segunda-feira, 2 de março de 2020

CICLO DE FILMES GRANDES DIRETORAS "AGNÈS VARDA"




O CINEMA DE AGNÉS VARDA
Joaquim Ferreira

Nascida Arlette Varda, na Bélgica, em 1928, Agnès Varda aos 18 anos mudou-se para a França com o intuito de trabalhar com fotografia. Seu primeiro emprego foi como fotógrafa no Teatro Nacional Popular, em Lyon, na França. Decidiu também abandonar seu nome de batismo e assumir o Agnès. Foi reconhecida como uma das grandes discípulas de Henri Cartier-Bresson e sua paixão pela fotografia é visível em seus filmes.
Após perceber que a fotografia era uma forma limitada para sua expressão artística se interessa pelo audiovisual e realiza seu primeiro filme aos 25 anos, um longa-metragem chamado "La Pointe Courte", que já misturava narrativa ficcional e realidade com sua câmera captando o chamado “documental subjetivo” da experiência humana. O filme, hoje, após uma revisão histórica, é considerado como o marco fundamental da Nouvelle Vague e foi essencial para Jean-Luc Godard e François Truffaut fazerem suas estréias cinematográficas anos mais tarde,
Esquematicamente, Truffaut e Godard faziam parte de outro grupo da Nouvelle Vague, o grupo do “Cahiers du Cinema” . Varda pertencia ao grupo da "Rive Gauche", que tinha uma concepção menos rígida do cinema. Junto a ela, seu marido  o cineasta Jacques Demy, Alain Resnais e Marguerite Duras faziam parte do grupo que enfatizava um maior engajamento social do cinema e usavam referencias marcantes das artes plásticas, da fotografia e da literatura em seus filmes. Esse grupo, de certa forma, foi marginalizado pela " Nouvelle Vague  “oficial", tão masculina, de  François Truffaut e Jena-Luc Godard [1], apesar da admiração e respeito de ambos pelo cinema de Agnès Varda .
Ao longo de 64 anos de atuação, o cinema de Varda, é também um cinema político feminista por excelência, ao mostrar vidas de personagens femininas quase sempre marginalizadas pela sociedade junto. à subjetividade de suas protagonistas que revelam debates de gênero e da condição naturalizada das mulheres na sociedade.  É  exemplo de cinema autoral ao desenvolver uma forma peculiar de contar histórias.
Seu cinema não foi panfletário e sim reflexivo. Por ser contextualizado politicamente, são filmes abertamente militantes que também captam particularidades sutilezas e subjetividades do universo feminino. São duas vertentes complementares no mesmo discurso fílmico. A obra de Agnès Varda tem o mérito também de uma convergência e certa (re)conciliação com o universo masculino, diferentes de certos grupamentos feministas em vários momentos que se revestem de um binarismo excludente e autoritário no qual o medo recíproco  transforma-se no dialogo da violência: é " a binarização da sensibilidade" [2] . Varda foi dialética!
Em artigo, Patrícia Machado comenta:
"Seja nos filmes de ficção ou documentários, as mulheres vão assumir o protagonismo nos filmes de Agnès Varda, o que não livra a cineasta de duras críticas de um público moralista ou ainda de feministas radicais que vão acusá- la de não ser feminista o bastante. (...) que a acusavam de não ser dura o bastante com os homens, ou de não odiá-los suficientemente. Varda rebatia afirmando que não eram os homens os seus inimigos, mas sim a ideologia machista impregnada nas instituições: (...) precisamos dos radicais, eles são importantes, mas eu não concordo que um filme feminista deva colocar os homens para baixo, ou mostrar que é por causa deles que estamos em desvantagem. São as instituições que são o problema. Mesmo que as instituições na sociedade sejam feitas por homens, os homens muitas vezes estão apenas seguindo a ideologia que aprenderam ao longo dos séculos de civilização quando eram os líderes." [3]
Ainda conforme Machado
"O modo como a mulher é tratada pelas instituições incomodava Varda, que reclamava da ausência de filmes em que elas aparecessem trabalhando, se relacionando com pessoas no trabalho. (...) Não à toa, suas personagens de filmes de ficção e documentário são artistas, comerciantes, militantes, secretárias".
Portanto, o cinema de Agnès Varda, " além de caminhar no mesmo rumo de uma Nouvelle Vague mais esquerdista e experimental, também pode encontrar ressonância em um cinema político. (...), pois ela, além de ser mulher em uma indústria dominada por homens, sempre priorizou narrativas de vidas de mulheres, algo que não era tão comum ou popular na época"[4],
E como exemplos de sua coerência entre vida e obra, Agnes Varda marcou , em 1971, um posicionamento político forte ao assinar o chamado “Manifesto das 343”[5], um documento que reunia a assinatura de mulheres que haviam realizado aborto induzido, considerado ilegal na França daquela época. Em 1977, criou sua própria produtora de filmes, a Cine-Tamaris, com o objetivo de ter mais controle sobre todo o processo de criação, edição, produção e distribuição..
Enfim, a obra de Varda é atualíssima devida principalmente às condições atuais de violência e de agressividade masculina que querem anular o papel da mulher no processo histórico. Deste modo, o cinema político feminista que Agnès Varda  é a precursora, pode "acontecer das mais variadas formas, seja de uma forma mais abertamente militante ou através de suas nuances, sutilezas e bordas, construir uma narrativa que realmente leve em conta a vivência tanto singular quanto coletiva de mulheres. Parece algo simples, mas faz muita diferença se essa história é contada sob a ótica de uma mulher, já que estamos tão acostumadas a nos vermos representadas apenas através da visão que homens tem de nós, o chamado “olhar masculino”, (...). Além disso, em uma indústria sexista e excludente, é muito importante a valorização de cineastas mulheres, e temos muitas, como Lizzie Borden, Lina Wertmüller, Chantal Akerman, Marguerite Duras, Claire Denis, Barbara Loden, Margarethe von Trotta, Lucrecia Martel, Jane Campion, Sofia Coppola, Ida Lupino, etc. Mas também fica a questão: será que todo filme dirigido por uma mulher é automaticamente feminista ou implica em uma desconstrução de padrões de gênero? "[6]

NOTAS:
 [1]" Aos que amam Jean-Luc Godard e sabem da importância dele na vida de Varda, um filme se faz obrigatório (apesar da “grosseria” que ele impingiu à amiga e colega de percurso, quando não a recebeu, junto com JR, durante as filmagens de “Visages, Villages”). Ela – neste filme – chora, enxuga os olhos e, depois, conformada, diz que continuará a gostar do amigo suíço. Pois foi Agnès Varda, a precursora da Nouvelle Vague, que transformou o grande cineasta em ator do delicado e encantador “Les Fiancés du Pont Mac Donald” ou “Méfiez-Vous des Lunettes Noires”, 1961). Este curta, em que o autor de “Acossado” contracena com a linda Anna Karina, virou parte de “Cleo de 5 a 7”, lançado um ano depois  Disponivel em http://revistadecinema.com.br/2019/05/varda-por-agnes/.
[2] Para entender o fascismo dos impotentes. Disponível em https://outraspalavras.net/direita-assanhada/para-entender-o-fascismo-dos-impotentes/
[3] Revista Arquivo em Cartaz - 2019 .Mulheres no Cinema. Disponível em http://arquivonacional.gov.br/images/Revista_arquivo_em_cartaz_2019_miolo_grafica_Online.pdf [4] Cinema Político e Feminista: Agnès Varda. Disponivel em https://valkirias.com.br/cinema-politico-e-feminista-agnes-varda/
[5] O Manifesto das 343 foi uma declaração publicada na revista francesa Le Nouvel Observateur em 5 de abril de 1971 e assinada por 343 mulheres que admitem ter tido um aborto, expondo-se assim a processo criminal, visto que o aborto era proibido na França naquela época. Ele também era conhecido como o "Manifesto das 343 Vagabundas por causa de uma publicação do semanário satírico Charlie Hebdo que expôs um desenho atacando políticos do sexo masculino com a pergunta "Qui a engrossé les 343 Salopes du manifeste sur l'avortement?" ("Quem engravidou as 343 vagabundas do manifesto do aborto? ") O texto do manifesto foi escrito por Simone de Beauvoir .
[6] Cinema Político e Feminista: Agnès Varda. Disponivel em https://valkirias.com.br/cinema-politico-e-feminista-agnes-varda/

 
FILMOGRAFIA DE AGNES VARDA

2019-Varda por Agnès
2017 Visages, villages
2015 Les 3 boutons (Curta)
2014 Un salut à Henri Langlois (Curta)
2011 Agnès de ci de là Varda )
2008 As Praias de Agnès (Documentário)
2007 Vive les courts metrages: Agnès Varda présente les siens en DVD (Video Documentário Curta)
2006 Quelques veuves de Noirmoutier (Documentário)
2005 Cléo de 5 à 7: souvenirs et anecdotes (Video Curta)
2005 Les dites cariatides bis (Video Documentário Curta)
2004 Viennale Walzer (Curta)
2004 Cinévardaphoto (Documentário)
2004 Ydessa, les ours et etc. (Documentário Curta)
2003 Le lion volatil (Curta)
2002 Hommage à Zgougou (et salut à Sabine Mamou) (Curta)
2002 Les glaneurs et la glaneuse... deux ans après (Documentário)
2000 Curta 4: Seduction (Video)
2000 Os Catadores e Eu (Documentário)
1995 L'univers de Jacques Demy (Documentário)
1995 As Cento e uma Noites
1993 Les demoiselles ont eu 25 ans (Documentário)
1991 Jacquot de Nantes
1988 Jane B. por Agnès V.
1988 Kung-fu master!
1986 Você Tem Belas Escadarias, Sabia? (Curta)
1985 Histoire d'une vieille dame (Curta)
1985 Os Renegados
1984 7 Cômodos, Coz., Banh., ... Imperdível! (Curta)
1984 As Tais Cariátides (Documentário Curta)
1983 Ulisses (Documentário Curta)
1983 Une minute pour une image (TV Series Documentário)
1981 Documenteur
1981 Mur murs (Documentário)
1977 Uma Canta, a Outra Não
1976 Amor e Prazer no Irã (Documentário Curta)
1976 Daguerréotypes (Documentário)
1975 Resposta das Mulheres: Nosso Corpo, Nosso Sexo (Curta)
1971 Nausicaa (TV Filme)
1969 O Amor dos Leões
1968 Os Panteras Negras (Documentário Curta)
1967 Tio Yanco (Documentário Curta)
1967 Longe do Vietnã (Documentário)
1966 Elsa, a Rosa (Curta)
1966 As Criaturas
1965 Chroniques de France (TV Serie )
1965 As Duas Faces da Felicidade
1964 Saudações, Cubanos! (Documentário Curta)
1962 Cléo das 5 às 7
1961 Os Amantes da Ponte Mac Donald (Curta)
1958 La cocotte d'azur (Curta)
1958 Du côté de la côte (Curta)
1958 O saisons, ô châteaux (Curta)
1958 A Ópera-Mouffe (Curta)
 1955 La Pointe-Courte





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