Nelson Pereira dos Santos
Nascido em São Paulo, em 22 de outubro de 1928, Nelson
Pereira dos Santos iniciou suas experiências com o cinema na década de 1940.
Advogado de formação, no início da década de 1950 veio para o Rio de Janeiro e,
a partir desse momento, inaugura o caminho que o tornaria um dos mais
admiráveis diretores do cinema brasileiro.
Cineasta engajado politicamente, marcou a história do cinema
nacional como integrante ativo de diversos movimentos sociais e
cinematográficos. Conforme o próprio Nelson indicou, “foram os dez anos de
minha formação, do ginásio à Faculdade de Direito, uma viagem a Paris, o
casamento, serviço militar, cineclubes, Juventude Comunista, primeiro emprego
em jornal, primeiro filme (…) Estava impregnado da certeza de que o Brasil
encontraria o bom caminho para ter uma sociedade mais rica e mais justa.(…)”.
Nelson oficialmente fez 27 filmes, destacando-se nessa
produção: “Boca de Ouro”(1955) , “Rio, 40 Graus” (1955), “Vidas Secas” (1963),
“Rio, Zona Norte”(1957), “Amuleto de Ogum (1974)” e “Memórias do Cárcere”
(1984), destaques que são referência da originalidade da obra de Nelson por
conta da perspectiva das camadas populares na condução das narrativas, criando
assim a base da estética do Cinema Novo no país, movimento do qual Nelson foi
um dos precursores e autores mais destacados.
Foi membro do Partido Comunista Brasileiro nos anos de 1940
e 1950, tendo atuado em escolas de formação. Conforme depoimento do próprio
cineasta em 2007: “É importante assinalar que, para mim, e acredito tenha sido
para muita gente, o Partido foi uma outra universidade. Uma universidade pelo
avesso, pois questionava a versão tradicional da história do Brasil, por
exemplo. Outra coisa que o Partido proporcionou foi um convívio amplo com
pessoas de classes sociais, origens e formações diferentes (…) “.
Em 1950, fez o curta “Juventude”, sobre trabalhadores de São
Paulo, destinado à apresentação num encontro da Juventude Comunista em Berlim
Oriental e cujo negativo foi perdido. Essa experiência, para Nelson, foi a sua
descoberta para o cinema. Em 1951, escreveu na antiga revista “Fundamentos”,
que era preciso inventar uma cinematografia que refletisse “na tela a vida, as
histórias, as lutas e aspirações do povo brasileiro”.
Em 1955, com a conclusão de “Rio, 40 graus”, Nelson já
indicava a trajetória política que marcaria sua carreira. Filme proibido com o
pretexto de ser filme de “comunista”, segundo a censura da época, o próprio PCB
liderou uma campanha exitosa para retirar a censura ao filme, que foi lançado
em março de 1956. Outros dois filmes importantes da obra de Nelson Pereira dos
Santos retomam, em momentos distintos, duas obras do escritor alagoano
Graciliano Ramos(1892-1953) outro destacado militante do PCB: “Vidas Secas”, de
1938, e ” Memórias do Cárcere”, de 1953, transformadas em filmes em 1963 e
1984, respectivamente.
Em 1963, no período de efervescência política e cultural que
antecedeu o golpe que mergulharia o pais na ditadura político-militar de 1964,
Nelson lançou “Vidas Secas”, um dos mais importantes filmes cinemanovistas.
Indicado à Palma de Ouro em Cannes em 1964, “Vidas Secas” abordava pelo cinema
os problemas sociais do Brasil. O filme prima pela honestidade intelectual de
Nelson na adaptação da obra de Graciliano para o cinema. Quem leu o livro de
Graciliano Ramos percebe a perfeita sincronia entre as duas representações:
roteiro preciso, filme conciso, seco, econômico nos diálogos, tal qual o estilo
de Graciliano, mas perfeito nas lentes que, sem recursos artificiais, integram
imagem, som e texto de forma equilibrada. Os únicos excessos são o retratos da
desumanização, da imensa miséria, exclusão e violência sociais retratadas no
filme, bem ao neorrealismo italiano, referência importante do estilo de Nelson
Pereira dos Santos. Assim, o diretor mostrava que era possível contar histórias
com atores não profissionais, cenários externos e escassos recursos. O filme
“Vidas Secas” transformou-se num elemento a mais para pensar o Brasil dos anos
1960.
Na adaptação de Memórias do Cárcere em 1984, para o cinema,
Nelson retorna a Graciliano Ramos e a sua autobiografia sobre o Estado Novo.
Premiado nos Festivais de Cannes e Havana do mesmo ano, o diretor, na
realidade, apresenta uma imagem atemporal das ditaduras, das perseguições
políticas e dos problemas crônicos da República brasileira, construindo um
retrato social do Brasil, que vivia, naquele momento, os anos finais da
ditadura militar. E de acordo com Nelson, “no Brasil estava acontecendo o
movimento pelas ‘Diretas já’. Vidas Secas aconteceu no começo da ditadura e
Memórias do cárcere festejou o final”.
Com a morte de Nelson Pereira dos Santos, o Brasil fica mais
vazio intelectualmente. Morreu uma parte significativa do pensamento
contemporâneo brasileiro expressado por uma relação da arte com a cultura
popular que transcende a tela e trata o cinema não como mero entretenimento
cultural, mas como arte que possibilita uma análise profunda da realidade e
aponta para a necessidade de sua radical transformação.
Joaquim Ferreira
https://pcb.org.br/portal2/19446/nelson-pereira-dos-santos
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