segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

CICLO DE FILMES "GRANDES DIRETORES" - FRANÇOIS TRUFFAUT- O Homem Que Amava as Mulheres(1977)


Indicação, apresentação do filme e texto: Joaquim Ferreira

O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES (1977) (L'homme qui aimait les femmes ) 120min
 ROTEIRO: Michel Fermaud, Suzanne Schiffman, François Truffaut
Elenco: : Charles Denner, Brigitte Fossey, Nelly Borgeaud, Geneviève Fontanel, Leslie Caron, Nathalie Baye, Valérie Bonnier, Jean Dasté, Sabine Glaser, Henri Agel, Chantal Balussou, Nella Barbier, Anne Bataille, Martine Chassaing, Ghylaine Dumas, Monique Dury, Michele Gonsalvez, Sabine Guillemin 


Se Hollywood resolvesse fazer hoje um "remake" de "O Homem que Amava as Mulheres" (...)  é provável que transformasse a pequena obra-prima num thriller ou retrato de um obcecado, vítima de uma disfunção psíquica qualquer, recém-diagnosticada pela nova medicina e passível de tratamento com as drogas mais avançadas no mercado(...) Para felicidade do espectador, é improvável que isso aconteça, ainda mais porque a versão original já é uma terapia no meio de tanto lixo cinematográfico, um dos filmes de Truffaut que só tem a ganhar com o tempo, ao ser contraposto à crescente tendência de patologizar qualquer desvio no mundo funcional e politicamente correto de hoje. (..) Para ele, o desejo é assumido como prioridade. Mais que um sedutor, ele é um ser que depende das mulheres para viver, e que reconhece essa necessidade na sua relação com elas.  [1]


O filme narra os encontros e relações amorosas e o comportamento  de Bertrand Morane, interpretado por Charles Denner, desde sua primeira relação sexual, ainda jovem, até sua fase atual no filme ,na faixa dos 40 anos. 
 A história tem início no funeral  do próprio protagonista funcionando como uma espécie de memórias póstumas através de sua  obsessão pelas mulheres  a partir da biografia deixada por ele.Nele,  somente mulheres marcam presença . Elas chegam de todos os lugares e  o  importante é velar o corpo daquele que as deu alguns momentos de prazer e felicidade. Uma  das mulheres inicia  uma narração  sobre a vida de Bertrand. O amor presente no título se refere a adoração pela diversidade de tudo o que é feminino.,  uma reverência as mulheres que chega a ser assustadora  por certa   objetificação da mulher feita por Bertrand. Um certo feminismo afoito censurou essa adoração à mulher como uma forma disfarçada e insidiosa de machismo.Porém, no seu amor pelas mulheres não percebo machismo ou narcisismo. Percebo exatamente o contrário: um filme que a ironiza ao machismo e busca o equilíbrio entre as relações do homem e da mulher.
          Quando realizou "O Homem Que Amava as Mulheres", em 1977, François Truffaut estava em uma fase de sua vida em que a morte lhe aparecia como personagem incondicional de sua criação. Foi nesse período  dos anos 1970 que realizou alguns de seus filmes mais sombrios  como "A História de Adèle H" (1975), por exemplo. E  para mim,  é  um dos mais pessoais do diretor e coerente com sua linha filmográfica.   
" Só mesmo um diretor genial como François Truffaut para transformar um tema que causa repulsa nas mulheres, a promiscuidade masculina, numa história bem aprazível, que arranca uma série de gargalhadas e ainda gera muitas reflexões acerca do sentido da vida. Não apenas isso, as mulheres assumem um papel de objeto na narrativa, tornando-se marionetes na mão do protagonista, o que potencializa ainda mais o viés machista desta obra, mas trato essa característica como um dos objetivos do filme em tela: satirizar o machismo. Utilizando toda a liberdade linguística, visual e criativa que a “Nouvelle Vague” francesa proporcionou, Truffaut produziu um filme marcado pela sinceridade de seus personagens, num contexto no qual eles assumem suas condições e posições sem nenhum pudor e, se porventura enganam a alguém, esse alguém são eles mesmos." (ZUMBA;2017)  
Mas como se identificar com um personagem, à primeira vista, tão raso e ,de certa forma, repulsivo? O  que fez Bertrand assumir essa forma de viver? 
Uma patologia psíquica é a primeira razão que vem à cabeça. Porém , com o desenrolar dos fatos, vemos que a sua  vida desde a infância o levaram àquela condição. 
No fundo, Bertrand   era um homem solitário, um homem que não cresceu, um bebê adulto à procura de atenção.  Em um ponto específico da narrativa ouvimos  Bertrand afirmar que  A criança sou eu ,  mostrando que o personagem não quer crescer e   dar o próximo passo  que seria, de fato, uma relação verdadeiramente romântica, o amor.  Truffaut mostra traços da evolução do personagem – infância e adolescência fizeram dele o que ele é hoje. Ele lembra da prostituta que andava depressa para confundir os clientes em potencial. Um corte que mantém o mesmo movimento da câmera mostra sua mãe, também andando depressa. O toque consiste em fazer que a prostituta e a mãe fossem representadas pela mesma atriz. Está é  uma  das  chaves para a compreensão do personagem masculino que, contudo, não justificaria os seus atos que, em muitas vezes, levava suas “vítimas” ao sofrimento .A postura de Bertrand pode inferir comportamentos desviantes  de violência sexual ou afins .Mas há uma cena marcante e esclarecedora que dilui  qualquer tensão referente a esses possíveis aspectos . É o momento que  Bertrand pede para trocar a descrição do vestido da menina de 9 anos de vermelho para azul no texto do seu livro : seria a única peça ficcional de seu livro .Proteger a menina foi  absolutamente sensível ,cuidadosa e explicativo: foi genial.
Outra chave compreensiva importante é a revelação que  Bertand faz  de  sua  desilusão amorosa ao revelar para a sua editora  Geneviève ( Brigitte Fossey)  que  Vera (Leslie Caron)  foi  o seu grande amor. Geneviève , que é a narradora na  cena inicial  do enterro,  é sua grande crítica, em grande parte confidente  e a única mulher que Bertrand se envolveu não tomando a iniciativa da conquista. Geneviève , a meu ver, é  a nova mulher que  Truffaut quer destacar .
Nesse sentido, destaco um trecho dos diálogos entre Bertrand e Geneviève :
Geneviève  diz: - Sabe como vejo seu livro? Como um testemunho do que foram as relações entre homem e mulher...no século XX.Você percebe como tudo isso está mudando?
No que Bertrand   responde: - Sim, sim, talvez. Mas não tenho certeza de... digamos que o tipo "companheiros" não me faz a cabeça.Até agora havia no amor uma parte de jogo que... enfim, acho indispensável.
- Mas sempre haverá a parte do jogo, simplesmente estamos mudando as regras desse jogo. E o que vai desaparecer primeiro são as relações de força..Vamos continuar jogando, mas de igual para igual. completa a editora.
E Bertrand conclui: : -Talvez, talvez. Para dizer a verdade, não tenho idéias precisas sobre isso, aliás, acho que estou mudando.
- Bravo! Mas não mude demais, conclui Geneviève.
A    morte trágica de Bertrand no filme  encena e representa simbolicamente   o fim do homem do século XX. Sai o "Garanhão" e eterniza-se em livro,  referencia fundamental na obra de Truffaut,  "O Homem Que Amava as Mulheres", a plenitude do masculino equilibrado com a complexidade do feminino.
Truffaut , ao longo de sua carreira,   foi coerente  ao exibir em s seus filmes   vínculos e referencias de vida  de formação : o cinema, os livros, a infância e as mulheres.  Tal  princípio  lhe garantiu uma  simpatia parecida à que provoca o protagonista Bertrand : "   François Truffaut   passou a imagem de quem fazia cinema como se sua vida dependesse disso.(...)  Em "O Homem que Amava as Mulheres", Truffaut tira o amor da sua normalidade coletiva esvaziada para transformá-lo em arte pela radicalidade de uma expressão individual e excêntrica. 
NOTAS

[1]https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2109200118.htm
[2] O homem que amava as mulheres(1977). Disponível em https://cineminhazumbacana.wordpress.com/2017/05/20/o-homem-que-amava-as-mulheres-1977
[3] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2109200118.htm



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