domingo, 23 de outubro de 2016

Um Conto Chinês (Sebastián Borensztein;2011)


Indicação e apresentação do filme: Dalvinha Vieira;
Texto: Reinaldo Silva

Um conto chinês ou “Não adianta trocar de mal com a vida” 
                                Uma apresentação professoral com indagações aos presentes por ocasião da apresentação do filme. Excelente!O personagem central do filme “trocou de mal com a vida”. Por que digo isso?Ele é intolerante para consigo mesmo e com as outras pessoas, tem um péssimo humor, esbraveja por qualquer fato que contraria suas escolhas, sua irritação é visceral e de uma acidez de fazer inveja a um limão, encara a vida como algo pesado através de uma lupa com sofrimentos e perdas acumulados.Uma das funções de seu trabalho era atender ao público. Você não tem noção da maneira como ele atendia!
Ele se auto-recrimina, sua fisionomia não portava nenhum sorriso, carrancudo. Seu xingamento preferido é “puta que me pariu”. Isto é, lamentava ter nascido.
Sabe aqueles momentos em que ficamos de “saco cheio” de tudo? Pois é esse o estado “normal” do personagem. Acredito que você já tenha entendido o que desejo transmitir sobre esse personagem.
Tenho a impressão que todos nós já conhecemos ou “convivemos” com pessoas assim. Encontrei pessoas que reclamavam de tudo o tempo todo, eram de uma insatisfação abismal com a vida. Mau humor crônico. O mundo em certas ocasiões tritura mesmo e o chão vira areia movediça. Mas o mundo da vida só pode ser como ele se apresenta, independente de nossa vontade e desejos.
Mas apesar de tudo que acabei de escrever sobre o personagem, você poderá no decorrer do filme um outro lado deste personagem, totalmente diferente em seu modo de agir, algo singular, que não encontramos com facilidade na maioria das pessoas. É o que chamamos de um paradoxo. Duas dimensões contrárias em um só elemento.
 Tenho fascínio particular pelo entendimento que o filósofo (século 17) Baruch Espinosa tem do sentido da palavra Encontro. O Encontro que fazemos com o mundo da Vida.
O personagem será surpreendido por um Encontro inédito. Inédito porque irá mobilizar emoções represadas. Inédito porque inesperado, que surgiu do acaso. Outro personagem cairá no seu colo e fará do seu cotidiano um fardo pior do que ele carregava, “um verdadeiro inferno”.
A mudança do personagem central não é súbita. Ocorrerá pouco a pouco e com bastante resistência. Mudar hábitos é muito difícil. Na maioria das vezes mudar de hábito é doloroso demais, não avaliamos com precisão os benefícios que a mudança trará. Na incerteza dos benefícios preferimos repetir hábitos adquiridos, imaginando que a vida segue nossas escolhas. Queremos segurança por isso nos acomodamos repetindo hábitos. Levamos os hábitos até aos limites máximos. A permanência de hábitos pode encurta muitos desejos ainda desejados e encontros inéditos que possam ser feitos com o mundo.
 Para o desespero do personagem central existe entre ele e esse outro personagem um vácuo verbal intransponível. Eles não falam o mesmo idioma. A tentativa de comunicação é por gestos.
Esse outro personagem, tal como o personagem central, também teve um daqueles Encontros com o mundo, que divide a vida ao meio, que lhe retira até os meios de sobrevivência básicos, como alimentação e moradia.
A partir do Encontro dos personagens somos convidados a assistir mudanças de afetos entre eles, envolvendo também outros personagens que transitam pelo filme afirmando seus desejos.
O xingamento “puta que me pariu” do personagem central, a queixa por ter nascido, por estar num mundo que atua a todo instante contrariando os seus hábitos, transformar-se numa busca de um novo lugar perdido no tempo.
Abraço
Reinaldo


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