Indicação do filme: Ana Babo
Apresentação e texto : Reinaldo Silva
Asas do Desejo ou o corpo da vida.
Transcrevo abaixo um poema recitado
antes do início do filme. Alguns trechos são melódicos, como se fosse uma
canção.
A criança, quando criança,
caminhava de braços caídos,
queria que o ribeiro fosse rio,
o rio uma torrente
E este charco, o mar
não sabia que era criança,
tudo para ela tinha alma
e todas as almas eram uma só
não tinha opinião sobre nada,
não tinha hábitos,
sentava-se de pernas cruzadas,
de repente desatava a correr,
tinha um remoinho
no cabelo
e não fazia careta quando era
fotografada.
Preparem-se!!! No sábado o “Cine
Estalagem” irá apresentar um filme de tirar o fôlego. Para mim um dos melhores
filmes que já assisti. E já o assisti diversas vezes e não me canso de rever,
porque aguça a sensibilidade para questões que diz respeito as nossas escolhas.
Wim Wenders faz parte de uma nova
geração de diretores do cinema alemão, juntamente com Fassbinder e Werner
Herzog, surgida a partir da década de 70 do século 20. Antes tínhamos Murnau e
Fritz Lang, expoentes do período que ficou conhecido como “expressionismo
alemão”.
Alguns diretores elaboram os seus
filmes como proposta de reflexão sobre temas políticos, filosóficos,
literários, histórico etc, e não apenas como meio de entretenimento. Explico. Diálogos,
enquadramento de uma cena, movimentos de câmara, fotografia, podem servir de referências sutis de um
conto, de um romance, de um outro filme, que desperta a curiosidade, tornando-se
tema de conversa após a projeção do filme ou de uma pesquisa posterior pelos
interessados.
Ao fazerem essa escolha sabem que
seus filmes não serão assistidos por um grande público. Por isso, o custo de
produção de seus filmes é baixo se comparado, por exemplo, aos lançamentos dos
grandes estúdios americanos. Este é o caso do filme Asas do Desejo.
A questão central que faz parte
desta fábula está profundamente relacionada como queremos viver não só na atualidade,
mas também sobre a possibilidade de nossa presença na terra. É uma questão narrada
por um anjo.
Dentre outras questões o filme
aborda direta ou indiretamente: a imortalidade da alma;
a divisão do mundo em uma parte
física e uma parte metafísica; a existência ou continuidade da vida após a
morte; a ressurreição do corpo;
Até os dias de hoje nos debatemos
para entender, acreditar ou não em questões provindas da tradição milenar do
pensamento filosófico. São esses temas que o filme aborda. E faço um paralelo
entre as questões que o filme levanta, fazendo três perguntas, que estão na
cabeça da maioria das pessoas, quer nos momentos de tristeza pela perda de uma
pessoa querida, quer em conversas reservadas, ou mesmo em conversas informais:
Nosso corpo possui uma alma?
Nossa alma é imortal? Acredita em ressurreição?
Se fizermos uma pesquisa
procurando saber as respostas, certamente ouviremos SIM para todas. Dependendo
da religião ou crença, teremos explicações variadas sobre cada pergunta.
Mas saiba que desde a mais antiga
antiguidade, passando pela idade média, o corpo, o desejo, a imortalidade da
alma e a ressurreição eram questões que faziam parte do pensamento filosófico e
religioso. Era um tema amplamente discutido por renomados pensadores católicos,
como Sto Thomas de Aquino e Sto Agostinho.
Não estranhe a intensa presença
de crianças em inúmeras cenas. O poema é dividido em várias partes e narrado
parcialmente durante o filme.
A criança, quando criança,
Fazia perguntas como estas:
Por que é que sou eu e não tu?
Quando começou o tempo e onde
acaba o espaço?
A vida sob o sol não é apenas um
sonho?
Aquilo que vejo, ouço e cheiro não
é apenas a aparência de um mundo antes do mundo?
Existe realmente o Mal e pessoas que
são más?
não o ter sido antes de ser,
e de repente o eu que sou
deixar de ser aquele que sou?
Somente as crianças podem ver os
anjos, porque dão vida as ficções. Não existe criança que não cria em sua
imaginação estórias compondo cenários fictícios e personagens fantasmas.
Há uma cena belíssima em que um
dos anjos está no circo sentado ao lado de uma criança, com olhos e semblantes
extasiados pela presença de palhaços, acrobata e mágico.
Os adultos não podem os anjos.
Será porque estão aprisionados por preocupações que não deixa brechas para
inocência das ilusões? Será porque a consciência da morte impossibilita as
fantasias?
Mas existe um personagem que
quebra essa regra. Esse personagem é uma auto-referência de Wim Wenders.
Vocês
irão perceber que as cenas iniciais do filme são feitas em preto e branco. No
decorrer do filme elas vão se alterando, ora preto e branco ora coloridas.
Por que a diferença? Porque nas cenas coloridas estão
presentes personagens humanos, e nas cenas em preto e branco estão presentes ou
que resultam da observação dos anjos. Humanos sinaliza corpo portador dos cinco
sentidos, uma característica que os anjos não tem, devido ausência de corpo.
Os anjos vivem num mundo
descarnado, não têm sensibilidade treinada para distinguir cores.
A palavra Asas do título é uma
metáfora para desejo. Lembra a natureza do desejo. Desejar é se colocar em
movimento, deslocar-se de um ponto a outro.
Após conhecer as aflições humanas,
temores, medos, angústias, e acontecimentos passados, como o nazismo, a
destruição de Berlim no final da Segunda Mundial em 1945, convivendo com o
trauma de uma nação dividida por um murro (filme realizado em 1987 e o muro demolido
em 1989), um dos anjos toma uma decisão.
Sua decisão foi refletida,
analisou, comparou os fatos e as condições presentes e futuras, antes de fazer
uma opção, que, no meu entender, resume-se na seguinte pergunta:
Qual a vida que merece ser vivida?
Reinaldo Silva
Vida e morte são dois fenômenos extraordinários.Fazem parte da experiência humana.Toda vida vale a pena desde que vivida com intensidade emoção.E a vida só tem valor porque a morte existe e os nossos anjos são as decisões que nós tomamos já que nós somos os nosso sonhos e as nossas escolhas.A realidade é sempre muito importante ,mas é muito mais os nossos pensamentos virtuais e as nossas fantasias.Excelente filme!
ResponderExcluirAlfredo Henrique