segunda-feira, 2 de março de 2020

CICLO DE FILMES GRANDES DIRETORAS "AGNÈS VARDA": La Pointe-Courte (1955)

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Exibição do curta-metragem
SAUDAÇÕES AOS CUBANOS (Salut les cubains;1963;25min)
Agnès Varda trouxe de Cuba mil e oitocentas fotos em preto e branco, e fez com elas um documentário didático e divertido. Fidel e os músicos, socialismo e chá-chá-chá.


Texto: Joaquim Ferreira


LA POINTE COURTE
FRANÇA;1955,77 MIN.
Elenco:Philippe Noiret, Silvia Monfort


"La Pointe Courte" é o primeiro filme de Agnés Varda. É uma história aparentemente simples: um casal em crise retorna para o pequeno vilarejo Pointe Courte, no litoral sul da França, no qual o marido viveu sua infância. Os dois passam por momentos de reflexão sobre seu relacionamento, ao mesmo tempo em que o cotidiano dos moradores, uma vila de pescadores, flui ao seu redor .
Com um roteiro meio improvisado e com atores sem diálogos predefinidos, o filme foi aclamado pela crítica no festival de Cannes de 1955 por seu retrato da vida comum dos trabalhadores, com luzes e cenários naturais como importantes elementos da qualidade técnica do filme.
Filmado em 1954, Agnes Varda admitiu na época que não tinha muita experiência,que não conhecia o cinema e que aprendia ao filmar. Contudo, foi auxiliada na montagem pelo jovem Alain Resnais e seu filme foi essencial para Godard e Truffaut fazerem suas estréias cinematográficas anos mais tarde
O ultimo filme de Agnès Varda , "Varda por Agnés" , de 2019, expõe seus processos de criação e revela sua experiência com o fazer cinematográfico. Nele, a diretora relembra sua iniciação no cinema com “La Pointe Courte" :
"Eu fiz esse filme sem experiência, sem nenhuma escola de cinema, nenhum trabalho anterior como assistente. O filme surgiu do nada. Eu tinha uma estrutura particular em mente. Eu queria combinar dois filmes com capítulos alternados Eu queria combinar dois filmes com capítulos alternados, como um livro de Faulkner que eu admirava: "As palmeiras selvagens". Eu alternaria seqüências de pescadores com seqüências de um casal. Duas histórias sem nada em comum, exceto a localização.É um confronto entre o privado e o social. É uma justaposição de duas abordagens para o mundo. Uma muito estilosa, com composição e diálogo.(...) E uma que parece mais com o neo-realismo italiano, embora eu ainda não tivesse visto esses filmes. Alain Resnais, que editou o filme, ensinou-me muito. Eu fiz outra coisa que não era habitual. Geralmente o som diminui quando as pessoas se afastam. Fica mais silencioso até você mal as ouvir. Decretei que o som permaneceria em primeiro plano. Então, enquanto eles conversam e vão embora, parece um diálogo de narração. No entanto, eles estão realmente falando. Está sincronizado. Mas o som permanece na frente. "
A cépia que assisti de "La Pointe-Courte" é a restaurada pela Cineteca de Bologna e pela Cine- Tamaris em 2013, que realça a bela fotografia em preto e branco .
A forma que Varda utilizou para combinar e sincronizar na linguagem fílmica o que ela chamou de " dois filmes" é bem marcante.
O primeiro é um casal reconsiderando seu relacionamento e o segundo uma vila de pesadores que tenta resolver seus vários problemas coletivos de sobrevivência. Sobressai para mim a coexistência das linguagens do teatro e do cinema por conta dos closes e dialogos utilizados pelo casal protagonista.
Assim, pela força cênica realçada ,o filme revela histórias paralelas que esvaem-se por força das subjetividades. Histórias que não se tocam e permanecem com distintas e atávicas identidades revelando sua incomunicabilidade que, ao meu ver, mostra uma critica à burguesia e ao seu individualismo exacerbado.
A única ligação do casal com aquele vila é, como já foi dito, a do marido que lá viveu sua infância ,filho de um construtor de barcos. Talvez , aquele que se encante mais com a construção do barco do que propriamente com o ato de navegar , metaforicamente com o ato de viver e enfrentar o cotidiano .Afinal o construtor de barcos os repara e nada mais. Cenas no filme mostram passeios e caminhos feitos pelo casal pela vila sem que nada do que acontece no seu cotidiano estimule o casal a interromper seus discurso circulares e olhar para a periferia e para aquela vida .Um discurso que fala do amor : " Você me ama ou ama o nosso amor? Olhe para mim! Não para o nosso amor!" diz o marido .Mas o olhar do casal não dirige-se para o amor para aquela humanidade de pescadores e seus problemas. Como afirma uma personagem do filme :"Falam muito para serem felizes" !
É a absoluta abstração dos problemas!

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