sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

CICLO DE FILMES "GRANDES DIRETORES" - WOODY ALLEN : Manhattan (1979)

                                                     
MANHATTAN

Conheço muitas pessoas que ao assistir à um filme de Woody Allen me perguntam como posso gostar tanto de seus filmes já que muitos deles dizem que nem conseguem chegar na metade da duração de seus filmes. Independente da resposta que dou, muito acontece pela falta de olhar sem realmente ver. Antes de assistir a um filme dele eu já sei que no mínimo seu roteiro será interessante apenas pelas suas piadas rápidas (que parecem meio escondidas) e seus diálogos levemente complexos. Em Manhattan ele consegue ser simples e ao mesmo tempo complexo. Além de ser uma das mais belas homenagens de um cineasta a uma cidade, ele consegue tocar em tantos assuntos (uns à frente do seu tempo) que ao acabarmos de assistir ficamos perplexos de termos assistido tudo aquilo em um pouco mais de noventa minutos. (...)
Entre tantas tentativas de definir Manhattan, uma delas parece ser a que mais se encaixa com a visão de que o filme quer construir. Ele fala sobre valores em decadência. Mas o ponto central do filme é o desamparo do homem frente a sociedade. Issac é uma pessoa neurótica e insegura. Que parece não conseguir viver sem alguém por perto, seja amigos ou uma companheira. Esse seu problema psíquico remete a Freud e então sua insegurança e seu desamparo é o estado em que se encontra o homem frente a chance de entrar em sofrimento. Além disso, os valores em decadência citados acima parece ser construído mais uma vez em cima da individualidade humana e na necessidade de se apontar para o norte das vontades emocionais em detrimento das racionais e assim o “se dar conta” de onde está a verdadeira felicidade pode ser algo perdido.
O roteiro é construído através de uma riqueza impressionante. Allen, e não podemos deixar de citar Brickman como coautor, constrói algo que é extremamente grandioso seja em piadas rápidas ou em temas que são abordados durante a narrativa. Temos definições para o que é arte (“a essência da arte é oferecer um tipo de resolução para as pessoas, para que entrem em contato com sentimentos que pensavam não ter”), a subjetividade da obra de arte nas discussões entre Isaac e Mary, a decadência jornalística (“fofoca é a nova pornografia dos jornais”), e a definição do espectador televisivo assim como os programas apresentados pelas emissoras (“os padrões do público foram rebaixados através de anos. Esses caras sentam nas poltronas e os raios gamas devoram os leucócitos de seus cérebros”). No campo das piadas as citações a Nabokov ou ao comparar os amigos de Mary a um elenco do filme de Fellini entre outras são rápidas e não deixam de fazer o espectador sorrir (uma cena em um teatro em que temos os dois casais centrais da trama também é extremamente hilária).
Fotografado por Gordon Willis em preto e branco, este é o típico filme que não poderia ter sido fotografado de outra maneira. Com ora carregado em cenas escuras e ora em cenas mais claras o contraste é extremamente natural em uma cidade extremamente urbana como Manhattan. Logo no início, quando Yale faz uma confidencia a Isaac vemos os dois entrando em uma parte escura e clara funcionando metaforicamente como algo escondido no interior de Yale. Há inúmeras cenas que se destacam por formar quadros tão bonitos.
A do planetário, a da ponte de Manhattan etc. Outro destaque é a trilha sonora (outro ponto essencial na filmografia de Allen e que me faz gostar tanto de seus filmes). Realmente ele acertou ao dizer que a cidade pula ao som de George Gershwin. A música se funde perfeitamente a cidade. Não podemos deixar de destacar também a montagem que funciona perfeitamente ao percebermos uma estrutura que se desenvolve de forma funcional (reparem no desenvolvimento do enredo como uma cena leva a outra de forma tão orgânica). É tão perfeito que em certo momento escutamos as notas musicais de ‘S Wonderful e quando acaba essa cena a primeira frase de Mary é justamente: “É maravilhoso”.
Por fim não poderia deixar de citar o elenco. Muitos criticam, mas não acho Allen um ator ruim para os papéis que se escalou. Combinam perfeitamente com a história. Não poderia deixar de citar todo lado cinéfilo de Allen que filma de forma mais parecida com um cinema europeu. Não só a esse tipo de cinema, mas a um cinema antigo que não existe mais na Hollywood de hoje. Ele nunca se deixou levar por cortes rápidos. No roteiro de Manhattan ainda enxergamos colocações a filmes como as citações ao computador de 2001 a piada já citada sobre o elenco de Fellini, citações a Bergman, o cigarro no início que nos remete a Bogart, os filmes de Veronica Lake entre outras citações que discorre sobre o seu lado cinéfilo.Ao terminar o filme ficaríamos facilmente debatendo vários temas abordados no filme. Uma outra observação é que sua visão está a frente de seu tempo, pois o filme é de 1979 e já aborda temas contemporâneos. É nisso que por si só os filmes de Allen me conquistam. Quando vem o todo então se torna irresistível
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Crítica de Márcio S. - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1617/criticas/espectadores/#review_3061535

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