sábado, 25 de junho de 2016

Juventude (Paolo Sorrentino;2015)



Indicação do filme e apresentação: Maria Helena Correa
Textos: Maria Helena Correa e Joaquim Ferreira

JUVENTUDE E ARTE
 Não se pode entender JUVENTUDE (2015), de Paolo Sorrentino, sem aprofundar suas referências, muitas delas repletas de humor, como se fossem piadas particulares.  Além de ser uma história de poucos eventos, reflexiva e cheia de diálogos “filosóficos”, que se desenrola em meio a belezas e algumas feiúras, o filme nos leva a lembranças de imagens inesquecíveis que fazem parte da história do cinema e, até mesmo, da literatura universal.
Assim é que a paisagem  deslumbrante e o SPA em Davos, nos Alpes Suiços, nos fazem lembrar o romance de 1924 de Thomas Mann – A Montanha Mágica. Ali, num sanatório para tuberculosos, as pessoas representavam um microcosmo da sociedade burguesa da época, a maioria de doentes incuráveis. Era uma “viagem à decadência”,  segundo palavras do proprio Mann.  Eles conversavam sobre a vida, a politica do entre-guerras, filosofavam e amavam. O SPA deste filme não é o mesmo - hoje sede do Forum Mundial -  mas a temática permanece.
A decadência moral e física contra a qual a alta burguesia luta, na rotina de tratamentos e banhos mostrada em JUVENTUDE,também poderia ser vista como uma referência a filmes anteriores do próprio Sorrentino: (1) Em AQUI É MEU LUGAR, de 2011, Sean Penn vive um roqueiro britânico que ganhou muito dinheiro e vaga pela vida com ar entediado. Ele reencontra seu gosto pela vida após sofrer uma experiência marcante nos EUA; (2) Em A GRANDE BELEZA, filme com o qual foi premiado e saudado como o novo Fellini, o protagonista é um repórter como o Mastroiani de A DOLCE VIDA, bem mais velho e entediado com as festas da alta burguesia. Observamos que a música agora é aquela batida de rave, com luzes e pessoas  de ar ausente. Ou seja, a burguesia filmada por
Fellini também piorou com o passar do tempo. Aqui não tem esperança, a grande beleza é mesmo a paisagem de Roma.
Mas para o protagonista de JUVENTUDE, um maestro entediado (Michael Caine, que foi o belíssimo Alfie em 1966 e tem hoje 83 anos),aposentado “por motivos pessoais” só mais tarde revelados, existe a possibilidade de reencontro da motivação para a vida, através da criatividade que a música oferece. Ele irá retornar ao convívio das platéias, assim como o roqueiro do  filme de 2011. Para isso pode ter contribuído o contato com alguns jovens (a filha abandonada pelo marido, personagem de Rachel Weitz, e o ator californiano em preparação para seu novo papel - o excelente Paul Dana, que já nos deu o irmão  em voto de mudez da Pequena Miss Sunshine). Alguns dos diálogos entre o maestro e o ator são memoráveis, destacando-se a irritação de ambos por serem unicamente lembrados por um trabalho que consideram menor. Quem não conhece um artista com a mesma queixa?
Seu amigo de toda a vida, o roteirista/diretor que se recolheu ao SPA para concluir seu “filme-testamento” mas  atravessa um bloqueio criativo é Harvey Keitel -ator que vai também chegando aos 80 anos com longa carreira de sucesso, geralmente em papéis de apoio, como Cães de Aluguel, de Tarantino, mas também protagonista em O Piano, de Jane Campion.Os diálogos travados entre os dois são recheados com  a preocupação  sobre a quantidade  de líquido eliminada a cada manhã,  talvez a única menção à decadência física masculina, até o momento em que terão oportunidade de contemplar a Miss Universo nua na piscina.
A referência a Fellini perpassa todo o filme: tanto o personagem do roteirista/diretor que não consegue achar o final adequado para seu filme nos remete ao OITO E MEIO, como os delíros em que ele vê todas as belas mulheres que já dirigiu em sua longa e bem sucedida carreira. Seriam inspiradas em SATYRICON as imagens esfumaçadas dos idosos nos banhos do Spa?  Nestes momentos, e no flash de uma cantora romântica francesa que,logo após deixar o palco, se transmuta e ataca vorazmente uma coxa de galinha, o diretor mostra  de forma cruel a feiura que Fellini soube elevar ao nível de Arte, com seus seres bizarros.
A grande estrela do filme-testamento é Brenda Morel, cuja maquilagem já não esconde a decadência de sua beleza plastificada. Ela aparece no SPA para recusar o papel e dizer verdades demolidoras sobre o que pensa da tentativa do diretor de continuar na profissão apesar do visível declínio em sua longa e bem sucedida carreira. O papel recebe a perfeita interpretação de Jane Fonda, símbolo sexual lançado por Roger Vadim (Barbarella, 1968), também se aproximando dos 80 anos.Uma piada que o diretor faz aqui é na fala em que a estrela no ocaso tenta driblar a decadência, que ela reconhece, passando a fazer seriados para a TV, que paga muito bem. Ocorre que a própria Jane Fonda está em cartaz – bela e elegante - no Netflix, numa comédia deliciosa sobre casais separados após 40 anos de casamento.
Num filme onde os jovens não são os principais protagonistas, podemos perguntar: Afinal, por que o título?   A eterna busca do tempo passado que hoje nos parece melhor, visto pela lente da nostalgia? A mensagem de que a criação artística  supera os marcos cronológicos e nos torna eternos, enquanto presentes no mundo?  Fico com o exemplo da vida real dos três artistas “idosos”  que carregam o filme nas costas e com a visão que o jovem cineasta oferece no “show de bola” do grande Maradona, gordo e considerado decadente, mas ainda capaz de dominar uma bolinha de tênis no pé esquerdo e lançá-la repetidas vezes contra o azul do céu.
(Maria Helena)

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Dois velhos amigos com quase 80 anos de idade cada, Fred (Caine), um maestro aposentado e Mick (Keitel), cineasta em atividade, passam ferias em um luxuoso hotel nos Alpes suíços. Juntos, recordam de suas paixões da juventude. Enquanto Mick luta para concluir o roteiro daquele que ele entende que será seu último grande filme, Fred não tem vontade de voltar à música.
O filme não tem uma narrativa linear e parece que a qualquer momento vai enredar por lições de vida cheias de pieguices e lugares comuns. No entanto , a excelente direção de fotografia costura , direciona e redimensiona essa narrativa com o que há de mais seminal e genuíno na linguagem do cinema: o movimentoda  imagem e seu tratamento. Planos e enquadramentos corretos,  " longos" e " close-ups", economizam palavras . O passeio da câmera pelas paisagens dos Alpes suíços e, sobretudo ,pelos exteriores e formas dos seres humanos jovens e velhos que freqüentam o hotel/spa, revelam aparências , passando para  nós,a necessidade de construirmos diálogos interiores para entramos e sairmos do filme com a impressão de que o cinema ainda vale muito como instrumento de análise da vida.
A vida em "Juventude" fala de emoções,de desejos, do envelhecimento e da juventude, não necessariamente na ordem determinista que conhecemos. Idade é atitude para jovens ou idosos. Não se critica a juventude e sim o fugaz e o instantâneo, que afinal podem estar em qualquer faixa etária. Cultura , memória e experiência subvertendo o determinismo biológico
Numa cena ,o diretor de cinema Mick oferece aos jovens cineastas que produzem seu filme , uma visão das montanhas pela perspectiva ampliada de uma luneta. Com o visual da montanha ampliada , Mick , metaforicamente ,diz:
" - Está vendo aquela montanha? É assim que se vê quando se é jovem. Tudo parece estar bem próximo. Isso é o futuro.
Ao inverter a luneta, se espera a montanha distanciada : " - Isso é o que se vê quando se é velho. Tudo parece bem distante . É o passado.", afirma Harvey Keitel. Porém, a imagem é focada no grupo de jovens roteiristas tendo a montanha como fundo : genial!
Outro destaque é a participação simbólica de um ex-jogador de futebol ,inspirado abertamente em Diego Maradona que trata da sáude  no hotel/spa ( o diretor Sorrentino é fã do ex-craque argentino do Napoli dos anos 1990 ). Diego na cadeira do spa, gordo e cansado, sonha com seus áureos tempos de jogador e responde sobre o que pensa ao ver seu passado: "- Penso no futuro." E isso tudo, depois do Maradona do filme fazer varias embaixadinhas com uma bola de tênis. Constatação de quem só joga "bolinha" ou a afirmação de quem por já ter jogado um bolão na juventude pode, no envelhecimento , fazer menos, porém com mais qualidade?
(Joaquim Ferreira)



2 comentários:

  1. Irei assistir mais de uma vez. Merece. É do “tipo assim” maneiro , sacou ?
    Não dá para ir ao banheiro, beber água ou cochilar. Só parando a exibição. É o que farei da próxima que revê-lo.
    Os diálogos são reflexões, embates permeados de ironia, humor, fracassos profissionais e existências, ressentimentos, culpas ... ou seja tudo que o ser humano acumular em sua trajetória de vida.
    Vamos imaginar um local onde existem budistas. Mas atenção! Não estou falando de um templo budista austero, com sininhos rompendo o silêncio sepulcral para dar início a uma modesta refeição à base de ervas e grãos naturais. Estamos num local onde “templo, SPA, mosteiro, terapia de grupo e sensualidade, misturam-se com fotografias deslumbrantes.
    Neste local os personagens fazem suas reminiscência. Nada de baixo austral. A amizade oriente a fala, a decrepitude e beleza do corpo são expostas sem contornos, efeitos especiais, ou maquiagens. É o corpo no tempo, local transitório. Então cada personagem formula sua subjetividade emerge, decisiva, sem escrúpulo, aqueles segredos recalcados.
    O filme é uma homenagem a simplicidade, aceitação irrestrita quando a vontade de um encontro fatal não pode ser evitado. A amizade é campo de discordância ocasionais.
    Por que não continuar a escrever sobre Juventude ?
    Porque o filme descreve relatos humanos com todas as potências, que somente os humanos nas suas convivências pode acumular.
    É uma canção SIMPLES em homenagem a Amizade.

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  2. Muito bom post, obrigado, o filme é maravilhoso como tudos os filmes de Michael Caine, recentemente o vi em um filme diferente de comédia. Quando vi o elenco de Despedida em grande estilo, automaticamente escrevi nos filmes que deveria ver porque o elenco é realmente de grande qualidade, ancho que é umo dos mais divertidos, eu adoro Michael Caine filmes, éste é um dos meus preferidos, por que sempre leva o seu personagem ao nível mais alto da interpretação, seu trabalho é dos melhores. Eu ri muito

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