domingo, 16 de outubro de 2016

O Limoeiro (2008;Eran Riklis)


Indicação e apresentação do Filme : Anna Nabuco
Texto: Reinaldo Silva

 Duas mulheres por elas mesmas:A luta política

Inicialmente quero agradecer a Anna sobre a escolha deste filme. Sua apresentação, um GPS. Para mim, que não havia assistido antes, uma “surpresa que surpreende”, como a metade que completa a outra metade. Porque quando um filme possui elementos que auxiliam e estimulam meu pensamento é como o preenchimento da algo que estava faltando.
O filme é um exemplo de luta política em todos os aspectos. Não vemos nenhum efeito especial. A fotografia nos conduz para os acontecimentos. Os atores impecáveis em seus personagens. Fui “parar dentro da tela”. 
Início este comentário fazendo uma proposta. Tenho ciência que a minha proposta é absurda, dura apenas alguns minutos. É jogo rápido.
Imagine-se seriamente na seguinte situação:
Você está no centro de um campo de guerra entre dois adversários que se odeiam. O ódio entre os dois lados atravessa gerações e vem de muito longe. Não se sabe ao certo quando começou.
Devido as circunstância de nascimento e cultura, você pertence ao campo de um dos adversários e sofre as conseqüências deste pertencimento. Você está em vias de defender algo que ama. Irá lutar contra um Estado, que determina o que pode e o que não pode. Muito mais o que não pode, porque praticamente tudo é motivo de ameaça a segurança deste Estado. Para ele a sua luta é insignificante. Esse Estado detém armas de destruição poderosas. Não existe chance de vitória, dizem. Você procura aliado junto aos seus e isso lhe é negado. Pedem que desista. Você não possui familiares e amigos para dividir sua angústia. Mesmo assim você perde num primeiro confronto. Recebe recomendações para desistir da sua luta porque de nada adiantará. Você sofre ameaças e pressões de caráter moral sobre os seus desejos, emitidos por ambos adversários. O que você ama não é um(a) filho(a) de carne e osso (ou uma outra pessoa), mas cultiva como se fosse. E para fechar sua imaginação: Você é uma mulher vivendo na fronteira que divide Israel e Palestina. E agora!!   Qual seria a sua decisão?
Recomendo esse filme para as pessoas que tem interesse em conhecer a luta política na prática sem a visão dogmática dos partidarismos das modas ocasionais. É uma aula de Política. 
Neste filme não encontramos doutrinas ideológicas de direita, centro, esquerda, posições conservadoras ou avançadas, ou ainda jargões retirados dos manuais dos “fazedores de cabeças”, que nos apontam as melhores escolhas de acordo com suas preferências. Também não encontramos movimentos feministas envolvidos na luta. 
Encontramos no filme duas mulheres que lutam na sua individualidade e em campos opostos. Portanto, não existe a luta da Mulher no sentido genérico, porque as mulheres são distintas, assim como os homens, e provavelmente os sapos, marrecos, rolinhas, avestruz etc. 
Aquelas mulheres, a palestina e a israelense travam uma luta. Serão cúmplices sem dizer olá, como vai? Não falam o mesmo idioma. A cumplicidade é expressa na intensidade dos olhares, nas expressões fisionômicas, na admiração, na curiosidade. Desde o início até o fim do filme não trocaram uma palavra. A linguagem, neste caso, é pobre e não representa os sentimentos mais fecundos. Qual é o mistério desta relação?
Para desespero dos dogmáticos da direita e da esquerda, a cumplicidade se dá entre uma mulher que pertence a um “grupo dominante” e uma outra mulher que pertence a um “grupo dominado”. Esse é o B a ba dos dogmáticos.
Não é nada fácil para a mulher israelense ser cúmplice da mulher palestina num campo de luta onde o ódio étnico, a moral religiosa, as pressões de grupos familiares e sociais, a segurança física e econômica influenciam as decisões.
Em certos momentos da luta política quando aderimos a um dos lados é fundamental avaliar as conseqüências. Existem convicções inegociáveis e convicções negociáveis. Tudo irá dependerá do que acontece no percurso da luta política. 
Por isso, a individualidade das mulheres palestina e israelense apresenta semelhança no que diz respeito à luta política, mas não são idênticas. Não há uma cumplicidade ideológica de classe. O que existe entre ambas é uma cumplicidade derivada da coragem, da determinação. A luta é inevitável quando acreditamos no valor das nossas convicções. 
O pensamento doutrinário divide o mundo em dois. De um lado os privilegiados. Do outro lado os desprivilegiados. Um não se dá com o outro. Os exploradores e os explorados. Os mocinhos e os bandidos. Os culpados e as vítimas. Essa é a doutrina de manuais ideológicos que obscurecem os vínculos que não estão contidos nas cartilhas facilitadoras do ressentimento.  
Temos abaixo os principais adversários das mulheres:
o ministro da segurança de Israel, que é também marido da mulher israelense.
o Estado de Israel, com suas leis; 
os meios sociais, aos quais as mulheres pertencem;
a moral secular dos costumes ortodoxos de cunho patriarcal.
Todos fazem parte da luta envolvida por interesse particulares e políticos.
Em que local do planeta ocorre a luta política dessas mulheres?
A luta política ocorre numa região dominada por conflitos milenares, entrelaçados pelos atritos interpretativos de textos religiosos com forte teor bélico. Não existe a separação entre religião e Estado. O Estado não é laico e sim teocrático, as instituições que o compõe não estão nas mãos do poder civil. Existe o poder de fato conquistado nas urnas (estou me referindo neste caso a Israel), mas influenciado por grupos ortodoxos (tanto na Palestina como em Israel), que conjugam as demandas sociais e políticas. Quando política e religião se misturam temos uma espécie de nitroglicerina pronta para explodir a qualquer momento.
Só existe Estado em um território delimitado por leis internacionais. No caso da Palestina não existe um Estado. Não existem instâncias (Legislativo, Judiciário, Executivo etc) reconhecidas pelos próprios palestinos como representante da nação. Não há concordância sobre os limites territórios palestinos e israelenses, embora o Estado de Israel tenha sido reconhecido pela ONU em meados do século 20. Onde não existe Estado, existem grupos disputando o poder e auto denominando-se representantes do povo palestino.
Portanto, o que motiva a luta é a expansão do espaço territorial, a geopolítica de dominação, e a predominância do ódio entre as partes alimentando o medo de destruição. É uma região em que o ódio venceu todas as expectativas de acordo de paz. 
No filme a destruição dos pés de limões do quintal da casa da mulher palestina são pretextos para expansão do domínio territorial do Estado de Israel.
Limões arremessados, olhares e fisionomia desafiadora, troca de olhares femininos que se “pesquisam”, lenço colocado sobre a cabeça, simbolizando resistência.
Imagino as seguintes perguntas da mulher israelense:
Quem é essa mulher? Por que não desisti? Existe alguém orientando seu comportamento?
A mulher palestina não luta em prol de nenhum movimento feminista, não está ligada a nenhum grupo que reivindica direitos iguais. Também não foi procurada por nenhum desses movimentos. Sua condição é de completo abandono, inclusive pela sua própria comunidade, afeita mais aos julgamentos morais dos comportamentos do que ao reconhecimento e apoio a sua demanda jurídica. 
Existe um enorme paradoxo entre ideologia e prática política. Não são poucos aqueles que defendem no plano das idéias, atitudes “libertadoras”, mas no campo da prática da vida cotidiana utilizam recursos opressivos nas mais diversas ocasiões. 
A luta política jamais deixará de existir em todos os segmentos em que ocorre convivência entre indivíduos, porque os desejos são conflitantes. Não existi uma sociedade utópica na qual não haverá conflitos entre indivíduos. Sim, podemos aprimorar as condições de vida em todos os aspectos degradantes (fome, tolerância em diversos níveis de convivência, acesso dos meios que possam possibilitar a realização de projetos individuais etc), mas é impossível eliminar a luta política dos desejos.
Insisto em dizer que a luta política daquelas mulheres é solitária. 
Porque insistir na luta contra os dogmas de segurança do Estado de Israel, e ainda contra os dogmas morais da sua comunidade é falta grave, exemplo de desobediência ofensiva. 
Imagine, caro(a) leitor(a) romper com o meio familiar, marido, grupo social, numa sociedade em que os direitos da mulher só é reconhecido de acordo com as leis do Estado teocrático?
Imagino o seguinte monólogo da mulher israelense sobre à mulher palestina:
“No início tive medo das atitudes dela. Por isso assim que a havia, escondia-me ou fechava as janelas. Mas não parava de pensar nela. E fui pouco a pouco adquirindo uma grande admiração pela sua luta. Quando eu a olhava, o que eu queria mesmo era mergulhar nos seus pensamentos. Ela me despertava ternura e ao mesmo tempo uma coragem desconhecida”.
Mídia & luta política
A cumplicidade das mulheres palestina e israelense desperta o interesse da jornalista. Não existe nenhuma nem cumplicidade feminina neste fato. Ela não está interessada na justeza da demanda da mulher palestina. Não é por ser mulher que ela se sensibiliza pela demanda de outras mulheres. Ela só está interessada na repercussão da matéria, nos troféus que anualmente são oferecidos no mercado por empresas interessadas em ficar de bem com as mídias. Portanto, o interesse da jornalista é profissional.
Já a repercussão da matéria faz parte da luta política entre os demais personagens. No filme, a matéria serviu de munição para mulher palestina e desgraça para mulher israelense. Mas a mídia não é uma espécie de defensora dos fracos e oprimidos.
Existe uma crença ingênua sobre a função das mídias. A ingenuidade é considerar as mídias como meios de informações isentos de qualquer interesse, que retratam a realidade com objetividade e neutralidade. A notícia só tem interesse para mídias quando podem ser relatadas como dramas apelativos, escândalos de todas as espécies, crimes, violência e perseguições.     
Vivemos estimulados pelos medos propalados pelas mídias.
As mídias servem para conduzir matérias de interesses pessoais e dos grupos políticos que se combatem para obter apoio dos diversos segmentos sociais. 
Advogado, direitos e prazeres na luta política
Para uma população enorme de mulheres do Oriente Médio a morte do marido em quaisquer circunstâncias sela de uma vez por toda sua vida amorosa. É também contra esse dogma que a mulher palestina luta. Por não ter dinheiro para pagar o advogado, ela utiliza sua força física como moeda de troca. Ela não quer nenhum favor. O que ocorre entre eles é atração física. Atração nela amortecida, mas que voltou a pulsar para desespero dos defensores da moral sexual ortodoxa. Por alguns segundos a expressão dos seus sentimentos deixa escapar um breve sorriso tímido, num toque de batom, na mudança do brilho dos olhos e na espessura geral do rosto. Sua feminilidade não foi submersa pela sua luta política. 
Por que o advogado tem seus interesses em defendê-la “gratuitamente”? Porque este é um caso que lhe dará notoriedade, conquistar o mercado de novos clientes. Há uma cena bastante significativa após a “vitória parcial” do advogado nos tribunais. A mulher palestina afasta-se do encontro com os representantes das mídias, deixando o advogado ser o centro das atenções.
Ela não está interessada em ser celebridade. O seu interesse é pela permanência dos pés de limão. Eles são alimentados, podados com cuidados afetuosos, “conversamos com eles”, diz o pai. São dignos de respeito, como qualquer outro ser humano. A poda é um assassinato!!
 Em 1989 o muro que dividia a Alemanha foi derrubado.
Nem imaginávamos que um novo muro surgiria. O século 20 foi cenário de duas grandes guerras mundiais e centenas de conflitos espalhados pela terra.  
O filme termina sem vencedores e perdedores.
Abraço

Reinaldo

                                   

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