Indicação do filme, apresentação e texto:Ana Babo
UM OLHAR SOBRE O CÉU DE LISBOA.
"Prólogos” de Wim Wenders perturbam, fascinam, invadem o âmago: Mojave, Travis e Ry Cooder em Paris Texas – luz, Tom Tom e U2 em O Hotel de 1 Milhão de Dólares. Em tempos de Brexit, a escolha de "O Céu de Lisboa" decorre de sua sequência inicial, de seu inquietante “prólogo”.
O filme se passa em 1994, um ano após a criação da União Europeia. Um sonoplasta alemão viaja de carro até Portugal a convite de cineasta, também alemão, que roda um filme na capital. Ao sair de seu país e atravessar a Europa, afloram questionamentos do personagem em relação a sua recente supranacionalidade.
Dizem fotógrafos, cineastas e bairristas que Lisboa tem uma luz de encantar. Em belas imagens vão surgindo o Tejo, o elétrico, o casario – signos de uma velha e ainda decadente cidade, resquícios de um “orgulhosamente sós”salazarista. E embora o filme propicie diferentes percepções, é o ouvir que me encanta – desvenda-se a cidade através de seus sons. Durante a viagem, são as estações de rádio que denotam o espaço geográfico.Anteriormente, Wenders já havia filmado em Portugal O Estado das Coisas (1982) e Até o Fim do Mundo (1991). Em Lisbon Story reverencia a cultura portuguesa na poesia de Fernando Pessoa, nos acordes do Madredeus, na voz de Teresa Salgueiro e no monólogo de Manoel de Oliveira. Reverencia nas ladeiras de Alfama, o cinema. Um legado a uma Europa ainda unificada!
(Ana Babo)
Homenagem a Manoel de Oliveira, na sessão de 23/07.
ResponderExcluirExibição de Douro, Faina Fluvial (35 mm ) Direção: Manoel de Oliveira;18 min. Fotografia: Antônio Mendes; Filmado em Set. 1931. Data da estreia: 8 Ago 1934
Douro, Faina Fluvial (1931) é um filme documentário mudo ,de Manoel de Oliveira(1908-2015) É a sua primeira obra, uma curta metragem sobre a faina da zona ribeirinha do Rio Douro .O filme é influenciado pela estética do documentário soviético,sobretudo Dziga Vertov.
Os sons de uma cidade. Lisboa – um filme. A cidade mudava… No abismo do céu azul atravessavam andaimes. Outdoors e edifícios rasgavam a cena coberta de sobrados ruídos pelo tempo. No fundo do filme, ouvíamos Fernando Pessoa, lembrando que o antigo também salta do contemporâneo. As crianças sorriam, lembrando, ao mesmo tempo, que para além da nostalgia é preciso futuro.
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No filme, vemos o diretor de cinema desaparecido em Lisboa temendo a violência do seu olhar sobre a cidade. Na antropologia, o etnógrafo tentando desaparecer para se livrar da culpa dos séculos de violência em nome de um único olhar.
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“A cidade pertence a todos e a ninguém”, diz o poeta. Nas pistas que encontra o atordoado sonoplasta, personagem principal do filme que se aventura em solucionar o mistério do diretor desaparecido, há a seguinte frase deixada pelo diretor: “Não há sobressaltos. Tudo conta da mesma maneira. Eu não seleciono.” Um pouco como certo antropólogo descrente: uma produção sem sobressaltos, onde tudo perde seu gosto, pois tudo é igual a tudo. Onde ousar interferir nas imagens do filme, ou nas falas dos outros que compõem o trabalho antropológico é quase um crime… A busca impossível e paralisante da pureza.
Eis que depois de algum mistério o diretor é encontrado pelo sonoplasta junto com uma criança que misteriosamente carregava uma câmera perdida dentro de uma sacola de compras…
Surpreso com o encontro, o diretor justifica, enfim, seu sumiço, explicando porque se recusara a fazer o filme antes prometido ao sonoplasta: apontar uma câmera era, para ele, como apontar uma arma, toda vez que apontava era como se a vida se escondesse atrás das coisas. Toda vez que tentava filmar era como se a cidade desaparecesse, se afastasse cada vez mais… O medo de ser um terceiro termo, um Estado diante da vastidão da cidade desesperava o diretor… Pensava que o som poderia ajudar, por isso, convidou o sonoplasta, mas logo desistiu pois percebera que tudo é inútil…
Diante desse misto de desespero e niilismo, a única solução encontrada pelo diretor foi deixar as câmeras zanzarem pela cidade escondidas nas crianças ou andar com uma câmera que filmava aleatoriamente pendurada em suas costas. O diretor explica: uma imagem sem a contaminação de um olho é pura e, portanto, verdadeira e bela. Esse seria o único jeito de fazer o verdadeiro filme sobre uma cidade? Retirar o olhar do diretor?
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Diz o diretor: enquanto nenhum olho contaminar a imagem ela permanecerá em uníssono com o mundo. E mostra para o sonoplasta atônito uma biblioteca de imagens que foram feitas supostamente sem a intervenção do olho humano: “Ninguém as viu quando foram filmadas. Ninguém as viu depois. Eu gravei todas elas nas minhas costas. Essas imagens mostram a cidade tal como ela é e não como eu desejaria que fosse.” O olhar do diretor deformaria a essência da cidade, a influência do antropólogo deformaria a essência do nativo. Em ambos os casos, o que se toca se perde. É curioso como em outro filme de Wim Wenders, Palermo Shooting, a personagem da morte diz adorar fotógrafos e fotografias.
Mas, resta uma esperança, o sonoplasta faz seu último apelo ao diretor: “Retome a confiança nos seus olhos e eles não estão nas suas costas. Você ainda pode produzir imagens”. Na antropologia, alguns fazem um chamado por outros caminhos que não o subjetivismo pós–moderno, nem o objetivismo positivista, onde o conhecimento não se estabelece como representação sobre outros, mas como criação através do diálogo com outros. Pois é no instante da morte, da captura da imagem pelo olho, da escrita em linhas estáticas sobre a vastidão de criatividades que povoa o planeta, que artista e antropólogo podem recriar mundos
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Últimas cenas do filme: sonoplasta e diretor saem para filmar e, ainda que desastrados, adentram pela cidade que invade a câmera… Antropólogo deixa de pairar por cima do que vê, adentra e constrói, ainda que frágeis, pontes… Diz Fernando Pessoa: “Em plena luz do dia, até os sons brilham”.