segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
The Lunchbox (2013;Ritesh Batra)
Indicação do filme e texto : Cristina Felício
Apresentação do filme : Joaquim Ferreira
Diz a sabedoria popular que o peixe morre pela boca e para uma esposa conquistar o marido, um bom prato é o melhor caminho. Lunchbox não esconde ter bebido nesta fonte e apresenta um drama delicioso com pitadas de comédia e romance, tendo como coadjuvante o secular, complexo e praticamente infalível (segundo a conceituada Harvard) sistema de entrega de marmitas de Mumbai. São os Dabbawallahs, que permitem que milhões de maridos possam saborear a comida de casa, durante o expediente.
A história gira em torno de uma dona de casa infeliz, que pretende mudar o presente dando uma temperada no casamento, e um viúvo solitário e trabalhador, preso ao passado, cujo futuro próximo é a aposentadoria. Os dois não se conhecem, mas o destino deles se cruza, quando ela envia uma comida especial para o maridão e a marmita vai parar na mesa do ilustre desconhecido. Quando o esposo chega em casa e não comenta nada sobre os quitutes, no dia seguinte, ela envia um bilhete junto com a comida e recebe um outro, só que do estranho. Cientes da falha, eles começam uma inusitada troca de conselhos e essa amizade singular provoca mudanças na vida deste dois prisioneiros de suas realidades. Mas e se eles se conhecessem, pessoalmente, como seria?
Fora do estilo Bollywood tão comum em seu país, o cineasta indiano Ritesh Batra estreia com pé direito em um longa metragem super inspirado. Visualmente, existem sacadas bem legais e a sequência com a câmera acompanhando a incrível trajetória da marmita pelo tal sistema de entregas é estonteante. Sobre a trama, o roteiro de Batra é inteligente, bem montado, e provocante, fazendo você pensar em vários temas do cotidiano na Índia atual, mas aplicáveis em qualquer parte do mundo. Estão lá a saudade, solidão, competição, velhice, vaidade, juventude, depressão, modernidade... E isso tudo, veja que bacana, através da escrita, em plena era de e-mails, SMS, chats etc. Além desse charmoso ingrediente, o bom humor vem como tempêro extra, na voz de uma tia hilária (espécie de "consultora" da sobrinha) e também na figura do trainee, um órfão que irá substituir o veterano e acaba sendo "adotado" por ele.Com orçamento estimado em apenas US$ 1 milhão e elenco super coeso, capitaneado por Irrfan Khan (As Aventuras de Pi), essa coprodução Índia, Alemanha, Estados Unidos e França, conquistou prêmios em vários festivais na Ásia e também na Semana da Crítica, em Cannes 2013. Assim, para fechar a tampa, Lunchbox tem bom ritmo, tem surpresas e é um prato cheio para quem gosta de sair do cinema com aquela sensação de ter visto um ótimo filme, pela maneira como os assuntos, muitas vezes até tristes, foram tratados e levaram a uma boa reflexão.
domingo, 26 de novembro de 2017
Laranja Mecânica ( Stanley Kubrick;1972)
Indicação , apresentação do filme e texto : Reinaldo Silva
" Você que imagina ter visto esse filme ... você que nunca viu o filme Laranja Mecânica ... saberá porque esse filme produzido em 1971 é atualíssimo. Fique ciente de nosso envolvimento com ele. Ao final você será convidado a responder uma questão, que está sempre a nos assediar, quer queiramos ou não.
Sua resposta a pergunta que será feita não será julgada. Não se trata de fazer nenhum julgamento. Mas tenho certeza que a questão ficará "girando em sua cabeça", porque ela é o cerne ou o "núcleo duro" que acompanha a nossa cultura desde os primórdios. Questão que persiste hoje e que talvez persistirá em sociedades futuras."
Reinaldo Silva
Vá e Veja (Elem Klimov;1985)
Indicação e apresentação do filme: Frederico Schornbaum + Alunos da turma 1001 do Colégio Estadual José Martins da Costa
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
A Falecida (1965,Leon Hirszman)
Indicação e apresentação do filme : Anita Hirszman
A Falecida: uma visão política do subúrbio carioca-
Luiz Zanin Oricchio
Tudo que a mulher queria da vida era a morte gloriosa. Tudo que o marido desempregado almejava era a vitória do Vasco sobre o Fluminense na decisão do Campeonato Carioca. Sobre essa superfície de desejos contraditórios, pífios ou absurdos, Nelson Rodrigues construiu um dos seus mais contundentes dramas suburbanos – A Falecida, texto adaptado para o cinema por Leon Hirszman em 1965. Fernanda Montenegro, em seu primeiro papel no cinema, interpreta Zulmira, a “falecida” do título. Vemos a atriz desde as primeiras cenas, andando pelas ruas do subúrbio de Sampaio (RJ). Ela busca uma cartomante e esta lhe diz que ela tem uma desafeta na vizinhança, uma loura, e deve tomar cuidado. Zulmira é casada com Toninho (Ivan Cândido), desempregado que vive entre o salão de bilhar e a expectativa de um jogo decisivo do seu time. O casal vegeta no limite do desespero, mas sem a conotação existencial que daí tiraria um filme francês. Tudo é mais cru e menos intelectualizado. Se o marido encontra na paixão pelo futebol a sua válvula de escape, a mulher parece roída pelo tédio, pela culpa e desejo de morte. Desenvolve uma morbidez que parece verossímil embora traga os traços hiperbólicos desenhados por Nelson Rodrigues.
Leon Hirszman, marxista de formação e cineasta de rara contenção formal, se esforça para desidratar um pouco os exageros rodriguianos. Se os vícios e baixezas da pequena burguesia aparecem com nitidez, seu relevo é esculpido por uma direção enxuta e pela maneira quase documental como o subúrbio é retratado como o lugar da falta de horizontes por excelência. Por outro lado, vemos o Nelson Rodrigues habitual surgir claramente nos dois sócios da funerária, os venais e desbocados papa-defuntos interpretados por Nelson Xavier e Joel Barcellos. Aparece no ricaço cafajeste vivido por Paulo Gracindo. E também, de certa forma, no rosto chupado de Zulmira, que se ilumina apenas quando imagina a própria morte e um enterro de luxo, “como este bairro jamais viu”. É seu maior desejo. O único, de fato: um enterro de parar o trânsito, com caixão de luxo e carro funerário com penacho e tudo, para fazer inveja à vizinha odiada. Enfim, a história tem aquilo que em geral se espera de Nelson Rodrigues – essa fronteira mal definida entre o trágico e o cômico, que ele atravessava, de um lado a outro, como ninguém sabia ou soube fazer.
Leon busca uma leitura pessoal da peça, e talvez um tanto diferente daquela imaginada pelo dramaturgo. Parece se compadecer dos personagens, tanto de Zulmira como de Toninho, e neles vê duas vítimas de um processo adiantado, e no fundo letal, de alienação. Suas vidas de pouco valem, na medida em que eles não têm qualquer controle sobre elas. Toninho, ao se dedicar de maneira fanática ao futebol, não tem olhos para o que ocorre à sua volta. Sua mulher definha e ele não percebe. Desempregado, não ocupa qualquer lugar social, mas não liga o vazio da existência ao fato de ter sido expelido do mundo do trabalho. Zulmira afunda em sua obsessão autopunitiva, sem se dar conta de que o que a corrói é a repressão sexual e, portanto, a culpa e o preço que se impõe pelo que considera seu pecado.
Noel, Poeta da Vila (2006,Ricardo van Steen)
Indicação e apresentação do filme: Bernardo Timm + Alunos da turma 1001 do Colégio Estadual José Martins da Costa
Participação do músico e compositor Agenor de Oliveira
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
domingo, 29 de outubro de 2017
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
domingo, 15 de outubro de 2017
O Grande Ditador(1940,Charles Chaplin)
Apresentação do filme e Texto: Joaquim Ferreira
Como apresentar um filme de Chaplin sem ser redundante? Diante de seus filmes, como falar de montagem, enquadramento, ritmo, trilha sonora, fotografia, ,sendo original? Quantos e quantos filmes analisamos, assistimos, compartilhamos e não percebíamos que falávamos de Chaplin? Ao falar de cinema, falamos implicitamente em Chaplin ,Falamos em genialidade em atualidade e em poesia , aquela tipifica o homem com seus sentimentos da razão objetiva das coisas simples que podem mudar o mudo. Até o choro em Chaplin é diferente: a lagrima contorna a boca,a origem do riso. Temos o enlace da comédia com a tragédia equilibradas:temos a vida como ela é! Não é a poesia da emoção barata e da superficialidade lacrimogênea.Chaplin é "poesia de raiz" (se permitem o termo atualíssimo). E se o cinema não consegue mais falar de Chaplin sem lugares-comuns, sem ser redundante, recorro a Carlos Drummond de Andrade, o mineiro que escrevia quieto. Poeta não precisa ser espalhafatoso e assim como Chaplin, Drummond , não era .Na sua vasta obra, dedicou linhas e mais linhas a Carlitos ,a Chaplin , enfim ,ao vagabundo. Drummond é o poeta do amor que" bate na aorta", e na falta do amor, e da frustrada tentativa do amor, sugere " Meu bem, não chores, hoje tem filme de Carlito" . E o consolo vem através de um " filme de 16 milímetros [que] entra em casa por um dia alugado e com ele a graça de existir mesmo entre os equívocos, o medo, a solitude mais solita. Agora é confidencial o teu ensino, pessoa por pessoa, ternura por ternura, e desligado de ti e da rede internacional de cinemas, o mito cresce. O mito cresce, Chaplin, a nossos olhos Velho Chaplin, a vida está apenas alvorecendo e as crianças do mundo te saúdam. " .
Charles Chaplin, ao balançar sua bengala, desloca as possibilidades e trilha um caminho diferente do senso-comum . Como Drummond disse, - " Vai, Carlos! Ser gauche na vida" ! ..um homem do povo.
Canto ao Homem do Povo - Charles Chaplin(Trecho) .
" Era preciso que um poeta brasileiro, não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa, girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos, era preciso que esse pequeno cantor teimoso,de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia, era preciso que um antigo rapaz de vinte anos, preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo, viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema. Para dizer-te como os brasileiros te amam e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos, vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia, e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.(..)Falam por mim os abandonados da justiça, os simples de coração, os parias, os falidos, os mutilados, os deficientes, os indecisos, os líricos, os cismarentos, os irresponsáveis, os pueris, os cariciosos, os loucos e os patéticos.Ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e de esperança." ( A Rosa do Povo ,1945)
quarta-feira, 11 de outubro de 2017
domingo, 8 de outubro de 2017
O Encouraçado Potemkim(1925;Serguei Eisenstein)
Apresentação do filme: Ricardo Costa
O Encouraçado Potemkin (1925)
Sergei Eisenstein (1898 – 1948), almejava transformar o cinema de entretenimento vazio em ferramenta política. Para Vladimir Lenin, líder da revolução socialista, o cinema era a mais importante das artes, e foi logo estatizado em 1919 .
Filmes como A Greve (1924) e Outubro (1928), transmitiram o espírito revolucionário de sua época. Alexandre Nevsky (1938), sobre as invasões germânicas durante a Idade Média, incentivou os soviéticos a resistirem ao ataque nazista na Segunda Guerra Mundial.
Sua obra-prima incontestável é O Encouraçado Potemkin, um dos filmes mais influentes de todos os tempos, produzido em 1925 para comemorar os vinte anos do levante ocorrido na cidade de Odessa contra o Czar Nicolau II.,evento considerado uma espécie de ensaio para a revolução de 1917.
O enredo do filme é a dramatização de um grupo de marinheiros, retornando à Rússia após serem derrotados em uma guerra contra o Japão, que se amotinam em função da carne podre servida na ração. Lutam contra os oficiais. A insurreição espalha-se pela cidade e recebe apoio popular. O povo lhes doa alimentos. O governo czarista lança o exército contra a multidão de rebeldes. Ocorre um massacre de civis. O encouraçado bombardeia o teatro da cidade (QG dos generais inimigos e templo da arte burguesa). Ao amanhecer, os amotinados recebem apoio de outros navios e, juntos, navegam rumo ao futuro, rumo à revolução. O verdadeiro protagonista de “O Encouraçado Potemkin” é o próprio navio: símbolo do coletivo humano construído na transição de uma época para outra, resumindo o lema do filme (um por todos e todos por um), que atinge a tensão máxima entre o épico e a tragédia. O filme apresenta características do cinema mudo tradicional, com diálogos na tela, imagens em preto-e-branco e a trilha sonora (de Edmund Meisel); (sempre pontuando as cenas, com um tom sombrio nos momentos dramáticos e acordes mais agitados na tensa cena da escadaria).
Para contar essa história, o diretor russo fez uso de recursos até então inéditos. o que chamaria de “montagem das atrações”. Eisenstein explicou que sua teoria cinematográfica apropriava-se da dialética marxista: propunha o choque da tese e da antítese, sua superação, gerando uma síntese. Os cortes são abruptos: ponto, contraponto, fusão. Para ele, o impacto provocado por um filme acontecia em função do ritmo, não do enredo narrado. Um dos pontos chave para o estabelecimento da moderna técnica da narrativa cinematográfica foram os estudos da escola de cinema do mundo, a Escola de Filmes de Moscou (VGIK;1919). Um de seus professores, Lev Kuleshov, professor de Einsenstein. O chamado "Efeito Kuleshov" que seria a base da chamada Teoria da Montagem, que defende a justaposição de uma imagem com outra provoca um conflito cujo resultado é uma terceira idéia distinta, que acaba sendo maior que a soma individual de suas partes (processo da dialética). O “efeito Kulechov mostrou que a arte cinematográfica é, sobretudo, montagem. A famosa quarta parte de “O Encouraçado Potemkin”, conhecida como “a escadaria de Odessa”, é um exemplo da emoção artística que a combinação de plano e montagem, característica do cineasta. Contrariando a técnica da época, Eisentsein força os planos, transformando-os ao colocá-los ao lado de outros aparentemente incompatíveis (“montagem de atrações”), o que faz com que o choque de duas imagens crie, na psicologia do espectador, uma nova síntese que foge das imagens apresentadas e se apresenta na dialética da montagem. Em sua estréia “O Encouraçado Potemkin” teve um sucesso indiscutível. Eisenstein tinha, então, apenas 27 anos. Apesar do sucesso, poucos países assistiram o filme: na França, por exemplo, só foi exibido publicamente em 1953, no Japão em 1959 e na Itália em 1960. Na Espanha, esteve proibido até a morte do ditador general Francisco Franco, em 1975. Nos Estados Unidos, após corte de cerca de um terço do filme, “O Encouraçado Potemkin” estreou em 1926, fazendo um sucesso tão grande que os estúdios americanos convidaram Eisenstein a filmar nos Estados Unidos.
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120 anos de Eisenstein: cinema é revolução
26/01/2018
Por Joaquim Ferreira*
https://pcb.org.br/portal2/18510/120-anos-de-eisenstein-cinema-e-revolucao
A Revolução Soviética de 1917 é um dos acontecimentos mais marcantes do século XX. As dimensões sociais do antigo Império Russo foram solapadas e redimensionadas em torno do ideal socialista.O cinema teve a oportunidade não só de acompanhar a mudança, mas também de ele próprio filmar essa mudança com a eclosão de novas formas e conceitos estéticos. Nasce o cinema como arma de agitação política. Para Vladimir Lenin, o cinema era a mais importante das artes e foi logo colocado a serviço da revolução com a criação do Vsesoyuznyi Gosudarstvenyi Institut Kinematografii (VGIK), ou Instituto de Cinematografia de Todos os Estados da União, em 1919, a despeito das dificuldades encontradas durante a Guerra Contrarrevolucionária (1918-1921). Foi a primeira escola no mundo a profissionalizar a prática do cinema, e um de seus primeiro alunos foi Serguei Eisenstein, que transformou o cinema de entretenimento vazio em ferramenta política.Nascido em 22 de janeiro de 1898 e falecido em 11 de fevereiro de 1948, Esisenstein revolucionou a linguagem cinematográfica e colocou a sua arte a serviço da Revolução Bolchevique. Filmes como “A Greve” (1924) e “Outubro” (1928) transmitiram o espírito revolucionário de sua época. Outro de seus filmes, “Alexandre Nevsky” (1938), sobre as invasões dos cavaleiros teutônicos durante a Idade Média, incentivou os soviéticos a resistirem ao ataque nazista na Segunda Guerra Mundial. No entanto, é com “O Encouraçado Potemkin”(1925) que Eisenstein revela todo a sua competência técnica e engajamento político , mostrando que arte e política podiam andar juntas. O ” Encouraçado Potemkin” registrou os vinte anos do levante ocorrido na cidade de Odessa contra o Czar Nicolau I durante as lutas de 1905, movimento considerado como o “Ensaio Geral” para a Revolução de 1917. O filme é considerado uma das melhores obras da história do cinema, e Eisenstein passou a figurar como um dos mais influentes diretores de todos os tempos.No “Encouraçado Potemkin”, o ator principal é a própria tripulação do navio, símbolo do coletivo humano construído na transição de uma época para outra. A injunção de um herói coletivo em detrimento do vulgar herói individual do cinema norte-americano e a indicação dos inimigos de classe do proletariado (burguesia, oficiais militares, o czarismo, a Igreja Ortodoxa) são elementos que constroem a obra que é matriz do cinema engajado e revolucionário. O filme oferece elementos do cinema mudo tradicional, com intertítulos entre as cenas, imagens em preto-e-branco e trilha sonora pontuando o ritmo ora sombrio, ora mais agitado, como a célebre cena da escadaria de Odessa. A famosa cena da escadaria é um exemplo da emoção artística originada da combinação de plano e montagem, característica de Eisenstein.Para contar essa história, o diretor soviético fez uso de recursos até então inéditos, a exemplo do “Efeito Kulechov”, derivado de Lev Kulechov, professor de Serguei Einsenstein na Escola de Filmes de Moscou. Eisenstein explicou que sua teoria cinematográfica – a “montagem das atrações” – apropriava-se da dialética marxista: propunha o choque da tese e da antítese, sua superação e geração de uma síntese. Os cortes são abruptos: ponto, contraponto, fusão, enquadramentos intimistas alternados com planos gerais radicais. Eisenstein considerava o impacto provocado por um filme pelo ritmo e não propriamente pelo enredo narrado. Afinal, o enredo – a História – estava no plano real, matéria-prima da filmagem. O chamado “Efeito Kulechov” mostrou que a arte cinematográfica é, sobretudo, montagem, mas sempre com a referência a um ponto e a um objetivo totalmente distintos de narrativas diletantes, fugidias, tão comuns nas produções eivadas de pós-modernismo.A obra de Serguei Eisenstein, é verdade, merece mais estudos, exibições, criticas e análises. Contudo, as bases de um cinema engajado e político que abarque todas as dimensões da vida social foram lançadas. No centenário da Revolução Russa registramos também que o cinema tem um poder de transformação quando dialeticamente relaciona-se com a realidade, compartilhando emoções, impressões, desejos, expectativas e esperanças. O cinema é uma das mais valiosas formas de comunicação de massa, um dos meios mais eficazes para a difusão de mensagens. Nesse sentido, o cinema une e socializa, possibilitando reflexão para apreender a realidade e mudá-la. Assim “.. o cinema é único porque, no sentido pleno do termo, é um filho do socialismo… Num único ato cinematográfico, o filme funde o povo a um indivíduo, uma cidade a um país. Funde-os mediante mudança desconcertante e transferência, mediante o escorrer de uma lágrima…” (Serguei Eisenstein, 1939)
*Militante do PCB e coordenador do Cineclube Lumière- loucos por Cinema, Lumiar, Nova Friburgo-RJ.

domingo, 1 de outubro de 2017
Che Parte 1: O Argentino / Che Parte 2: A Guerrilha ( Steven Soderbergh;2008/2009 )
A " Rota do Chê" :Vídeo baseado em fotos de Mauro Oddo
Apresentação dos filmes: Klaus Graban e Miguel Armando
Depoimento enviado por Miguel Armando sobre a convivência de sua mãe ,Maria Teresita Tosar Curbelo, com "Che" Guevara.
He estado exprimiendo mi memoria para ver que otra anecdota sobre el Che (vivida personalmente) me quedaba por transmitirles. Realmente fue Papi quien estuvo mas cerca de el. Yo podria decirte varias anecdotas pero de las que se comentaban pues las que vivi personalmente (o las vivio Papi) creo que ya las sabes. Vamos a hacer un recuento:
- Cuando el Che oyo a varios empleados del Ministerio de Industrias quejarse de la reduccion de los abstecimientos que les llegaban y el se les opuso diciendo que consideraba eran mas que suficientes. Quedo, sin embargo, preocupado y al inquirir en su casa acerca de la entrada de abastecimientos, se entero que tenian una cuota especial para dirigentes. Ordeno, de inmediato, que se retirara y se circunscribieran a la libreta de abastecimientos.
- El dia que Papi y yo estabamos haciendo trabajo voluntario en los muelles en el que el Che participaba. Hubo un momento que todos estabamos exhaustos y el Che baia estado sufriendo de ataques de asma. Llego la noticia de que en un muelle cercano habia otro barco cargado y que no habia quien sacara las mercancias. El Che dijo de inmediato: "...Vamos para alla..." No llamo a nadie, ni exhorto a nadie pero TODOS nos dispusimos a ir con el a pesar del cansancio. El predicaba con el ejemplo.
- Al irse de Cuba las grandes transnacionales, habiamos perdidos los suministros que entraban por esa via. Entre otros muchos, estaba la entrada de siropes para producir la CocaCola en las fabricas cubanas. Se habia sustituido el sirope por uno de "invento" nacional para poder hacer el refresco. En una reunion del Ministerio se bridaron esos refrescos. Como el Che estaba, todos nos inhibiamos de criticar el sabor y fue el quien, ante las caracajadas de todos, dijo: "...Esto sabe a jarabe de pecho..." Ademas de ser muy serio, muy critico y provocar respeto entre todos, tenia tambien un gran sentido del humor.
- En ua ocasion, uno de los administradores de empresa del Ministerio, que habia gozado de gran prestigio, cometio un acto de sustraccion de dinero para fines personales de manera continuada. Como habia gozado de prestigio, los funcionarios cercanos decidieron que fuera a Guanacahabibes (lugar donde iban los revolucionarios que cometian errores graves pero que no eran delito). Cuando el Che se entero dijo que a los ladrones no se les enviaba a un lugar donde estaria recibiendo clases y aportando trabajo en el campo pero con comodidad. Dijo que a los ladrones o a los que cometen delito se les pone en manos de los tribunales de inemediato; que esa era la unica manera de parar la corrupcion.
- Al triunfar la Revolucion e irse del pais la alta burguesia que disponia de infinidad de carros de los ultimos salidos al mercado norteamericano, los dirigentes nacionales tuvieron u n stock donde escoger. Era normal ver algunos que cambiaban de carro con frecuencia hasta lograr uno de su agrado. Al Che le propusieron escoger varias veces y el siempre dijo que no estaba interesado en tener el ultimo modelo y el mas moderno, sino que solo necesitaba un medio de transporte cualquiera para poder legar en tiempo a las multiples citas de trabajo. Cuando se rompia, se arreglaba, no se buscaba otro. Ahora no recuerdo la marca; creo que fue un Chevrolet Impala; el auto que el uso esta en el Museo del Carro en la Habana Vieja.
Claro es siempre bueno recordar que ningun ser humano debe santificarse. En la personalidad del Che y en su actuacion hubo aspectos negativos y hasta extremistas pero lo que hay que destacarle es su consistencia ante la vida revolucionaria. Hacia lo que predicaba y con una voluntad de acero, daba siempre el ejemplo. No es intencion ahora decir aspectos negativos de el pues eso no los vivi de cerca; pero al analizar su trayectoria y ejecutoria si pudiera senalarlos.
Bueno, mi muchachon, seguire recordando pues te podria llenar esto de anecdotas pero todas son referidas y no vividas."
Maria Teresita Tosar Curbelo
domingo, 24 de setembro de 2017
sexta-feira, 22 de setembro de 2017
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
Cidade de Deus (2002;Fernando Meirelles e Kátia Lund)
Indicação e apresentação do filme: Bernardo Timm e Alunos da turma 1001 do C.E.José Martins da Costa/São Pedro da Serra/
domingo, 10 de setembro de 2017
Neruda( 2016; Pablo Larraín)
Indicação , apresentação do filme e texto : Luiza Borba
Quero começar apresentando o filme através de seu diretor Pablo Larrain , jovem cineasta chinelo nascido em 1976, também produtor e roteirista.Seu primeiro filme de longa metragem “Tony Moreno” aparece em 2008 .Em 2013 recebe o prêmio de melhor diretor pelo filme “No”, conquistado no Festival de Cannes. Em 2015, “O Club”,é considerado o melhor filme estrangeiro, no Festival Internacional de Berlim conquistandoo Urso de Prata. Em 2016 se desafia a realizar dois filmes; “Jackie”,inspirado na figura de Jaqueline Kennedy e “ Neruda “,figura mitológica da História Chilena. O roteirista de ”Neruda “,é Guilherme Calderon , ator, dramaturgo e diretor teatral também chileno, nascido em 1971. Calderon foi também roteirista de ”O Club “ e de “ Violeta foi para o Céu “outro filme latino americano apresentado no nas sessões do Lumiére. Só para sentirem a farsa combativa da arte de Calderon, ele diz que : _“ Teatro é campo de guerra “Em suas peças teatrais ele procura dissecar a história e a política do Chile.Dois grandes atores assumem o protagonismo do filme, o chileno Luis Gnecco como Neruda e Gael Garcia Bernal,mexicano,como o policial Oscar Peluchonneau. Segundo Larrain e atores , o filme Neruda é “ um jogo de ilusão”. Ele diz ;-“E isto que eu amo fazer com o cinema ,nada em Neruda é verdadeiramente real”. Baseado na vida do poeta, ele realiza um filme inventivo, lúdico e audacioso. Ao fazer o filme ,Larrain se inspirou em Godard , em John Ford e no absurdo que havia nos filmes de 80.Larrain comenta uma reflexão de Godard .Ela dizia justamente que a maioria dos realizadores de filmes se consideravam como aeroportos ,como estações, mais que ele preferia se ver como um trem,um avião, por causa desta idéia de movimento, de transição .Diz Larrain:_”Para mim, esta é uma forma incrível de descrever o cinema,como alguma coisa que deve ir de um lugar a outro sem jamais verdadeiramente chegar ou partir de alguma parte ,mas justamente fazer a transição”. Larrain acrescenta ainda ;-“Eu não gosto dos filmes onde tudo está dito e concluído. Eu acredito verdadeiramente na inteligência do público e eu quero trabalhar com esta inteligência, esta sensibilidade, assim podemos brincar com os espectadores.” Ele faz questão de destacar que não se trata de um filme sobre Neruda e sim sobre seus criadores. _” É muito mais um filme nerudiano,uma ficção com os elementos do mundo nerudiano, com seu universo literário. Eu tinha interesse de voltar aquela época pois seus sonhos eram diferentes .Minha geração não sabia o que tinha se passado lá e me parecia interessante olhar para este tempo com um olhar contemporâneo”. “Neruda “,para mim ,é um filme provocante , que me instiga,como espectadora a participar atentamente de seu jogo, de sua trama intrigante entre os dois personagens que ora se fundem , se separam e se confundem.
Fonte de pesquisa :www.cinemasparalleled.qc.ca
sábado, 2 de setembro de 2017
Chove Sobre Santiago (1975,Hélvio Soto)
Apresentação do filme: Eliana de Andrade
Texto: Paulo César De Biase
Há 44 anos, no dia 11 de setembro de 1973, um golpe civil-militar-imperialista no Chile derrubou o governo Allende, da Unidade Popular, eleito democraticamente, encerrando tragicamente uma experiência democrático-popular, construída dentro dos marcos institucionais da democracia burguesa. O general Pinochet, com total apoio do imperialismo norte-americano, comandou uma ditadura sanguinária que torturou e assassinou milhares de militantes de esquerda. O pequeno texto que segue abaixo, escrito em 2000, procura apenas identificar suscintamente, do ponto de vista teórico e político, as causas e equívocos dessa experiência, que acabaram contribuindo para que essa tragédia ocorresse.
LICÕES DA EXPERIÊNCIA CHILENA (1970-1973)
O desenvolvimento econômico, social e político do Chile criou as bases sobre as quais a experiência do governo popular de Allende pode se desenvolver. Seu processo econômico atípico em relação aos demais países latino-americanos, em grande parte exportadores de produtos agrícolas tropicais, condicionou seu desenvolvimento social e político, de estabilidade incomum. No século XX, a estrutura social chilena estava mais próxima das composições sociais dos países europeus desenvolvidos do que das de seus irmãos da América Latina. A estabilidade institucional nos últimos 40 anos, dava ao país e à democracia chilena, ares de país de primeiro mundo, com partidos operários de forte base social e expressiva aceitação eleitoral. A conjunção desses fatores permitiu que o programa da Unidade Popular fosse elaborado e apresentado à população nas eleições de 1970. A apertada vitória da UP dava início a uma experiência inédita na história do movimento operário de todo o mundo: a tentativa de se chegar ao socialismo pela via pacífica, segundo um modelo democrático, pluralista e libertário. Como vimos, a cruel realidade dos fatos demonstrou que a experiência chilena pela via pacífica não foi bem sucedida. Por quê?
Primeiramente, gostaríamos de deixar bem claro que não julgamos relevante entrar na discussão particularizada dos erros ou deficiências da proposta e da prática do governo da Unidade Popular. Isto porque consideramos que muitos desses equívocos têm como origem uma concepção de Estado não-marxista, não obstante os partidos dirigentes do processo se identificarem como marxistas-leninistas. Queríamos ressaltar que de modo algum menosprezamos os erros do processo e o grande peso da ação imperialista na desestabilização do governo popular, apenas desejamos ser mais diretos e concisos, levando em consideração os objetivos deste texto.
O erro fundamental dos comunistas e socialistas chilenos foi crer na possibilidade de por dentro do Estado Burguês, através da conquista de uma parcela dele - o executivo -, se poderia gradualmente, mediante a ocupação de espaços no aparelho estatal, transformar este Estado burguês em um Estado operário. Não bastando isso, acreditavam na viabilidade dessa transformação ser feita dentro dos marcos institucionais, dentro da ordem burguesa, apostando na via eleitoral.
Para que essa concepção frutificasse contribuíram dois fatores: a linha comunista tradicional, marcada pela fase stalinista da Internacional Comunista, baseada na revolução por etapas, na política de colaboração de classes, na política das frentes populares, e na aceitação da possibilidade da via pacífica ao socialismo, do final dos anos 50; e o caldo de cultura gerado pela estabilidade institucional e política do Chile, criando ilusões quanto à solidez das instituições democráticas e em relação à neutralidade legalista das forças armadas chilenas. É importante lembrar que nos anos 60 e 70, ocorreu uma revisão da obra de Gramsci, releitura que passou a ser a cartilha da nova postura política de alguns partidos comunistas da Europa Ocidental, que é o eurocomunismo. Em resumo, as principais teses da estratégia eurocomunista eram: a) só é possível chegar ao socialismo nos países industrializados com o consenso da grande maioria da população; b) para isso, é necessário conservar as instituições parlamentares burguesas, que tem amplo respaldo popular; c) é possível que essas instituições burguesas sejam gradualmente esvaziadas de seu caráter de classe; d) a todo custo deve ser evitado o confronto entre a burguesia em seu conjunto e a classe operária isolada; e) mediante a conquista de maiorias parlamentares, realizar reformas estruturais que transformarão por etapas a natureza do sistema capitalista e acabarão por mudar a sua própria essência; f) a principal tarefa é a anti-monopolista, cuja aliança política necessária para concretizá-la deve incluir, além da classe operária e da massa dos setores médios, uma boa parte do campesinato e parte considerável da pequena e média burguesia. A semelhança entre a posição da UP e a dos eurocomunistas é bastante óbvia.
Para refutar essas posições, vamos à fonte que deveria ser também dos comunistas e socialistas autointitulados marxistas-leninistas. Em seu trabalho Estado e Revolução, de meados de 1917, Lenin afirmava sobre a inevitabilidade da revolução violenta: “A essência de toda a doutrina de Marx e de Engels é a necessidade de inocular sistematicamente nas massas essa ideia da revolução violenta. É a omissão dessa propaganda, dessa agitação, que marca com mais relevo a traição doutrinária das tendências social-patrióticas e kautskystas. A substituição do Estado burguês pelo Estado proletário não é possível sem revolução violenta.”
Sobre o papel do proletariado no processo revolucionário Lenin declarava: “A doutrina da luta de classes, aplicada por Marx ao Estado e à Revolução Socialista, conduz fatalmente a reconhecer a supremacia política, a ditadura do proletariado, isto é, um poder proletário exercido sem partilha e apoiado diretamente na força das massas em armas. O derrubamento da burguesia só é realizável pela transformação do proletariado em classe dominante, capaz de dominar a resistência inevitável e desesperada da burguesia e de organizar todas as massas laboriosas exploradas para um novo regime econômico.”
Sobre o aparelho de Estado burguês, Lenin cita duas passagens de Marx, a primeira de A Guerra Civil em França: “não basta a classe operária apoderar-se da máquina do Estado para adaptá-la aos seus próprios fins”, e a outra, da correspondência de Marx a Kugelmann: “... a revolução em França deve tentar, antes de tudo, não passar para outras mãos a máquina burocrática e militar - como se tem feito até aqui - mas quebrá-la. Eis a condição preliminar para qualquer revolução popular do continente.”
Mas vamos voltar à experiência chilena. O que fazer então o revolucionário diante de uma eleição para presidente, livre e democrática? É evidente que num processo desse, num país como o Chile, não cabe a recusa de participar, sendo descabida qualquer outra alternativa, na medida em que o quadro político-institucional é determinado pelo nível de mobilização, organização e consciência do movimento operário e popular. Se as massas têm ilusões democrático-burguesas, as esquerdas devem trabalhar para que elas percam essas ilusões aguçando a luta de classes para que as limitações da democracia burguesa fiquem nítidas e as massas as superem. Mas chegando lá, conquistando eleitoralmente o poder executivo, o que fazer? Entendemos que um governo da esquerda revolucionária deveria aprofundar a luta de classes; praticar a democracia direta; partir para o enfrentamento institucional; apoiar as mobilizações populares; criar e estimular os organismos de massas, transferindo-lhes poderes efetivos (de gestão e de defesa); inserir os trabalhadores nos órgãos de direção das empresas estatizadas, intensificar o trabalho político nas forças armadas; e criar milícias populares para a defesa do governo. Em suma, tudo o que a Unidade Popular não fez por estar presa à concepção da revolução por etapas, por defender a ordem institucional, por acreditar na revolução por dentro do Estado burguês, por priorizar a luta parlamentar-institucional, por enfatizar o aspecto econômico (estatização) em detrimento do político (gestão operária-popular) e por ter ilusões em relação ao aparelho militar do Estado.
Encerrando, consideramos que a experiência chilena foi uma concreta tentativa de reformas dentro dos marcos do sistema capitalista e da ordem burguesa, em um país dependente, inserido na divisão internacional do trabalho do sistema imperialista. No entanto, a experiência do governo Allende é rica em ensinamentos para a esquerda revolucionária, que bem assimilados, contribuirão para que em novos embates com a burguesia e o imperialismo, os equívocos verificados no governo da Unidade Popular não se repitam, evitando-se assim as perdas irreparáveis ocorridas no Chile.
Encerrando, consideramos que a experiência chilena foi uma concreta tentativa de reformas dentro dos marcos do sistema capitalista e da ordem burguesa, em um país dependente, inserido na divisão internacional do trabalho do sistema imperialista. No entanto, a experiência do governo Allende é rica em ensinamentos para a esquerda revolucionária, que bem assimilados, contribuirão para que em novos embates com a burguesia e o imperialismo, os equívocos verificados no governo da Unidade Popular não se repitam, evitando-se assim as perdas irreparáveis ocorridas no Chile.
Paulo César De Biase
segunda-feira, 28 de agosto de 2017
Kóblic(2016, Sebastián Borensztein)
Indicação , texto e apresentação do filme: Virgilio Roma
KOBLIC
Filme de Sebastian Boreszntein, de 2016.Se passa na
Argentina no período da ditadura. Koblic é um piloto militar que se refugia no
interior, onde se relaciona com outras pessoas também vitimadas pela ditadura Argentina. Sua presença provoca
desconfiança na pacata cidade. Em especial, do delegado que deseja descobrir
sua verdadeira identidade. O tema central do filme é o
chamado “Vôo da Morte” com seus impactos pessoais e morais no piloto
Koblic. Trata-se de um filme de
ação, bem dirigido e com belas atuações de Ricardo Darín e da atriz Inma
Cuesta, uma jovem que administra o posto de gasolina. A atuação de Darín é considerada firme, segura e magistral
como sempre.
Breves notas sobre a
ditadura argentina:
A ditadura argentina
foi instalada em 1966, interrompida brevemente em 1973, retornando no período
1976-1983. O pretexto do golpe era livrar
o país das forças populares, ditas “comunistas”.
A forma de atuação era eliminar os opositores, chamados de subversivos. A
eliminação consistia no desparecimento sumário do indivíduo. Estima-se que
despareceram da Argentina 30.000 pessoas, das quais 2 milhões e meio de
exilados. Quanto ao número de mortos
calcula-se em torno de 10.000. O crime político implantado pela ditadura argentina era o
chamado ”Vôo da Morte”. O preso era jogado ao mar para seu corpo não ser
encontrado. Outro crime argentino, mais tarde revelado, foi o da adoção
dos filhos das presas e desaparecidas, que deu origem às reclamações das Avós
da Praça de Maio.
sábado, 26 de agosto de 2017
Forrest Gump-O Contador de Histórias (Robert Zemeckis;1994)
Indicação e apresentação do filme:Tiago Bongard + Alunos da turma 1001 do Colégio Estadual José Martins da Costa/São Pedro da Serra
FORREST GUMP E SUAS REFERÊNCIAS HISTÓRICAS
Em síntese, o filme trata da historia de Forrest
Gump (Tom Hanks) , um garoto com baixo nível de entendimento que curiosamente
participa de perto de diversos eventos da história dos EUA, e às vezes até
influenciando de forma decisiva nos acontecimentos. Ao longo do filme, vemos
Forrest realizando diversas façanhas, como por exemplo: Influenciando ícones da
música (Elvis e John Lennon), se tornando herói de guerra, virando celebridade
por diversas vezes e diversos motivos e até provocando renuncia de presidente.
Todas suas façanhas ao mesmo tempo em que são marcantes, são imperceptíveis
para Forrest, que com seu baixo entendimento nunca consegue entender os fatos
que o cercam.
O interessante sobre esse filme é que apesar de
todos os acontecimentos históricos dos quais Forrest participa, para
assisti-lo, em nada interfere não conhecê-los. Assisti a esse filme quando era
criança, com conhecimento mínimo, o que não me impediu de gostar e de me
emocionar com a narrativa. Talvez seja por isso que Forres Gump tenha sido
sucesso de bilheteria, pois mesmo com todos seus detalhes, é um filme com uma
mensagem simples, capaz de ser absorvida por pessoas de qualquer lugar ou
classe social.
O objetivo desse texto é exemplificar alguns fatos
históricos representados no filme. No entanto, não comentarei sobre todos, em
alguns casos por não conhecer e em outros por opção pessoal. Portanto fique a
vontade para falar caso você tenha percebido a falta e algum desses relatos.
1 – Referencias ao Ku Klux Klan e ao filme “O
Nascimento de uma Nação”
Nesta cena, Forrest explica a origem de seu nome de
forma bem ingênua. Ele explica que seu nome veio do general Nathan Bedoford
Forrest, que teria criado um “clube” chamado Ku Klux Klan. Bem, isso realmente
aconteceu, mas o Ku Klux Klan não era um clube de pessoas que gostavam de por
panos na cabeça, como imaginava Forrest.
Podemos ver também que há algum tipo de edição com
o rosto do Tom Hanks em imagens de algum filme bem antigo. Esse filme se chama
“O Nascimento de uma nação” e foi lançado em 1915, na era do cinema mudo. Tal
película, apesar de seu forte teor racista e de ter causado sentimento de
repulsa mesmo na sua época, continua sendo analisado e estudado até os dias de
hoje. É considerado o primeiro épico histórico do cinema, tratando de questões
desde a chegada dos escravos a América, passando pela Guerra Civil e culminando
na ascensão do Ku Klux Klan, organização racista surgida em 1865. Por ironia,
no andamento do filme, Forrest conheceria um negro chamado Bubba, e que se
tornaria seu melhor amigo.
Forrest finaliza a cena dizendo as seguintes
palavras: “Minha mãe me disse que o nome Forrest era pra me lembrar que as
vezes fazemos coisas que não fazem sentido”.
2. Inspiração para a dança de Elvis
Forrest morava em uma casa imensa com sua mãe em
Greenbow, Alabama. Como a casa era muito grande e tinha muitos quartos livres,
a mãe de Forrest tirava uma ponta hospedando viajantes. Nesta cena, o pequeno
Forrest dança ao som da música* de um rapaz de topete e costeletas. A estranha
dança criada pelo garoto em meio as suas limitações (aparelho na perna) chama
bastante atenção do rapaz. Nas cenas seguintes, ao passarem por uma loja de
eletrodoméstico Forrest e sua mãe vêem o mesmo rapaz agora conhecido
nacionalmente como Elvis imitando a dança de Forrest na TV.
3- Segregação racial no Alabama
3 Nesta cena uma nova edição é feita, sendo o ator
Tom Hanks inserido em imagens jornalísticas antigas relacionadas a um fato
acontecido em 1963, em frente à Universidade do Alabama.
Mais uma vez a questão racial é levantada no filme.
Nesta cena temos George Wallace, governador do Estado do Alabama parado em
frente à entrada da Universidade do Alabama com objetivo de evitar a matrícula
de dois jovens negros. Wallace resistiu à pressão do presidente Kennedy por
alguns dias antes de ceder, mas não sem ler uma carta de repudio à entrada dos
estudantes (é possível ouvir parte da leitura da carta no fim desta cena).
Essas montagens acontecem constantemente durante o filme em várias cenas onde
Forrest conhece diferentes presidentes e também em uma cena com John Lennon que
comentarei mais adiante.
Na cena seguinte, Forrest sempre sem muito
conhecimento dos fatos relata: “alguns anos depois aquele homem bravo na frente
da escola decidiu que era uma boa idéia ser candidato a presidente, mas....
alguém achou que não era”. Dois anos depois do acontecimento em frente à
universidade do Alabama, Wallace sofreu um atentado a tiros e ficou paralitico.
Em 1972 daria o seguinte depoimento: “A segregação foi um erro”.
4- Forrest e Bubba são enviados ao Vietnã
Forrest é convocado para o exército logo após sua
formatura. No batalhão conhece Bubba que vem a se tornar seu melhor amigo. Em
1967 ambos são convocados a combater na Guerra do Vietnã, então alguns dias
antes Forrest decide se despedir de Jenny.
Forrest diz para Jenny “Eles vão me mandar para o
Vietnã, eu acho que é outro país”, mostrando total alienação do personagem em
relação ao conflito, assim como muitos jovens que eram recrutados com a
propaganda “defenda o American Way of Life” , sem se quer conhecer a realidade
por trás de tudo. Em síntese, naquele momento o Vietnã estava dividido entre
Vietnã do Norte (comunista) e Vietnã do sul (Capitalista) desde 1954, por
conseqüência da guerra da Indochina, que dividiu o país. Conflitos na região de
fronteira desencadearam na Guerra do Vietnã. No contexto da Guerra Fria, os EUA
mandavam tropas de apoio ao Vietnã do Sul com o propósito de evitar expansão de
regimes comunistas aliados com a URSS e China. Forrest e Bubba foram enviados
para a guerra, onde ficaram sob supervisão do Tenente Dan, personagem mais
engraçado do filme, segundo minha opinião. Nessa guerra os EUA utilizaram os
mais modernos equipamentos bélicos do momento, a exemplo das bombas de NAPALM e
do Agente laranja. O agente laranja era usado para desfolhear a mata a fim de
revelar os esconderijos dos Vietcongues, enquanto o Napalm era uma espécie de
gelatina pegajosa que grudava na pele provocando queimaduras. Essa arma era tão
terrível que continuava queimando os corpos mesmo quando suas vitimas
mergulhavam na água ou na ausência de oxigênio para combustão (quando cobriam
os corpos com panos ou mantas).
Após o massacre do batalhão do Tenente Dan pelas
tropas vietcongues, Forrest corre para bem longe e ao perceber estar sozinho
retorna para buscar Bubba. É neste momento que é possível observar o bombardeio
de Napalm por parte dos aviões americanos.
5- “Johnny “ vai a guerra
Dentre as pessoas salvas por Forrest está o tenente
Dan, que teve as duas pernas amputadas devido aos ferimentos do conflito. Essa
não é bem uma referencia histórica, mas gostaria de aproveitar essa cena para
relacionar com o filme Johnny vai à guerra (1971). Nesse filme, um recruta da
Primeira Guerra Mundial, Johnny, é completamente mutilado, perdendo braços,
pernas, mandíbula, olhos, nariz e até a audição. Um excelente filme, com
algumas pitadas de surrealismo.
6- Movimento Hippie e Panteras Negras (Anos 70)
Depois de sua participação na guerra, Forrest vai
passear na capital no país. Lá acidentalmente vai parar em uma fila que leva a
um palanque onde vários jovens estão dando discursos contra a Guerra do Vietnã.
Há uma faixa gigante com a frase “Apóiem nossos soldados, tragam-nos de volta
já”. Após o discurso de Forrest que não foi ouvindo por ninguém, pois um militar
desligou os amplificadores, Jenny reaparece vestida como uma Hippie. Ambos se
encontram em meio à multidão em uma das cenas mais emocionantes do filme.
O Movimento Hippie foi um movimento de
contracultura originário nos EUA nos anos 60. Os jovens que dele participaram
foram de fato grandes defensores da paz, sendo um dos grandes lemas do
movimento: “Faça amor, não faça guerra”. Em outras cenas mais adiante também
são mostrados outros acontecimentos dessa época, como a popularização do
consumo de LSD pelos jovens nos anos 70, que utilizavam essa droga para
“expandir a mente”.
Forrest e Jenny são como “pão e manteiga”
novamente, assim como na infância. Devido a posição político-social de Jenny,
Forrest acabou dentro de umas das sedes dos Panteras Negras (grupo
revolucionário defensor dos direitos dos negros), que também surgiu nos anos
60. É possível ver nas paredes imagens que remetem a líderes comunistas, como
por exemplo, Che Guevara. Esta parte do filme é bem auto-explicativa sobre a
posição política dos Panteras Negras durante a guerra:
“Nosso objetivo aqui é proteger nossos líderes
negros. Estamos aqui para proteger e ajudar a todos que precisam de ajuda, pois
nós os panteras negras, somos contra a guerra do Vietnã. Sim! Somos contra
qualquer guerra onde soldados negros são enviados para o front para morrer por
um país que os odeia.”
7. Inspiração para composição da música de John
Lennon
Dick: Você fez uma viagem e tanto, pode nos dizer
como é a China? Forrest: Lá na China as pessoas não têm quase nada. Lennon:
Nenhuma propriedade? Forrest: E lá na China ninguém vai à igreja. Lennon: Sem
religião também? Dick: É difícil de imaginar... Lennon: É fácil se você tentar.
Depois de receber a medalha de honra por seus
feitos na Guerra do Vietnã e se tornar uma celebridade mundial por jogar
ping-pong contra os comunistas, Forrest é um dos convidados de um programa de
TV, juntamente com John Lennon. Em meio a um dialogo entre Forrest, Lennon e
Dick (apresentador) fica subentendido que os comentários inocentes de Forrest
foram inspiração para a composição de Imagine de John Lennon.
Link para Letra de Imagine:
http://letras.mus.br/john-lennon/90/traducao.html
8 – Caso Watergate e renuncia de Nixon
A seleção de Ping-pong americana, do qual Forrest
fazia parte, foi convidado a Casa Branca para conhecer o presidente Nixon.
Forrest cansado de conhecer presidentes relata a situação com certo tom de
deboche: “E fui para a casa branca de novo, conhecer o presidente dos Estados
Unidos de novo”. Essa cena é engraçada, pois sugere que Forrest foi responsável
pela renuncia de Nixon a presidência, fato que aconteceu logo após o escândalo
de Watergate. Forrest incomodado com as luzes de lanternas em um escritório a
frente da janela de seu quarto, chama a segurança do hotel para verificar se
eles estão com problemas, precisando de fusíveis. Como o hotel que Forrest
estava hospedado era Watergate e, o escritório era do Partido democrata, onde
estava acontecendo operações ilegais naquela noite, logo inocentemente Forrest
foi o delator do caso.
9- Furacão Carmen(1974)
Forrest, até então um astro do ping-pong, ganha
25mil dólares apenas para dizer que usa uma raquete de determinada marca. Com
esse dinheiro decide cumprir a promessa que fez ao falecido Bubba: iniciar um
negócio com pesca de camarão – para isso compra um barco de pesca em Louisiana
e até o tenente Dan aparece para ajudá-lo. Os negócios vão mal até o surgimento
do furacão Carmen que devasta toda a indústria de pesca de camarões daquela
região.
Este evento realmente aconteceu. O furacão Carmen
foi um intenso furacão que atingiu a costa da Luisiana em 1974. Como o único
barco que resistiu foi o de Forrest, logo a dupla enriqueceria, pois ficaram
para si com toda a produção de camarão da costa da Louisiana.
10- Investimentos na Apple
Forrest abandona o barco de pesca quando descobre
que sua mãe está morrendo. Ele nunca mais voltará a trabalhar com tenente Dan.
Tempos depois Forrest recebe uma carta do tenente Dan avisando que ele nunca
mais precisará se preocupar com dinheiro. Dan avisa ainda ter investido parte
do dinheiro em um novo negocio que Forrest pensa ser algo com “venda de
frutas”. A maça na carta é na verdade a logomarca da Apple, multinacional
funfada em 1976 voltada para o ramo de eletrônicos.
Aproveitarei a oportunidade para indicar um outro
filme: Piratas do vale do Silício de 1999. Nesse filme temos os jovens Bill
Gates e Steve Jobs criando a Microsoft e a Apple, respectivamente. Um bom
filme.
11- “Shit happens” e “Smile”
Após a morte de sua mãe, Forrest passa a viver um
dia após o outro na inércia, não saindo de casa para nada e não interagindo com
qualquer pessoa. Quando sem razão nenhuma aparente começa a correr pelos pelas
estradas dos EUA, de um oceano a outro, repetidas vezes. Durante essa jornada,
Forrest ganha seguidores e causa confusão na mente das pessoas que não entendem
o motivo da sua jornada. Uma cena em que Forrest corre enquanto jornalistas o
seguem enchendo de pergunta ilustra bem essa situação:
-Por que você está correndo? -Você faz isso pela
paz mundial? -É pelos desabrigados? -Ou será pelo direito das mulheres? -Você
faz isso pelos animais e pelo meio ambiente?
A resposta é curta é grossa: “apenas tive vontade
de correr”.
Ninguém consegue entender como uma pessoa podia ser
tão burra a ponto de iniciar tal jornada sem motivo nenhum. Durante essa
jornada algumas pessoas o procuravam em busca de conselhos para seus negócios,
então Forrest acaba servindo involuntariamente de inspiração para o famoso slogan
“merdas acontecem" (shit happens)e para a criação dos famosos “Smiles”,
rostinhos amarelos e sorridentes. Essa cena serve pra mostrar que o sistema
capitalista tem dessas coisas, que para construir fortuna basta ter a ideia
conveniente no momento certo, mesmo que tal ideia seja algo aparentemente
idiota, como uma frase de adesivo de carro ou um rostinho redondo amarelo
sorridente.
Disponivel em http://lounge.obviousmag.org/prateleira_do_cuffman/2013/01/forrest-gump-e-suas-referencias-historicas.html
quinta-feira, 17 de agosto de 2017
domingo, 6 de agosto de 2017
domingo, 30 de julho de 2017
Noticias de Casa (Chantal Akerman;1977)
Indicação, apresentação do filme e texto: Filippi Fernandes
Da série "A provação da luz": Notícias de Casa (Chantal Akerman, 1997)
Numa viela aberta, as paredes são becos encardidos e fétidos. Garrafas, latas, caixas de papelão, canetas, cacos de vidro,cacos de vaso, cascas, restos e lastros. A lixeira verde é enorme e acumula esse amontoado de coisas que a cidade produziu e produz. À distância, um carro branco dobra a esquina em direção à câmera. Estamos na "Big Apple", em meados dos anos 70, época dos black power, black panthers, disco music, "Embalos de Sábado à Noite". Época da marginália e da violência estatal; época da corrupção e do crime à queima-roupa. Um tempo que não passou.
É final de tarde. Os faróis do carro iluminam parcialmente as paredes. Para cima e para baixo, a carcaça do veículo segue o ritmo da suspensão. Alguém segura o volante com força. Dobram a esquina quatro homens com sacolas e itens recém-adquiridos. As vestimentas proporcionais ao humor.
Segundo quadro. A câmera captura a total ou quase ausência de movimentação humana. O semáforo pisca o amarelo por repetidas vezes. O vento carrega um pedaço de plástico. Um carro azul surge no ângulo da câmera. No horizonte,começa a se desenhar o poente. O que esperar de uma confissão tão sincera?
Não ausência de uma finalidade discursiva, há apenas uma simples e espontânea maneira de capturar o cotidiano, como Lumière outrora teria feito. Uma voz in off se descortina. Ela é frágil, baixa e educada. Inicia a leitura da carta íntima que recebe de sua mãe. Nela há um emaranhado de afeições e delicadezas em torno de questões que não nos dizem respeito. Preocupações cotidianas tão triviais e banais que geram simpatia a quem a ouve. E isso porque aquele que vê pela câmera-olho se faz de única testemunha. O privado se mistura ao público, como se indissociáveis fossem.
No metrô carregado de pessoas, próximo a faixa de pedestres, entre um abrir e fecha de sinal, pessoas entrecruzam presenças e ausências. Esse desdobramento das intimidades se dá em variados lugares: na presença de um público aparentemente indiferente ou daqueles que se intimidam pela câmera, tomando a ação distraída da filmagem pelo lado pessoal, tal qual estivessem num desejo por apagamento: por exemplo, a insistência do senhor de roupas verdes que insiste em esconder a palidez.
Por fim, resta na mente, o reflexo das luzes num dia de chuva. O silêncio. A solidão ruidosa de alguém que, afastado de casa, recebe algumas frases de notícias sem conseguir retrucar na mesma moeda. Porque para um estrangeiro o silêncio é revestido de fascínio e medo, pois a rotina daquela cidade faz apagar as pessoas. E apaga porque pensam "bom dia", "boa tarde" ou "boa noite" como forma de, com a educação, tapear que está sendo incomodado, uma vez que seria infinitamente melhor não ter quem pudesse perceber naquele momento. Porque não convém que algo possa atrapalhar seus planos de lucidez e idealidade. A liberdade é assim usufruída, numa tal angústia e ansiedade da existência que garante a normalidade do dia-a-dia.
A cidade é imunda na proporção de indivíduos que precisam pagar pelo que sujam. E nem assim o faz. Na cidade há algo muito mais importante do que o dinheiro circulando em cada esquina. Há o número, a numeração, o incômodo. Incluindo a régua dos estereótipos. O que dizer? Não dizer, passar, como quem não vê nada por estar olhando para onde pisa.
A cidade que é feita de falta precisa ser preenchida pela cor e ornamento. As crianças brincam em meio ao hidrante estourado, o metrô está pichado e a prostituta marca os lábios com batom barato, comprado de um usuário de heroína, num beco. Não há como dizer isso tudo para uma mãe que fala de pudins o tempo todo. Chantal entende certas contradições e certas impossibilidades.
No silêncio onde cada imagem precisa ser negociada há um desejo pelo distanciamento. É preciso que finalmente a cidade diminua de tamanho, para que de pouco a pouco seja vista como uma lembrança, um registro fílmico de uma experiência que passa. Chantal joga Excalibur na água. Avalon floresce em bruma e melancolia. Hora de retornar para o velho enlace. A realidade novayorkiana, afinal, não precisa dela.
"(...)Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é."
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterônimo de Fernando Pessoa
Da série "A provação da luz": Notícias de Casa (Chantal Akerman, 1997)
Numa viela aberta, as paredes são becos encardidos e fétidos. Garrafas, latas, caixas de papelão, canetas, cacos de vidro,cacos de vaso, cascas, restos e lastros. A lixeira verde é enorme e acumula esse amontoado de coisas que a cidade produziu e produz. À distância, um carro branco dobra a esquina em direção à câmera. Estamos na "Big Apple", em meados dos anos 70, época dos black power, black panthers, disco music, "Embalos de Sábado à Noite". Época da marginália e da violência estatal; época da corrupção e do crime à queima-roupa. Um tempo que não passou.
É final de tarde. Os faróis do carro iluminam parcialmente as paredes. Para cima e para baixo, a carcaça do veículo segue o ritmo da suspensão. Alguém segura o volante com força. Dobram a esquina quatro homens com sacolas e itens recém-adquiridos. As vestimentas proporcionais ao humor.
Segundo quadro. A câmera captura a total ou quase ausência de movimentação humana. O semáforo pisca o amarelo por repetidas vezes. O vento carrega um pedaço de plástico. Um carro azul surge no ângulo da câmera. No horizonte,começa a se desenhar o poente. O que esperar de uma confissão tão sincera?
Não ausência de uma finalidade discursiva, há apenas uma simples e espontânea maneira de capturar o cotidiano, como Lumière outrora teria feito. Uma voz in off se descortina. Ela é frágil, baixa e educada. Inicia a leitura da carta íntima que recebe de sua mãe. Nela há um emaranhado de afeições e delicadezas em torno de questões que não nos dizem respeito. Preocupações cotidianas tão triviais e banais que geram simpatia a quem a ouve. E isso porque aquele que vê pela câmera-olho se faz de única testemunha. O privado se mistura ao público, como se indissociáveis fossem.
No metrô carregado de pessoas, próximo a faixa de pedestres, entre um abrir e fecha de sinal, pessoas entrecruzam presenças e ausências. Esse desdobramento das intimidades se dá em variados lugares: na presença de um público aparentemente indiferente ou daqueles que se intimidam pela câmera, tomando a ação distraída da filmagem pelo lado pessoal, tal qual estivessem num desejo por apagamento: por exemplo, a insistência do senhor de roupas verdes que insiste em esconder a palidez.
Por fim, resta na mente, o reflexo das luzes num dia de chuva. O silêncio. A solidão ruidosa de alguém que, afastado de casa, recebe algumas frases de notícias sem conseguir retrucar na mesma moeda. Porque para um estrangeiro o silêncio é revestido de fascínio e medo, pois a rotina daquela cidade faz apagar as pessoas. E apaga porque pensam "bom dia", "boa tarde" ou "boa noite" como forma de, com a educação, tapear que está sendo incomodado, uma vez que seria infinitamente melhor não ter quem pudesse perceber naquele momento. Porque não convém que algo possa atrapalhar seus planos de lucidez e idealidade. A liberdade é assim usufruída, numa tal angústia e ansiedade da existência que garante a normalidade do dia-a-dia.
A cidade é imunda na proporção de indivíduos que precisam pagar pelo que sujam. E nem assim o faz. Na cidade há algo muito mais importante do que o dinheiro circulando em cada esquina. Há o número, a numeração, o incômodo. Incluindo a régua dos estereótipos. O que dizer? Não dizer, passar, como quem não vê nada por estar olhando para onde pisa.
A cidade que é feita de falta precisa ser preenchida pela cor e ornamento. As crianças brincam em meio ao hidrante estourado, o metrô está pichado e a prostituta marca os lábios com batom barato, comprado de um usuário de heroína, num beco. Não há como dizer isso tudo para uma mãe que fala de pudins o tempo todo. Chantal entende certas contradições e certas impossibilidades.
No silêncio onde cada imagem precisa ser negociada há um desejo pelo distanciamento. É preciso que finalmente a cidade diminua de tamanho, para que de pouco a pouco seja vista como uma lembrança, um registro fílmico de uma experiência que passa. Chantal joga Excalibur na água. Avalon floresce em bruma e melancolia. Hora de retornar para o velho enlace. A realidade novayorkiana, afinal, não precisa dela.
"(...)Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é."
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterônimo de Fernando Pessoa
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