domingo, 25 de agosto de 2019

CICLO DE FILMES "GRANDES DIRETORES " - Os Pássaros(1963 ; Alfred Hitchcock)


Indicação, apresentação do filme e texto: Reinaldo Silva




NÓS...OS PÁSSAROS!

              Por que os pássaros atacaram os seres humanos?

Antes de você ler este comentário sugiro que assista o vídeo acima. Imaginei o roteiro, mas sem a habilidade e aprimoramento do Joaquim na execução, a idéia original não seria aperfeiçoada.
O filme Os Pássaros, baseado na novela The Birds de Daphane du Maurier, merece destaque dentre todos os demais que Hitchcock dirigiu e produziu. Em primeiro lugar porque foi um rompimento com a diferença por ele formulada e defendida em relação aos gêneros suspense e terror. E em segundo lugar pela inédita criatividade técnica utilizada. Como foi dito nos textos anteriores, Hitchcock em várias entrevistas, afirmou que o suspense era gênero de filme com o qual se identificava. Mas, não é isso que assistimos no filme Os Pássaros. Existe uma íntima aproximação entre suspense e terror, e em algumas cenas o predomínio do terror é evidente. Em seus filmes Hitchcock tentava contrabalançar, fazendo uso de um certo “humor negro” entre as cenas de maior impacto visual. No decorrer do filme assistimos várias situações desse tipo. 
Há 56 anos (o filme é de 1963) um gigantesco e agressivo ataque de pássaros enfurecidos contra indefesos seres humanos, mudou a história do cinema e revelou ao público a capacidade latente de vingança, classificada por Frederico Fellini como um “poema apocalíptico”. Essa foi uma das interpretações que o filme de Hitchocock recebeu, seguida de análises filosóficas, psicanalíticas, políticas e científicas.
Em entrevista a Maurice Séveno em 1962, resumiu assim Hitchcock, seis meses antes do filme estrear na França: “A história diz respeito ao fato de que os pássaros ... estão cansados de serem mortos, depenados, aprisionados e comidos pelos homem. então decidem se vingar. Um dia se agrupam e mergulham sobre as pessoas num pequeno vilarejo”. Temos aí uma declaração irônica ao estilo de Hitchcock, que condiz com o proposta central do filme.
O filme Os Pássaros é uma fantasia construida com os recursos técnicos avançados para época, que até hoje despertam curiosidade. Foram utilizadas aves mecânicas manipuladas por fios, negativos do filme foram pintados com desenhos de aves e sobrepostos antes da edição final, e em sua maioria os pássaros utilizados na filmagem eram autênticos e treinados. Hitchcock utilizou inúmeros desenhos detalhados feitos a mão sobre os enquadramentos, contendo cada detalhe das cenas que desejava filmar (storyboards), orientando o elenco sobre como deveriam atuar em determinado momento para obter com as encenações, o “realismo” que julgava apropriado. Muitos detalhes sobre a criatividade técnica e visual de Hitchcock é desconhecida, e outros que só foram conhecidos e esclarecidos somente após década, como podemos verificar no livro de entrevistas Hitchcock/Truffaut.
O filme foi indicado ao Oscar de 1964 na categoria efeitos especiais, venceu na categoria mais promissora (Tippi Hedren) do Globo de Ouro, e foi indicado para o Prêmio Edgar Allan Poe na categoria de melhor filme. 
Reinaldo


6 comentários:

  1. Numa auto-crítica explicita, decidi que não iria ficar comparando cinema com artes visuais. Hoje, porém, voltando pra casa depois do ultimo filme do Hitchcock da série de grandes diretores, não resisti. É um grande filme, sem dúvida, mas ao assisti-lo nos vemos diante de um fenômeno cultural datado. Claro que toda arte carrega a marca de seu momento histórico, porém, algo de universal faz com que a pintura, a escultura e a música consigam renovar-se de uma maneira que até o momento não vejo o cinema ser capaz de fazer. Filmes tão bons quanto Os Pássaros de Hitchcock tornam-se filmes de época. Não porque os figurinos e os carros nos remetam à década de sessenta, mas porque o tipo de sensibilidade antes aplicável ao terror, hoje nos soa cômica. As cenas da heroína a teatralizar seu terror, por exemplo, enfraquecem o suspense já algo prejudicado pelo tempo alongado de uma dramaturgia à moda antiga.
    Ao contrário disso, a pintura se renova a cada visada. A arte parietal etrusca, as pinturas pré-renascentistas, Rembrandt e Picasso, todos andam cada vez mais atuais, apesar de nossa sensibilidade embrutecida. Enquanto isso, a chamada sociedade do espetáculo não deu colher de chá pro cinema. Forma de arte da era do espetáculo por excelência, o cinema sucumbe à sua própria raison d'être, que é ao divertimento, e ao seu próprio modo de operar a partir do ilusionismo. Desconhecedora que sempre me considerei a respeito da dita sétima arte, afirmo contudo sem muito medo de errar que os filmes se tornam antiquados e incapazes de se renovarem aos olhos dos espectadores porque aquela realidade maquiada, encenada e cheia de cortes e enquadramentos não tem nem de longe a realidade da pintura, da escultura ou da música. A realidade permanece mais poderosa para a criação humana do que qualquer espetáculo. Afinal é ela que impõe desafios para a imaginação ultrapassar. Na pintura, na escultura e na música reconhecemos a inteligência que supera tais desafios, ela é a mesma inteligência que nos permite superar nossos próprios desafios, estes que se repetem desde o início dos tempos.

    ResponderExcluir
  2. Linguagens estéticas não podem ser expostas numa hierarquia onde o conceito de "realidade" possa servir como parâmetro de avaliação. Não temos acesso a "realidade". O que chamamos de real é um complexo resultado de encontros, buscas e acasos. Não nascemos prontos.
    A hierarquia valorativa entre as artes não ajuda a compreensão das suas diferentes linguagens, o que significa que em suas diferenças possam se encontrar. Por exemplo, me pergunto se Mozart, Wagner ou Ravel, não poderiam ficar encantado com a utilização de suas composições em filmes ou com as diversas adaptações de suas músicas em outros ritmos? Picasso não ficaria emocionado ao ver os seus desenhos servindo como roteiro de um filme, ambientado a contrastes de luzes que não imaginou ao elaborar as tonalidades das cores do seu quadro Guernica? E Salvador da Dali, como reagiria ao ver o seu quadro A Persistência da Memória num enquadramento em que a câmara lentamente se expande até formar um plano americano em que o conjunto dos objetos estariam relacionados aos sonhos recorrentes de uma personagem envolta em mistérios de sua vida pessoal? Mozart, Picasso e Dali iriam se sentir menosprezados frente a tais situações? Nunca saberemos as respostas. Mas poderia multiplicar os exemplos, imaginando roteiros, planos, diálogos, montagens e edições adaptandos as artes plásticas, músicas com argumentos de um filme. Não faltam filmes para esses exemplos - veja os filmes Retratos da Vida/Camile Claudel, as músicas de Ennio Morricone ou Bernard Herman.
    O cinema desde do início é a arte que mobiliza uma forma diferente de sensibilidade imaginativa. Não é melhor ou pior que as outras artes. É uma arte que se consagrou na modernidade. Ficção e indústria.Todo filme é composto de imagens em movimento. Não existe "realidade" em qualquer forma de expressão artística. Toda arte é imaginação. E vou mais além: o real é o impossível. E mergulhamos à procura de um real. Vivemos nessa incansável busca. Do real só temos a sua representação. Todas as artes são formas de representação temporal. E é justamente o tempo que, paradoxalmente, atrai ou elimina a nossa ilusão de uma possível "realidade". Quando Guy Debord escreveu A Sociedade do Espetáculo a sua crítica estava centrada no fetiche da mercadoria. Fetiche como foco central de um modo voraz de produção capitalista, que impregna nosso maneira de agir e forma subjetiva. E as artes não escaparam do fetiche, perderam, o que Walter Benjamin denominou "a perda da áurea", como a dizer "perda de um certo tipo de santidade, de pureza, entraram na era da reprodutividade técnica e financeira". Não vou aqui me alongar sobre a atualidade ou não desses autores.
    Particularmente sou emocionalmente envolvido com os quadros de Salvador Dali e os quadros do grupo do Museu do Inconsciente da Nise de Oliveira. Fui as várias exposições e visitei o local. Sobre as esculturas A Valsa, Perseu e Medusa e A Idade Madura, todas de Camile Claudel, além do filme Camile Claudel me emocionaram e causaram um impacto visual surpreendente. Mas as minhas vivências emocionais neste caso não me fizeram captar nenhuma "realidade", porque qualquer arte possui a sua linguagem, é um antídoto, uma sublimação da imposição de um suposto real.
    A marca da contemporaneidade não exclui sensibilidades artísticas diferentes. E com ela a capacidade da síntese associativa de todas as artes. O cinema representa essa síntese desde que possamos compreendê-lo na sua linguagem, uma gramática com sua técnica e criatividade , mas sempre com sua autonomia e reconhecendo as diferentes artes como criação humana.
    Abraço - Reinaldo

    ResponderExcluir
  3. O cinema é a " arte síntese”, uma arte total, que concilia todas as outras artes mas não sobrepondo-se a elas ,e sim " arrumando" as subjetividades das outras artes em sentidos mais completos.

    ResponderExcluir
  4. Segue um detalhe no filme Os Pássaros que levou muito tempo para ser percebido. Quando a personagem da atriz Tippi Hedren é ferida pela primeira vez ao atravessar o lago e já estando no restaurante sendo medicada, ela segura o curativo em sua cabeça fazendo com os dedos o desenho de um pássaro. Essa foi a orientação de Hitchcock. Bravo!!

    ResponderExcluir
  5. Reinaldo querido,
    primeiro quero te agradecer de novo pela excelente curadoria. A hierarquia entre as artes é uma mania teórica da qual não consigo me livrar, e peço desculpas por tê-la tornado pública aqui. Por outro lado, esse pequeno e saudável debate só prova que o ciclo de cinema vem dando material para pensarmos e debatermos ideias, mesmo que algumas delas não possam ser provadas. E, sem querer forçar demais o problema, minha impressão é que as artes realmente superiores são a música e a poesia, pois elas estão na origem da humanidade do homem. Os sons e a linguagem do amor, que é não-instrumental, assim como a poesia, são ouvidos desde quando ainda estávamos na barriga da mãe. É com eles que começamos a aprender a pensar, e o pensamento, sabemos, foi o que possibilitou a sobrevivência dos humanos, seres em princípio despreparados para a vida se comparados aos outros animais. A música e a poesia, em meu entender, são portanto desdobramentos dos sons da voz da mãe e da batida de seu coração, assim como do tipo de sentimento que de tais sons emana: o sentimento de um amor incondicional e compassivo.

    ResponderExcluir
  6. Cara Renata,
    De minha parte fique sempre à vontade para comentar o que você pensa aqui neste espaço ou em conversas pessoais o que escrevo e falo. As diferenças entre as nossas perspectivas é, como você menciona no seu comentário, excelente. Não sou adepto ao consenso. Aprecio, e muito, a exposição de diferentes posições.
    Forte abraço e se possível assista o filme de hoje.

    ResponderExcluir