domingo, 6 de novembro de 2016

Asas do Desejo( Wim Wenders;1988)



Indicação do filme: Ana Babo
Apresentação e texto : Reinaldo Silva

                      Asas do Desejo ou o corpo da vida.
Transcrevo abaixo um poema recitado antes do início do filme. Alguns trechos são melódicos, como se fosse uma canção.

A criança, quando criança,
caminhava de braços caídos,
queria que o ribeiro fosse rio,
o rio uma torrente
E este charco, o mar
 A criança, quando criança,
não sabia que era criança,
tudo para ela tinha alma
e todas as almas eram uma só
 A criança, quando criança,
não tinha opinião sobre nada,
não tinha hábitos,
sentava-se de pernas cruzadas,
de repente desatava a correr,
tinha um remoinho
no cabelo
e não fazia careta quando era fotografada.

Preparem-se!!! No sábado o “Cine Estalagem” irá apresentar um filme de tirar o fôlego. Para mim um dos melhores filmes que já assisti. E já o assisti diversas vezes e não me canso de rever, porque aguça a sensibilidade para questões que diz respeito as nossas escolhas.
Wim Wenders faz parte de uma nova geração de diretores do cinema alemão, juntamente com Fassbinder e Werner Herzog, surgida a partir da década de 70 do século 20. Antes tínhamos Murnau e Fritz Lang, expoentes do período que ficou conhecido como “expressionismo alemão”.
Alguns diretores elaboram os seus filmes como proposta de reflexão sobre temas políticos, filosóficos, literários, histórico etc, e não apenas como meio de entretenimento. Explico. Diálogos, enquadramento de uma cena, movimentos de câmara, fotografia,  podem servir de referências sutis de um conto, de um romance, de um outro filme, que desperta a curiosidade, tornando-se tema de conversa após a projeção do filme ou de uma pesquisa posterior pelos interessados.
Ao fazerem essa escolha sabem que seus filmes não serão assistidos por um grande público. Por isso, o custo de produção de seus filmes é baixo se comparado, por exemplo, aos lançamentos dos grandes estúdios americanos. Este é o caso do filme Asas do Desejo.
 O filme Asas do Desejo é uma fábula. Fábula é uma narrativa alegórica em verso e prosa de situação imaginária de cunho popular ou mitológica, destinada a ilustra um preceito.
A questão central que faz parte desta fábula está profundamente relacionada como queremos viver não só na atualidade, mas também sobre a possibilidade de nossa presença na terra. É uma questão narrada por um anjo.
Dentre outras questões o filme aborda direta ou indiretamente: a imortalidade da alma;
a divisão do mundo em uma parte física e uma parte metafísica; a existência ou continuidade da vida após a morte; a ressurreição do corpo;
Até os dias de hoje nos debatemos para entender, acreditar ou não em questões provindas da tradição milenar do pensamento filosófico. São esses temas que o filme aborda. E faço um paralelo entre as questões que o filme levanta, fazendo três perguntas, que estão na cabeça da maioria das pessoas, quer nos momentos de tristeza pela perda de uma pessoa querida, quer em conversas reservadas, ou mesmo em conversas informais:
Nosso corpo possui uma alma? Nossa alma é imortal? Acredita em ressurreição?
Se fizermos uma pesquisa procurando saber as respostas, certamente ouviremos SIM para todas. Dependendo da religião ou crença, teremos explicações variadas sobre cada pergunta.
Mas saiba que desde a mais antiga antiguidade, passando pela idade média, o corpo, o desejo, a imortalidade da alma e a ressurreição eram questões que faziam parte do pensamento filosófico e religioso. Era um tema amplamente discutido por renomados pensadores católicos, como Sto Thomas de Aquino e Sto Agostinho.
Não estranhe a intensa presença de crianças em inúmeras cenas. O poema é dividido em várias partes e narrado parcialmente durante o filme.  

A criança, quando criança,
Fazia perguntas como estas:
Por que é que sou eu e não tu?
Quando começou o tempo e onde acaba o espaço?
A vida sob o sol não é apenas um sonho?
Aquilo que vejo, ouço e cheiro não é apenas a aparência de um mundo antes do mundo?
Existe realmente o Mal e pessoas que são más?
 É possível eu, que sou eu,
não o ter sido antes de ser,
e de repente o eu que sou
deixar de ser aquele que sou?

Somente as crianças podem ver os anjos, porque dão vida as ficções. Não existe criança que não cria em sua imaginação estórias compondo cenários fictícios e personagens fantasmas.
Há uma cena belíssima em que um dos anjos está no circo sentado ao lado de uma criança, com olhos e semblantes extasiados pela presença de palhaços, acrobata e mágico.
Os adultos não podem os anjos. Será porque estão aprisionados por preocupações que não deixa brechas para inocência das ilusões? Será porque a consciência da morte impossibilita as fantasias?
Mas existe um personagem que quebra essa regra. Esse personagem é uma auto-referência de Wim Wenders.
  Vocês irão perceber que as cenas iniciais do filme são feitas em preto e branco. No decorrer do filme elas vão se alterando, ora preto e branco ora coloridas.
Por que a diferença? Porque nas cenas coloridas estão presentes personagens humanos, e nas cenas em preto e branco estão presentes ou que resultam da observação dos anjos. Humanos sinaliza corpo portador dos cinco sentidos, uma característica que os anjos não tem, devido ausência de corpo.
Os anjos vivem num mundo descarnado, não têm sensibilidade treinada para distinguir cores.
A palavra Asas do título é uma metáfora para desejo. Lembra a natureza do desejo. Desejar é se colocar em movimento, deslocar-se de um ponto a outro.
Após conhecer as aflições humanas, temores, medos, angústias, e acontecimentos passados, como o nazismo, a destruição de Berlim no final da Segunda Mundial em 1945, convivendo com o trauma de uma nação dividida por um murro (filme realizado em 1987 e o muro demolido em 1989), um dos anjos toma uma decisão.
Sua decisão foi refletida, analisou, comparou os fatos e as condições presentes e futuras, antes de fazer uma opção, que, no meu entender, resume-se na seguinte pergunta:
Qual a vida que merece ser vivida?
 Abraço

Reinaldo Silva

Um comentário:

  1. Vida e morte são dois fenômenos extraordinários.Fazem parte da experiência humana.Toda vida vale a pena desde que vivida com intensidade emoção.E a vida só tem valor porque a morte existe e os nossos anjos são as decisões que nós tomamos já que nós somos os nosso sonhos e as nossas escolhas.A realidade é sempre muito importante ,mas é muito mais os nossos pensamentos virtuais e as nossas fantasias.Excelente filme!
    Alfredo Henrique

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