempre dirijo o mesmo filme, não diferencio um do outro… . o cinema usa a linguagem dos sonhos: os anos passam num segundo e você pula de um lugar para outro… . os nossos sonhos são a vida real; minhas fantasias e obsessões são minha realidade e também o material de que meus filmes são feitos . Filmografia: 1952 O Sheik Branco (estréia solo/Giulieta como Cabiria/comédia baseada nas fotonovelas sobre um roteiro original de Antonioni) fase neo-realista 1953 Os boa-vidas 1954 La Strada (Oscar) 1955 Il Bidone (só distribuído em 64) 1957 Noites de Cabíria (Oscar) 1960 La Dolce Vita - fase onírica 1963 8 1/2 (Oscar) 1965 Julieta dos Espiritos – 1969 Satyricon 1970 Os Palhaços 1972 Roma 1973 Amarcord (Oscar) 1976 Casanova 1978 Ensaio de Orquestra 1980 Cidade das Mulheres 1983 E La Nave Va ? 1986 Ginger e Fred 1987 Entrevista 1990 A Voz da Lua OBS. destaco a participação em BOCCACIO 70, com A TENTAÇÃO DO DR. ANTÔNIO, uma provocação à Igreja, que havia censurado La Dolce Vita

domingo, 15 de janeiro de 2017

Uma Noite em 67( 2010,Renato Terra, Ricardo Calil)


Indicação ,apresentação do filme e texto : Iadler Barroso


Na época do filme eu era um rapaz que amava os Beatles e Rolling Stones,como dito numa antiga musica. Eu já conhecia,claro Chico Buarque, mas sua musica ainda não tinha me encantado. Eu preferia o som das guitarras e a rebeldia do rock; " O Rock é meu pastor e nada me faltará"era meu mantra. Até a era dos Festivais ter inicio. Havia um programa na TV Record chamado "Essa noite se improvisa" formado por Chico Buarque,Caetano, Vinicius.Carlos Imperial e outros.O programa consistia em o apresentador sortear uma palavra e o participante apertar um botao e cantar uma musica inteira que incluísse a palavra. Começou ai a minha admiração por Chico e Caetano.Eles acertavam todas. Veio então o terceiro festival,retratado no filme. O que dizer de um festival que reuniu: Chico Buarque,Caetano,Gil,Edu Lobo,Elis Regina? Com musicas como "Roda Viva"do Chico,que começava ai a se despir da imagem de bom moço.Do Gil com a revolucionaria melodia e cinematográfica letra de "Domingo no Parque". Do Caetano com sua "Alegria,Alegria" e o sol nas bancas de revistas. Do Edu Lobo com "Ponteio",com a introdução ,um solo de flauta,tocada por Hermeto Pascoal,e um grupo vocal de apoio formado por Mauricio Maestro,David Tygel(futuros "Boca Livre") e Zé Rodrix.Era uma nova geração fantástica despontando.O Festival ficou conhecido como o "Festivaia" tantas foram elas,particularmente as dirigidas ao azarado Sergio Ricardo,que estava no lugar errado na hora errada e com uma musica também errada. A historia,todos conhecem: quebrou o violão e atirou na plateia. A reação, inusitada,gerou uma manchete genial e bem humorada de um tabloide no dia seguinte "Violada em Pleno Palco". Um festival historico,ou o "Festival dos Festivais",como ficou tbm conhecido. Começava ali,numa noite 1967,minha capitulação a MPB. Eu não era mais um rapaz que amava só os Beatles e Rolling Stones.Meu rumo mudou, pois "Eis que chega Roda Viva" / e carrega o destino pra lá." Eu já disse pra minha mãe": Quando eu crescer quero ser Chico Buarque.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964;Glauber Rocha )



Indicação  do filme: Maria Salles
Apresentação do filme  : Joaquim Ferreira

O CINEMA NOVO 
 O Cinema Novo correspondeu a emergência de um cinema nacional. Com a decadência dos grandes estúdios cinematográficos paulistas  em 1952 e os desejos de ver um cinema efetivado com maior realismo, mais substância e mais barato, surgiu o movimento brasileiro, intitulado Cinema Novo, inspirado pelo Neo-realismo italiano  e pela ‘Nouvelle Vague’ francesa.
Nova etapa na história do cinema brasileiro, a partir do filme Rio, 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos.Lançado em 1955. ela revelava uma obra de caráter popular para a própria população. Não havia lugar, na simplicidade desta película, para o artificialismo da fala empolada. A narrativa se desenrola em ambientes naturais, como o Maracanã, o Corcovado, as favelas, praças urbanas, retratando, soldados, favelados, crianças no mundo do crime e deputados.
O que se desejava agora era o cinema criado com “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”. O destaque, no Cinema Novo, é para a esfera dos conceitos, é o auge do chamado “cinema cabeça ou autoral”. Na estética deste Cinema predominavam os deslocamentos lentos e escassos da câmera, os ambientes desprovidos de luxo, o destaque conferido aos diálogos,
Na primeira etapa do Cinema Novo  (1960 a 1964) , os cineastas se voltaram para o Nordeste como fonte temática, abordando os graves problemas que afetaram o sertão. São lançadas ‘Vidas Secas’, de Nelson Pereira dos Santos, e ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, de Glauber Rocha.Os diretores mais conhecidos neste momento são Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Paulo Cesar Saraceni, Leon Hirszman, David Neves, Ruy Guerra e Luiz Carlos Barreto.
A segunda fase( 1964 a 1968), reflete a meditação destes cineastas sobre os caminhos ditados pela Ditadura Militar para a política e a economia brasileira. Surgem O Desafio (1965), de Paulo Cezar Saraceni, O Bravo Guerreiro (1968), de Gustavo Dahl, Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha.
A terceira fase do Cienam Novo (1968 a 1972,) revela o desgaste sofrido por este movimento, com a repressão e censura. As produções deste período são profundamente inspiradas pelo Tropicalismo. Recorria-se agora ao famoso exotismo nacional, com o uso de indígenas, araras, bananas, enfim, tudo que é típico das terras brasileiras. Mesmo em declínio, o Cinema Novo traz clássicos como Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, , baseado na obra-prima de Mário de Andrade.
 DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL(1964)
 Um dos filmes mais representativos desse período é “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, ao lado de Vidas Secas, lançado em 1963 e e Os Fuzis (de Ruy Guerra, 1964) compõem a trilogia sertaneja que constitui a essência e a excelência do Cinema Novo brasileiro. “Deus e o Diabo na Terra do Sol” teve grande repercussão no Festival de Cannes em 1964.
Ambientado no sertão nordestino e tendo como referência a literatura de cordel , o filme retrata a trajetória de fuga dos personagens Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa(Yoná Magalhães), testemunhas de uma realidade marcada pela seca, miséria, opressão, fanatismo religioso e violência . A história de Manuel e Rosa é contada à semelhança de uma epopéia, onde o misticismo e a violência aparecem em doses intensificadas pelas figuras do beato Sebastião e do cangaceiro Corisco.
" No Nordeste, os cegos, nos circos, nas feiras, nos teatros populares, começam uma história cantando: eu vou lhes contar uma história que é de verdade e de imaginação, ou então que é imaginação verdadeira. Toda minha formação foi feita nesse clima. A idéia do filme me veio espontaneamente (Extraído do site Tempo Glauber)."
Manuel é um personagem-síntese do povo como massa de manobra: livre do patrão explorador (Mílton Roda), encontra-se sem saída até se juntar, com a mulher aos fanáticos liderados pelo profeta negro São Sebastião (Lídio Silva) e, depois, ao cangaceiro Corisco (Othon Bastos). Ao mesmo tempo em que escancara facetas diferentes da exploração a partir da miséria, Glauber constrói grandes personagens, como o matador Antônio das Mortes (Maurício do Valle), contratado pela Igreja e pelos latifundiários para eliminar as ameaças ao status quo que constituem tanto o líder messiânico quanto o justiceiro do cangaço.
A temática abordada por Glauber Rocha em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” é eminentemente social e política. Ancorado no ideal cinemanovista de transpor a realidade brasileira para as telas, Glauber realiza uma composição cinematográfica, na qual o homem sertanejo é protagonista de uma complexa narrativa de encontros e rupturas. Assim, o   filme representa a libertação da linguagem cinematográfica de seus entraves coloniais e a ruptura com os modelos ditados pela indústria cinematográfica hollywoodiana,Desse modo, o cinema brasileiro experimenta uma renovação sem precedentes, possibilitando a emergência de um cinema essencialmente nacional.
Outro aspecto digno de nota é a complexidade da trilha sonora, que transita entre a música popular dos cantadores nordestinos e a obra erudita de Villa-Lobos. Uma mistura de sons, refletindo sobre as dualidades e conflitos que permeiam toda a obra.
Deus e o Diabo é rico, em parte, pela forma barroca e pela valorização das alucinações sebastianistas ("O sertão vai virar mar/ e o mar virar sertão"), que ressaltam a força e a atemporalidade do discurso religioso. A inspiração na literatura de cordel foi o caminho para explorar o lado místico daquelas relações sociais. Acabou sendo fundamental para dar transcendência ao filme e dotá-lo de uma eterna e inabalável atualidade.
(Adaptado de \http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2014/07/ha-50-anos-deus-e-o-diabo-na-terra-do-sol-mudava-a-historia-do-cinema-brasileiro-4549960.html)