É um musical
que dispensa as palavras. Adaptação cinematográfica da primeira montagem
encenada pela companhia Theatre Du Campagnol. Ganhou o Cesar Frances de melhor
diretor ,filme e música de Vladimir Cosma. Premiado também com o Urso de
Prata do Festival de Berlim, alem de ter sido indicado ao Oscar de filme
estrangeiro. Filme que marcou época quando foi exibido originalmente no Brasil.
O Baile se passa em um único cenário: um salão de baile popular da década de 30
, onde duas dezenas de atores interpretam os músicos e os frequentadores que lá
dançaram durante cinco décadas. Transportados para 1936, viajamos no
tempo e percorremos ao lado dos bailarinos a historia da França dos anos 30 ao
anos 80: a classe operaria no movimento esquerdista da Frente Popular em 1936,
o período de ocupação nazista em 1940 durante a segunda Guerra Mundial, a
libertação da França pelas forças aliadas e a vitoria da resistência em 1944, o
jazz trazido pelos soldados americanos com a musicalidade de Glenn Miler
em 1946; a chegada do rock ‘n’roll e o samba tomando conta da pista de dança
em1956, a invasão dos estudantes radicais em 1958 no abandonado salão de baile.
A ação se
inicia com a apresentação dos personagens. Primeiro mulheres altas, baixas,
jovens, meia idade, gordas magras. Nesse desfile de pessoas,
as características corporais nos remetem às psíquicas.
A assustada,
oprimida, deslumbrada, marrenta, detalhista, impecável, desconfiada, romântica,
ansiosa, espaçosa, interesseira, tímida, clássica, desastrada, insegura.
Depois vêm os homens todos juntos ao som da musica IL maintnan vão aparecendo
os gestos dos tímidos, amedrontados, imponentes, vaidosos, insistentes,
narcisistas,excêntricos, sedutores e traidores. E ai começo a ver
esse filme como a representação, para além desse período da
historia francesa. Observo que ele personifica essas características
inerentes a todos os seres humanos e que se repetem ao longo da história
.
Na sequência
, vem a escolha dos pares, expressa de forma leve e caricatural . E
o Como cada um de nós conquista coisas na vida, investe
sobre seus objetos de desejo. Para alguns de nós basta um pequeno gesto, feito
de longe, suavemente. Outros são diretos, uns discretos, inibidos, cada
qual na sua diferença na dança da vida. Impossível não se identificar ou
lembrar o jeitão de alguém conhecido.
Enfim, o meu
olhar sobre O Baile, é que simboliza também o percurso de nossa
existência . Individualmente vivemos circunstancias que fazem emergir em
nós alguns dos personagens apresentados pelo Scola . Quem de nós já não
passou em sua vida períodos de guerra, vitórias, retomadas de forças. Nas
nossas historias pessoais de vez em quando somos bombardeados e quase
sucumbimos mas se estamos aqui hoje é porque renascemos da cinzas. Somos
invadidos por novas melodias , novas possibilidades diante da vida.
E assim na historia da humanidade, o baile nunca termina !
(Diva Paz)
Quando assisti o Baile pela primeira vez, na década de 1980, confesso que o clima de novidade e de vanguardismo do filme conduziu a assistência para um certo desbunde e underground, ou seja, ninguém viu o filme! Anos mais tarde ao rever, percebi elementos que atravessaram o tempo na obra, revelando não só toda a ancora histórica usada pelo diretor ,mas também sua maestria ao reverenciar Chaplin e a memória do cinema. Chaplin, na sua polemica com o filme falado, afirmou uma vez que "a ação é geralmente mais entendida do que palavras.". Scola, qualifica ainda mais Chaplin ao inserir musicas e respeitar o próprio som do filme.Apesar de quase duas horas de musicas( diga-se de passagem , alguns standards rearranjados, acredito, uma solução para a manutenção da cultura clássica de um tempo) Scola reforça musica e imagem como seminais para a composição do cinema e a maestria do diretor esta em articulá-las num plano inteligível.Durante a ultima exibição,apresentada pela Diva, revi e recordei uma cena que considero marcante.Viagens mentais que revi quando, mais ou menos com 40 minutos de tempo decorrido, entra pelo salão do baile, um personagem que caracteriza Hitler. Etorre Scola como bom cineasta e militante da esquerda, não poderia contar a História sem a critica ao nazismo.Posto isso, um "Hitler" sem uma vista, para em frente ao salão do baile, chama atenção dos dançantes e com o sinal típico da sudação nazista , para a musica e o próprio baile. Destaque para cor vermelha detalhada em lenços e flores do cenário predominantemente preto e branco. A reação dos dançarinos é política e simbolicamente poderosa : ao invés de pararem de dançar, resistem e continuam a dança.Só que nesse momento , a coreografia muda e o flamenco catalão conduz o ritmo do filme , a meu ver, homenageando a Resistência Espanhola ao nazismo.E mais:a imagem é congelada, vira quadro e fixado na parede, desempenha a função de lente que, ao abrir o plano, testemunha e descreve os fatos. No salão , que agora lembra um porão , um garçom chapliniano arruma o salão junto com os outros personagens , ao som de um alarme de bombardeio aéreo.Parece reconstroem em movimentos o famoso quadro Guernica de Picasso, referencia artística sobre a resistência espanhola ao franquismo. Simplesmente genial! A questão é que revi a cena e durante o debate, o Reinaldo na sua intervenção, acrescentou a minha percepção outro elementos que ressignificaram a cena descrita.Um dos elementos foi a própria caracterização de Hitler que, conforme destacou o Reinaldo, possuía traços tipos de um francês, com bigodinho e boina inconfundíveis.As lentes trabalharam o angulo que dois bigodes, duas boinas ganharam significados. Além disso, um outro aspecto desenvolvido nas conversas pós-filme, foi sobre uma idéia muito importante sobre a aceitação dos franceses ao nazismo, desconstruindo a idéia da Resistência francesa e reforçando o colaboracionismo( um personagem de terno azul aparece em várias partes do filme e é o próprio colaborador, traidor, inclusive servindo de par num dança com um oficial nazista! ) .Essa idéia causou polemica na França quando o pensador Bernard-Henri Levy lançou esse tese no livro " A Ideologia Francesa" de 1983, mesmo ano do lançamento de " O Baile".
ResponderExcluirPor isso tudo, percebi mais uma vez como o diálogos e a troca de subjetividades ao (re)vermos um filme e determinadas imagens , contribuem a uma exibição coletiva com a interação de dois pólos de percepção, o individual e o coletivo que se reforçam mutuamente, tendo entre eles o espaço também para o exercício da imaginação criativa , a memória incluída.
E lembro , que li em algum lugar uma analise de Orson Welles sobre a reflexão que o cinema produz.Pesquisei e a citação dele diz o seguinte: " Ponha um espelho na frente da natureza – esta é a mensagem de Shakespeare para o ator. Não seria um conselho mais válido e mais verdadeiro ainda para o criador de um filme?"
Existe uma cena hilariante em um dos filmes de Chaplin na qual o seu personagem é um garçom que tenta servir ao cliente segurando a bandeja com um frango inteiro. Ele está entre os casais que dançam em ritmos frenéticos. Sua tentativa é seguidamente obstruída pelos os casais, enquanto ele tenta equilibrar o frango. Levantando o frango acima da cabeça no meio do salão acaba encaixando-o no lustre central.
ResponderExcluirInspirado nesta cena o diretor prestou uma homenagem ao genial Chaplin. O filme o Baile inicia com essa cena, a figura de Chaplin aparece em inúmeras situações. Mas o filme descreve uma outra trama: as mudanças ocorridas na música, no modo de dançar, nos gestos, a imposição da moda dos vestuários e da subjetividade, de acordo com o surgimento dos acontecimentos históricos.
O Baile é um filme mudo que fala ao tempo todo. É uma “tagarelice visual”, se assim posso me expressar. Essa força expressiva do filme só foi possível porque podemos passear pelas imagens sem nos prendemos a leitura de legendas e ao som das palavras.
O diretor funde de maneira bem humorada, história, personalidade e memória visual.
Dependendo da idade de quem assisti o filme, da experiência vivida em relação ao tempo, ou da curiosidade em saber o que não foi possível presenciar no passado, o filme O Baile é uma viagem bastante pessoal. Infere em nossa forma subjetiva.
Estava com saudades do Chaplin, ou melhor, meu primeiro amor cinematográfico. Vou correndo revê-lo.
Abraço
Reinaldo