domingo, 11 de setembro de 2016

Cinema Paradiso(1988,Giuseppe Tornatore)



Indicação do filme: Reinaldo Silva
Apresentação : Joaquim Ferreira
Textos: Joaquim Ferreira e Reinaldo Silva

Milos Forman, quando perguntado sobre o que é cinema, afirmou que ele  é o compartilhamento de varias verdades, as nossas verdades e as verdades dos outros na perspectiva da troca dessas verdades. Na realidade, as outras verdades são as verdades dos críticos e do espectador. Enfim, um movimento de (re)construção de subjetividades!
E mais do que revelá-las, tais subjetividades são reforçadas na troca , recompondo as individualidades e o próprio mundo que nos cerca. No mundo em que vivemos, o pós-modernismo cerca as individualidades e criam um individualismo desconectado da realidade, ensimesmado em certezas rasas. Por isso também, o cinema é importante na exploração de varias visões de mundo sobre um filme  que equilibram  e afinam convergências sobre um fato, um momento ou ainda sobre o próprio papel do individuo no mundo. Esse é  o espírito que norteia nosso grupo de cinema: as escolhas e  as apresentações dos filmes, assim como   os textos apresentados,  seguem a proposta de revelar subjetividades.
Subjetividades são contraditórias e, muitas vezes, não enxergamos o obvio que compõem nossas subjetividades.Talvez o excesso de racionalidade ou uma estrutura emocional  que repele a pieguice pode atrapalhar  escolhas , sobretudo as mais obvias , postura aceitável e normal na recomposição de individualidades que necessita de  equilíbrio é . Deste modo, fui convidado, digamos " desafiado"  pelo amigo Reinaldo,  a  indicar e apresentar o filme Cinema Paradiso do diretor italiano  Giuseppe Tornatore. Confesso   que Cinema Paradiso não é o meu filme preferido de Tornatore.
Pode ser estranho afirmar  isso,mas a questão é  que fui provocado pelo Reinaldo a enxergar o óbvio. Fui instigado , a partir do enredo de Paradiso, a felicidade do menino Totó com a magia do cinema -, a revelar um pouco da minha própria vida baseado na pergunta chave: Por que gosto tanto de cinema? Confesso que expor a vida é uma coisa um tanto  complicada, mas se pensarmos em termos da recomposição das subjetividades que falei, por que não contribuir com esse movimento, revelando aspectos emocionais ligados a memória, ao amor por algo e a formação dos  gostos e  prazeres. Por isso, topei o desafio proposto pelo Reinaldo.Não me tornei cineasta mas sou um amante do cinema. Não virei  Salvatore, mas lembro de momentos Totó, que ajudaram a construir o amor pelo cinema.
Quando menino, com cerca de 9, 10 anos, costumava passar as  ferias escolares  na cidade de Santos, no litoral paulista ,Um dia , um primo de meu pai, o Antonio ,um faz-tudo no extinto cinema Brasília da cidade,me viu num canto, deslocado pela timidez e pela censura do filme .Típico português ,de poucas palavras mas de intuição loquaz, o Antonio  me pegou pelo braço em direção a sala de cinema e abrindo  um pouco a cortina da entrada ,  maravilhado, vi pela primeira vez, a tela enorme , colorida, cheia de símbolos e sons. O filme projetado era  2001-Uma Odisséia no Espaço, do mestre Kubrick , e a inesquecível cena  foi a do osso jogado para o alto que , em câmera lenta, vai subindo, subindo até surgir uma nave espacial. Fascínio e gosto de quero mais! Não sei se foi no mesmo ano, mas em outra sessão, a suprema transgressão  de um menino, incentivado pela fluente emoção do primo taciturno, marcou para sempre minha memória e minha subjetividade: entrei na sala de projeção e , com censura e tudo,  lá  estava ela, a maquina que saía cinema, talvez um 16 mm. E que nem um Totó, vi  cenas rápidas pela janelinha do projecionista. O filme em questão, era um do Steve McQueen,  As 24 Horas de Le Mans. Pronto!  Da paquera- com olhos infantis - ,à paixão (meio proibida) - pelas cores, pelo som, pelo escuro revelador, surgiu então o amor pelo cinema.Sentimentos que foram fundamentais para a vida à frente.
O cinema tem essas coisas ! Ele é pedagógico  completo pois é enredo, ele é memória, sons,cores,ficção, verdade e ,sobretudo , subjetividades inscritas na tela.E como não pensar na mensagem do diretor que, muitas vezes, coincide com o que pensamos, tipo uma garrafa de SOS lançada ao mar que, nos momentos " ilhas desertas" da vida, as vezes param em nossa mãos ?
Cinema Paradiso não era , como afirmei , o meu filme preferido de Tornatore.  Sete anos depois do sucesso comercial , critico e estético de Paradiso, o diretor lançou O Homem das Estrelas , outro filme sobre cinema .Talvez, com o sucesso  anterior, o diretor tenha ficado mais livre e leve para expor a metalinguagem sem maiores riscos emocionais  .Mas depois de rever  Cinema Paradiso......
Cinema Paradiso é emocionante, reequilibra o individuo. O filme possui um extenso repertorio de alcance entre os amantes do cinema, e tem muitos aspectos do chamado “cinema de arte”, mas que também desperta interesse naqueles  que buscam um cinema menos reflexivo . Um dos méritos de Cinema Paradiso é o de não cair no emocionalismo barato , mesmo que os elementos da trilha sonora, confesso, nos deixem extremamente mexidos. Afinal, a trilha de Morricone sempre nos deixa assim ! Mas outros aspectos estruturais do filme, como a cenografia e montagem, equilibram o filme . A direção de arte ganha bastante com a visão do espaço de exibição de filmes numa  típica sala nos moldes dos cinemas de rua, ambiente alcançado por poucos da geração cinéfila atual. Reside aí , um outro  aspecto de Paradiso: o pedagógico ou, a lição de como fazer cinema desde a cabine do projecionista até o diretor, passando pela apropriação  dos filmes que fizeram a história do cinema . Na felicidade do menino Totó ao descobrir , aos poucos, pela abertura na cabine do projecionista, a magia do cinema , início um processo de aprendizagem  que é uma verdadeira aula de como integrar aos elementos que compõem o filme, não apenas a parte técnica do cinema,mas também a sua estrutura histórica com a  constante recorrência a citações e trechos de filmes clássicos durante a película.
Assim, revi o filme e Cinema Paradiso acabou se transformando no melhor filme de Tornatore para mim.A cena final ,quando o Totó-crescido-e-diretor-de-cinema- Salvatore assiste emocionado a uma vertiginosa montagem dos beijos clássicos do cinema, me remeteu a superação do esgarçamento e da fragilidade dos sentimentos, fatores intrínsecos a nossa própria existência..O corte para a cena final mostra um Salvatore emocionado, mostra que ele é todos nós, quando da necessidade do resgate da emoção mais profunda e verdadeira : a revitalização do amor e da paixão, pelo cinema ou pela vida.Não importa! ( Joaquim Ferreira)


Cine Paradiso: Amizade, “Pupilas Degustativas” e Paixão pelos Encontros


Imaginação (parte 1)
A professora dirigindo-se a turma batendo a sua vara de marmelo na mesa:
Silêncio! Silêncio! Alfredo, diga para a turma o que você faz no Cine Paradiso.
Alfredo: Bem, eu não sei bem como começar (olha fixamente para Totó). Talvez o (pára e pensa:“não posso revelar a minha cumplicidade com Totó). Bem, aprendi que certos filmes agitam as nossas “pupilas degustativas”.
Os alunos: Kakakakakakakakakaka!!!!!!!!
Professora: Silêncio! Silêncio! Olha aqui Alfredo, isso aqui não é uma brincadeira, ouviu?
Alfredo: Mas não estou brincando!
Professora: Não temos pupilas degustativas, entendeu? O correto é papilas degustativas. E fica na boca e não nos olhos, entendeu? Com quem o você aprendeu essa besteira?
Alfredo: Com um professor de história. Ele disse que quando um filme é bom, agita nossas pupilas degustativas.
Professora: Você não percebe que esse professor de história é louco!!
Alfredo: Dizem que ele é louco por cinema.

1) Cine Paradiso é uma obra prima. Generoso! Comovente! Extraordinário!
Posso escolher uma dessas palavras e mesmo assim as emoções ficarão contidas. Encontro com a potência da alegria. Exemplo marcante do amor pelo cinema. Precisa ser revisto inúmeras vezes para agitar as nossas “pupilas degustativas”. Isso mesmo, Cine Paradiso é uma degustação para os olhos, pupilas que se agitam mergulhadas no sabor das imagens.

Imaginação (parte 2)
Cortinas do Cine Paradise entreabertas:
Joaquim: Olá Totó! Quanto tempo que não nos vemos!!
Totó: Olá Joaquim! Como assim? Não entendi!
Joaquim: A última vez que nos vimos foi em Santos, lembra?
Totó (rindo): Coitado do Alfredo! Sabia que ele só falava nas pupilas degustativas. De onde você tirou isso? O que eu não estou entendo agora é essa sua conversa de que não nos vemos a muito tempo. Acho que você pirou igualzinho aquele sujeito que ficava falando“a praça é minha!“a praça é minha!”. Foi em Santos que nos vimos pela primeira vez!! (Totó cai na gargalhada).
Joaquim: Não me confunde Totó. Eu não lhe vejo a muito tempo!
Totó: Ah não? É o seguinte Joaquim. Nós estamos sempre juntos assistindo os filmes, nos emocionamos juntos, mas você é tão louco por cinema que nem repara.
Joaquim: É mesmo!!!
Totó (as gargalhadas): Não disse? Tchau! Vou encontrar o Alfredo.
Encontro inédito. Potente e definitivo até hoje. Uma odisséia particular do Joaquim iniciada em Santos. Observo as falas miúdas no entreabrir das cortinas, dois rostos imóveis com olhos esbugalhados aparecem na tela do Cine Estalagem. Encontraram a paixão. Estão loucos pelo cinema!!

2) Minha imaginação não me da trégua. Os personagens do filme Cine Paradiso saem da tela, vem na minha direção, misturam-se em meus sentimentos, vasculham as emoções. Tudo parece real. Expressões faciais, gestos e as reações dos personagens são peles em minha pele. Corpos que encontram outros corpos. Alegria e tristeza. Características essenciais da vida humana. Da vida tal como ela é. Sem reparos e melodramas.
3) Fico com a impressão de que todos os atores, em seus respectivos personagens, incorporaram uma interpretação geométrica. Os movimentos se moldam aos ambientes, os traços fisionômicos seguem a linearidade das palavras, os enquadramentos das cenas são pinturas que nos aproxima e afasta da sucessão dos acontecimentos. E a música!!! É inserida no momento em que as imagens aprofundam, cavam e fazem emergir a fragilidade mais densa das emoções.
Um filme é composto de muitas partes. Resultado do desempenho de uma equipe técnica coordenada em várias funções. Fotografia, montagem, edição, vestuário, maquiagem, iluminação, diálogos, roteiro, música, etc. Divisão de tarefas para mobilizar a nossa imaginação.
O que me interessa num filme é lançar mão dos recursos interpretativos das emoções e da razão. Paralelo entre corpo e mente. Destaco uma cena aqui, monto outra cena ali, junto, corto, edito e pronto: o meu filme está tinindo com recursos audiovisuais e efeitos especiais.
4)”Vá embora e não volte nunca mais, entendeu Totó? Não olhe para trás”.
Diz o mestre Alfredo a Totó.
Minha interpretação: “Totó de um outro sentido a sua vida, encontre o seu lugar no mundo, aqui você não passará de um projetista de um cinema do interior. Também não espere pelo retorno de uma paixão que só existe na sua recordação. Lute pela sua liberdade, faça novos encontros em busca dos seus desejos”.
No corpo memória de Totó existe fragmentos de imagens em formato de curtas metragens.
Do início ao fim a amizade entre Alfredo e Totó é de uma incrível potência afirmativa. Mesmo nos momentos mais alegres (quando Alfredo quebra as regras estabelecidas pelo poder religioso local em benefício daqueles que não conseguiram entrar no cinema), o sofrimento e solidariedade são elementos fundamentais desta amizade inapelável. Somos surpreendidos por encontros inesperados, que ora nos alegram ora nos entristecem. Esse é o movimento pendular que a Vida oferece. A Vida que merece ser vivida. Sem beira nem eira.
5) Amizade no encontro com a admiração. Alfredo resiste e apela. Totó joga o jogo. Quer porque quer. Desafia e desfecha um golpe decisivo:
Alfredo: Totó estou perdido, desesperado!!! Pelo amor de Deus me dá cola. Preciso passar na prova!
Totó: Troco a cola desde que eu possa mexer na máquina lá de cima. Topa ou não?
Alfredo: Não! Não! Ahn! Ta bom Totó! Topo sim!!!
Na tela passa o filme Ulisses, interpretado por Kirk Douglas. Ulisses enfrenta um enorme gigante de um só olho. Totó vence Alfredo. Ulisses vence o gigante.
6) Orgulho na amizade. Orgulho de si, sem escapismo e narcisismos atuais. Orgulho por uma amizade que escolhemos. Próprio, sentido e silencioso.
Quem resiste aquele sorriso dentuço do Totó? A sua perseverança no desejo que o anima? A sua explosão de alegria? O seu amor pela vida? Quem não gostaria de ter tido na vida um mestre como Alfredo?A sua sabedoria na escuridão do tempo? (Reinaldo Silva)



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