domingo, 20 de outubro de 2019

As Vinha da Ira( John Ford,1940)



Indicação e apresentação do filme: Joaquim Ferreira

Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath, EUA – 1940)
Diretor: John Ford
Roteiro: Nunnally Johnson (baseado no livro de John Steinbeck)
Fotografia: Gregg Tolland
Elenco: Henry Fonda, Jane Darwel, John Carradine, Charley Grapewin, Doris Bowdon, Russell Simpson, O. Z. Whitehead, John Qualen
Duração: 129 min.

 Filme cheio de momentos onde palavras não sobram e a fotografia de se expande, John Ford dialoga com o  deserto em Preto e Branco — uma maneira relacionada a sua  marca dos filmes de faroeste, gênero com o qual é usualmente associado. —   que reforça  o pessimismo que os personagens sofrem durante o filme , com paisagens extremamente sombrias, como as almas daqueles  que perderam tudo por causa da crise . A Grande Depressão ocorreu no período após a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929 e  muitas pessoas perderam o emprego, suas terras e o crédito no banco. O filme mostra como milhares de cidadãos dos Estados Unidos fizeram viagens para vários lugares, saindo de suas propriedades em busca de colheitas de frutas ou de algodão, para trabalhar, em troca de um salário e de um teto para dormir. A  maior parte da história se desenrola na estrada - um road fiction, - , que é um elemento importante no filme, porque promove uma possibilidade para a família Joad, de encontrar um lugar onde possam viver e dar continuidade ao trabalho na agricultura , experiência capaz de mudar a vida dos personagens
Ford se apropria do romance homônimo, ganhador do Pulitzer, escrito por John Steinbeck e constrói uma história na qual a terra é um personagem indispensável e dela advém a ira e a indignação que será combustível para uma maneira diferente de enfrentar os desafios e lidar com a vida. 
O título do filme " As Vinhas da Ira"  relaciona-se a  uma metáfora do verde vale da Califórnia, onde há produção de uva e que representa o alimento, o trabalho e a esperança, numa época tão difícil naquele país.
Em uma narrativa repleta de diálogos contundentes  ,Tom Joad — interpretado por Henry Fonda —, começa a questionar e pensar sobre o que ainda não conhece: uma forma justa e decente de conviver em sociedade.
E é assim que o relato da fome e da dureza é desenhado. A falta de comida e dinheiro podem muito bem serem capazes de arrebentar o espírito de solidariedade, facilitando a tentativa do egoísmo de vencer esta batalha árdua a favor da certeza de que tudo vai dar certo, de uma forma ou de outra.
O argumento para tecer a crítica ao capital é a desumanização de bancos e autoridades, ou seja, os responsáveis passam a ser corporações e não mais homens. Não existe mais um rosto para dialogar ou apontar a espingarda. Não existe contra o que lutar, o desconhecido é o grande culpado.
Este filme foi indicado a 7 Oscars ao lado de O Grande Ditador de Charles Chaplin, Rebecca de Hitchcock e outros grandes nomes. Tendo como pano de fundo a Grande Depressão, a história da família Joad rendeu o Oscar de Melhor diretor a John Ford, em 1941 e o de Melhor Atriz Coadjuvante para Jane Darwel, que interpreta a mãe. A personagem exibe a força e a coragem acesas pelo medo. Medo da separação da família e do futuro incerto. Mas é ela também a figura mais cheia de intensidade e facilidade de se adaptar em meio às adversidades.
Outros personagens ganham forma e destaque ao longo desta jornada. O pregador que em uma das cenas mais marcantes explica porque jamais voltará a pregar a palavra de Deus:

Pregadores devem saber e eu não sei. 


...........................................................................................

Início este comentário lançando mão sobre a definição do título deste filme que se tornou um clássico por inúmeras virtudes. Ultrapassou o campo literário e cinematográfico e seu conteúdo serve como suporte para a historiografia da época, análises sociológicas e para a filosofia política. Meu comentário vai nesta direção, ou seja, será político na medida em que temas como opressão, exploração da força de trabalho no campo, luta por direitos fundamentais, capital financeiro, consciência de classe ... são expostos sem nenhum subterfúgio no filme de John Ford.
O forte significado religioso do título do filme
Vinho simboliza fertilidade, conhecimento, prazer e iniciação, bem como o sagrado e o amor divino. No cristianismo simboliza o sangue de Cristo. Além do catolicismo outras religiões adotam o vinho como bebida santificada: judaica e cristã ortodoxa, dentre outras.
Na mitologia grega, Dioniso (Baco para os romanos) é o deus do vinho que representa a divindade do excesso, da expansão, do riso e da alegria profana, além de ser cultuado nas colheitas de outono, associando-se aos deuses da agricultura. Dioniso é retratado com uma coroa de vinho, símbolo da eternidade. O vinho também estava relacionado aos cultos pagãos. Portanto, o vinho possui uma dupla simbologia oposta: união e desagregação, eternidade e desunião, concórdia e discórdia. Já a palavra ira é de origem latina, refere-se a fúria e violência, uma paixão da alma humana que causa raiva e indignação.
Luta política em que as noções da simbologia religiosa unem-se as questões sociais
Do início ao fim do filme vemos por intermédio de cenas, fotografia e diálogos a trajetória de uma família do campo despojada dos seus direitos, expulsa pelo capital financeiro visível na brutalidade de seus capatazes, que não reconhecem velhos e crianças, produz loucura. Aquela família não é um caso isolado. Seus bens e a cultura comunitária a qual pertenciam foi implodida, como tantas outras. A alternativa para sobrevivência é ter esperança, sentimento incerto, duvidoso, mas a única crença que alimenta a precariedade que a fome causa e antídoto contra a loucura. Expulsos e em
busca de um local onde a sua força de trabalho debilitada poderá ser empregada para o seu sustento, aquela família causa por onde passa, constrangimento e pequenos atos de acolhimento.

O pregador que não acredita mais que possa levar amor e compaixão para os homens, acaba sendo um personagem chave no filme. Ele no final do filme abre a porta, ou como sugere suas palavras, “ilumina com a lanterna”, o despertar da consciência de classe. A personagem mãe é fundamental não só pelo amor e dedicação a família, sobretudo pela capacidade de resistir e lutar não só contra a opressão do capital financeiro, mas também contra o pior inimigo interno existente em sua família: o conformismo, principalmente de seu marido. Seu discurso nos minutos finais do filme é de uma potência presente até os dias atuais.
Reinaldo Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário