sábado, 10 de agosto de 2019

CICLO DE FILMES "GRANDES DIRETORES " - Um Corpo Que Cai (1958, Alfred Hitchcock)



Erotismo & Desejo, Fantasia, Fetichismo e Sadomasoquismo no filme  "Um Corpo Que Cai "(Vertigo)*

Destaco 3 filmes que apresentam elementos passíveis de análise pelos conceitos desenvolvidos pela Psicanálise: Esse Obscuro Objeto do Desejo e Um Corpo que Cai(Um Corpo Que Cai- Texto-1ª apresentação). Todos esses filmes já foram apresentados anteriormente no Lumière. Para fins de esclarecimento: não sou analista e nunca fui analisado. Escrevo esse comentário baseado no meu interesse pela leitura de textos da teoria psicanalítica, que venho fazendo desde o início da década de 1980.

Explicação preliminar para evitar Obscurantismo Moral
Não é minha intenção apresentar as diversas abordagens dos conceitos citados como título deste comentário. São conceitos importantes no campo da psicanálise. Por exemplo o símbolo & é um caractere usado para substituir a conjunção e, ou seja, o Erotismo está estreitamente relacionado ao desejo sexual, que por sua vez ressoa nos demais conceitos citados no título deste comentário. Geralmente, devido as questões morais, procura-se disfarçar a sexualidade humana, colocando em seu lugar a palavra Erotismo. Também por total desconhecimento da teoria psicanalítica, confunde-se sexualidade com sexo, a ponto de ouvirmos o absurdo de que, quando duas pessoas fazem sexo, estão fazendo Amor. Essa hipocrisia deriva de nossa formação cultural baseada no dogma cristão, que observa o ato sexual como pecado.
Um Corpo que Cai é um filme dividido em duas partes e sua apresentação é o que de mais belo vi no cinema

Primeira parte: 
O personagem de James Stewart (Scottie) é um detetive que vivenciando uma experiência dolorosa no alto de um prédio, descobre que sofre de acrofobia, isto é, medo de altura acompanhada de vertigens que o torna incapacitado para agir. Esse sintoma vem associado a culpa pela morte de um policial que tenta salvá-lo, quando ambos perseguem um criminoso. Tal acontecimento será também responsável por sua decisão de abandonar a carreira policial.
Desde do ínicio da apresentação do filme, o público é envolvido por um fluxo de imagens distorcidas, após verem em primeiro plano da tela a boca sensual de uma mulher (Kim Novak). São imagens coloridas que surgem juntamente com o título do filme do fundo de um olho deste rosto de mulher em formas de espirais e de ventoinhas, forjando a sensação produzida por uma hipnose, em movimentos de um para o outro da tela onde predominam tons brilhantes das cores vermelho, verde, azul e amarelo. A intensidade da música capta os movimentos ascendentes e descendentes das duas linhas melódicas, cuja função é ressaltar o sentimento de mistério e suspense da narrativa que o público irá assistir em seguida.
Scottie será a vítima de uma trama arquitetada por um empresário (que conheceu na época de estudante!, e por sua amante Madeleine (personagem de Kim Novak). O empresário, pretende matar sua esposa para se apoderar de sua riqueza. Mente para Scottie dizendo que Madeleine é sua esposa, reforçando a mentira numa cena em que Scottie a vê acompanhada do empresário num restaurante. A trama envolve a experiência de uma parente de longa data de Madeleine de nome Carlota, que cometeu suicídio, devido a uma relação afetiva traumatizante. O espírito da falecida reencarna em Madeleine. O empresário, contrata os serviços de Scottie porque sabe que ele sofre de acrofobia. Simula que Madeleine corre perigo de vida, narrando uma estória e citando fatos que Scottie constata ter ocorrido ao consultar uma fonte que conhece a estória de Carlota.
O que o empresário e sua amante não previram é que Scottie irá se apaixonar intensamente por Madeleine, uma paixão fetichista. O fetichismo na versão do ocultismo refere-se ao culto de objetos que supõe representarem entidades espirituais e possuírem poderes mágicos. Já para a Psicanálise, o fetichismo é o desejo sexual não pelo corpo da pessoa, mas por uma parte deste, ou de um objeto de seu uso particular. Pode ser também o desejo sexual pela imagem de um corpo ou por perfume específico. É importante assinalar que o prazer de uma pessoa fetichista decorre da exigência que ela possui na realização do ideal de sua fantasia. Sem alcançar essa exigência, o(a) fetichista se frustra e geralmente é tomado pela angústia.
A cena em que Scottie vê Madeleine no restaurante e as subsequentes, aprofundam a paixão que ele não conseguirá controlar. Madeleine indefesa solicitando-o proteção. Scottie seu terapeuta. Madeleine salva por ele. Ele, responsável por tudo que possa acontecer a Madeleine. A trama chega ao ápice e Madeleine morre para reencarnar em Judy. Fim da primeira parte: 

Segunda parte: 
Após sofrer uma crise depressiva com direito a internação em clínica psiquiátrica, Scottie vive em clima de luto e desenvolve uma obsessão: encontrar Madeleine. E realmente a encontra, mas como Judy. Um nome que lembra Madeleine.
E nesta parte do filme que Scottie deixa claro o seu fetichismo por uma imagem envolvida num modelo que mistura a cor de cabelo e o detalhe do formato do coque que o acompanha, o vestido, o sapato na cor específica, ou seja, Scottie quer recriar Madeleine, transformar Judy em Madeleine. E para nossa surpresa, descobrimos que Judy, quando simulou se Madeleine, acabou se apaixonando por Scottie. É a partir deste momento que as cenas passam a demonstrar uma relação sadomaquista entre eles. O sadomasoquismo é a junção de interesses entre quem age para praticar uma dor, não necessariamente física, e de quem concorda em ser o alvo das ações que causam dor. A cena em que Judy sai do quarto transformada em Madeleine é sem dúvida a materialização da reencarnação. É puro milagre da arte cinematográfica defendida e praticada por Hitchcock. Mas ainda falta um detalhe. Esse detalhe irá despertar Scottie do seu fetichismo, e também será o início da cura de sua acrofobia.
Neste painel que apresentei lançando conceitos da teoria psicanalítica para comentar o filme, sinto que irá faltar explicações complementares sobre a minha leitura. Mas, você que leu até o final, e se for assistir o filme, podemos nos encontrar para um bate papo. Mas se não for pode deixar seu comentário


Reinaldo Silva


*Produção Alfred Hitchcock, Paramont, 1958 Direção: Alfred Hitchcock Música: Bernard Herrmann Cores Tecnicolor Efeitos Especiais John Fulton Cenário Hal Pereira, Henry Bumstead, Sam Comer e Frank McKelvey Fotografia Robert Burks, A.S.C.

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