domingo, 24 de julho de 2016

Ele Está de Volta( David Wnendt;2015 )


Indicação do filme:Joaquim Ferreira
Apresentação e texto: Reinaldo Silva


ELE ESTÁ DE VOLTA E MARKETING POLÍTICO

1)Todas as formas de expressão estão sujeitas a utilização de estratégias de poder. Cinema, televisão, rádio, sites etc. Investem na captação de audiência. No filme, a dissimulação (ter a intenção de um objetivo, mas esconder que possui tal intenção), é nula, ou seja, o Hitler que se ergueu das cinzas, tal como o que estava morto, não dissimula suas intenções. Essa avaliação só é possível devido a repetição dos fatos que conhecemos, registrados em filmes, documentários, livros, depoimentos etc
2)Decorrido 70 anos após a derrota da Alemanha na segunda guerra mundial, muitas coisas mudaram (movimentos feministas, contracultura, questionamento do poder patriarcal, diversidade de gêneros, aprovação do aborto, casamento gay, movimentos contra a discriminação étnica ... só para citar alguns). Mas os “fantasmas de projetos de poder megalomaníacos” estão presentes em todas as partes do mundo.
3)Hitler e seus assessores numa época em que não se falava explicitamente em marketing político, em que o avanço das tecnologias informacionais não possuíam a extensão atual (existia apenas o cinema, o rádio e a mídia inscrita) souberam explorar com  habilidade extraordinária os recursos racionais existentes, para dar corpo aos fantasmas, os mitos que habitavam (ou será que ainda habitam?) a mentalidade de uma massa de indivíduos na sociedade alemã.
4) No período em que Hitler se preparava para ascender ao poder central, suas mensagens despertava riso, pilhéria, era algo excêntrico, o que nos remete ao filme. Há simulação tão perfeita que o simulado excede ao real, captura a emoção dos “telespectadores”, confunde com sua teatralidade incorrigível, é ovacionado por onde passa, vira celebridade, é pioneiro em acessos aos sites pela internet, é o principal ator de um programa de humor gravado ao vivo.
5) O carisma e a demagogia são virtuais.
“O espetáculo é uma relação entre pessoas em que os valores morais e éticos se amoldam a um determinado modo de viver predominante nas sociedades” (Guy Debord no livro A Sociedade do Espetáculo)
 6) A ideia central do nazismo, como movimento político foi a noção de pureza, pureza de uma raça. Trechos do discurso de Hitler: “Um povo que não mantém a pureza da raça está condenado”;  “Eu espero algo diferente do jovem alemão do futuro, algo novo. Devemos criar um novo homem, para que possamos dar ao povo alemão um novo ideal. Devemos formar um forte laço entre as pessoas e os ideais.   Moldá-los para uma nova forma de vida. Essa deve ser a maior conquista do nosso século. O jovem alemão do futuro deve ser magro e elegante. Rápido, forte e duro como aço”
7) O marketing político é o uso da guerra por outros meios. A guerra pela conquista dos votos dos eleitores consumidores. Guerra pela audiência, obtida pelo convencimento de sua mensagem. Hitler soube fundir em uma imagem estética, discursos  verbais e visuais, unificou uma vontade de poder presente em cinco segmentos da sociedade alemã:
a) o projeto capitalista de uma burguesia ansiosa pela acumulação de riquezas;
b) a instrumentalização do saber médico, dominado pelo ideal de um corpo saudável, por um corpo sem nenhuma deformação;
O médico emerge como líder da política racial. Na busca do sangue puro, os inimigos são judeus, miscigenados e a degeneração (corpos deformados pela hereditariedade).
O médico deixa de estar a serviço do indivíduo e passa a cuidar do “corpo da raça”, uma espécie de qualidade de vida higiênica. Crescia o número de médicos adeptos ao nazismo após os primeiros meses do regulamento que proibiu o exercício da medicina aos judeus. Escolas especiais ofereciam “curso de medicina nazista”. Nenhuma outra profissão tinha tantos membros do partido (45% dos médicos) Declaração do médico chefe: “A nação que preserva seu melhor elemento racial na adversidade, um dia, deverá comandar a Terra. Nossos seguidores não devem se abater pelos sacrifícios, pois os resultados serão compensadores. No futuro conseguiremos realizar o desejo do Fuhrer, criar o novo homem alemão”
Discurso de Hitler:
“Companheiros, o que desejamos da juventude de amanhã é diferente do que era desejado no passado. Precisamos criar um novo homem para que nossa raça não sucumba ao fenômeno da degeneração típica dos tempos modernos”.
8) pela crença da maior parte do povo alemão em busca de um líder máximo, capaz de indicar o caminho que suplantaria as péssimas condições econômicas após a primeira guerra mundial, e na fé inabalável de “povo eleito”.
9) pelo aparelho jurídico, na concordância de leis que unificava os interesses do saber médico e da burguesia alemã. Em 1933 uma nova lei foi sancionada. Obrigava a esterilização do doente, devido à hereditariedade.
Declaração do médico nazista:
“Esta lei vai ajudar a eliminação da doença. É vital o auxílio aos fortes e sadios“.
10) pelo uso político das artes plásticas, cuja representação do “real” passa ser a idealização artificial de uma raça superior.
Em 1939 o nazismo comemorou o Dia das Artes em Munique. É a última manifestação artística do Terceiro Reich. Seis semanas após, começaria a Segunda Guerra Mundial.
Declaração do presidente da câmara de literatura do Reich:
“Sim, este governo que consiste de homens que aspiram servir as artes está consciente do papel do artista como intermediário. Este governo, nascido em oposição ao racionalismo, conhece o desejo do povo e seus maiores sonhos, que somente o artista pode dar forma”.
11) O voto não é a garantia de existência de Democracia. Democracia não é um nome sagrado, que pode ser questionado em sua existência concreta. É um regime político que constantemente sofre pressões de grupos interessados na conquista do poder. Requer participação constante, debates sobre questões que possam interessar as populações locais e nacionais; requer também que as instituição que fazem parte da constituição do Estado, absorvam as demandas da população, uma regulamentação fiscalizada dos direitos e deveres individuais dos cidadãos. Hitler foi eleito por intermédio do voto.
12) Os preconceitos são intrínsecos à convivência social. Eles fazem parte de nosso mais poderoso instinto de preservação, que é o medo. Sem os medos, nenhum indivíduo ou espécie existente preservaria a sua vida. O medo nos protege, expande as forças ativas e reativas,que nos faz agir e reagir, permanentemente, diante de acontecimentos inesperados. O marketing político da “era Hitler” fez do medo uma arma de persuasão imprescindível (“a pureza da raça alemã corria perigo!”)
13) Os candidatos-produtos apresentam-se com novas embalagens. Hitler assume a função dos pesquisadores dos institutos de sondagem de opinião. Induz os pesquisados a responder perguntas, questionário que conhece de cor (qualquer semelhança é mera coincidência.As respostas dos entrevistados fornecerão os fundamentos das embalagens, o que elas devem apresentar, quais são as chamadas que os consumidores eleitores desejam de um candidato-produto; como devem se apresentar; seu vestuário; a menção da família é importante, o sucesso empresarial e assim por diante. Eis a tarefa do marketing político: moldar o comportamento dos candidatos-produtos, objetivando os votos dos consumidores-eleitores.
14) Na Alemanha atual e na Europa de uma forma geral, os fantasmas da raça pura, do desemprego estrutural, da difusão de atentados terroristas, ora diagnosticados como “casos de demência”, ora denominados pelas mídias como realizações de “grupos radicais islâmicos”, compõe um quadro político de extrema complexidade (os emigrantes são a ponta do iceberg). É neste quadro que se insere o filme Ele está de volta. O advento da modernidade produziu uma enorme falácia. Passamos acreditar que o progresso iluminista eliminaria as obscuridades religiosas, libertaria o homem de sua ignorância, que o progresso das ciências nos apontaria o caminho da “felicidade”, que a força das tradições foi apenas uma etapa de nosso desenvolvimento. O que o filme nos apresenta é a persistência do arcaico, dos fantasmas em novas roupagens, em nosso cotidiano e nas nossas interrogações.
15) O que importa ao marketing político na sua tarefa de convencimento é o sucesso de audiência. Audiência vende a imagem dos candidatos-produtos, elegem indivíduos com promessas vazias, inconcebíveis, atende as expectativas dos doadores da campanha (patrocinadores). Questões morais/éticas não lhe diz respeito.

 Reinaldo Silva

Bibliografia:Documentários/Filme: Arquitetura da Destruição; O Triunfo da Vontade; Ele está de volta 
Livro: A Sociedade do Espetáculo

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