sábado, 11 de junho de 2016

Chocolate (Lasse Hallström;2000)



Indicação do filme, apresentação e texto: Miguel Armando Perez

Há pouco tive um intercambio com um grande amigo (cubano que mora em USA) sobre o processo cubano e ele (por razões que entendo) me falava que em Cuba não tem nada branco, que tudo é preto, e foi nesse momento que lembrei um programa da TV cubana que ia ao ar, aos domingos a tarde, cujo nome era Tanda del Domingo.
Começo falando deste programa, pois toda vez que em Lumiar se apresenta um filme prorrogado com debate, lembro-me desse programa.
Era apresentado por Mario Rodriguez Alemán, uma pessoa de uma cultura impressionante, excelente professor e grande crítico de cinema. O povo cubano teve a oportunidade de assistir grandes filmes da história do cinema, graças a esse programa, teve a oportunidade de pensar em cinema, e repensar após os comentários (SEMPRE) excelentes deste grande crítico.
É por isso, entre outras tantas coisas, que nesse projeto Lumière-Loucos por Cinema aparece uma luz que ilumina tanta gente.Ilumina com prazer e com sabedoria e isso me lembra o grande programa da TV cubana. É como se este fosse um pedacinho da minha terra, onde se discute tanto ou mais que os brasileiros quando falam de futebol.
Chocolate, que filme bonito, cheio de simbolismos significantes, no momento em que vivemos.
Quando um filme sobre qualquer tema tem essa vigência, podemos dizer que é um grande filme.
Não poderíamos falar de Chocolate sem falar do elenco de atores, de primeira classe, da maestria do diretor(Lasse Halstron, sueco) que conseguiu reproduzir uma época de pós-guerra, na França, sem perder a ternura e delicadeza que o filme tem até nos momentos trágicos.
O carisma de Johnny Depp com essa forma de atuar leve e simpática consegue incorporar como sempre seus personagens.
A sensualidade e beleza de Juliette Binoche é extremamente explorada no filme de uma maneira simples e sem exageros.
Nem falar da atuação de Judi Dench, essa grande dama do cinema, simplesmente, ela dá uma aula de atuação que marca muito o filme.
Destaque especial para Alfred Molina que consegue incorporar na personagem do Conde toda uma gama de sentimentos que podem ir desde ódio até compreensão.Ele mostra a decadência de uma cultura de nobreza, mas também nos eleva o espirito da simplicidade e austeridade da cultura em foco.
Neste filme, desde as locações usadas (uma pequena vila, no sul da França) passando pelo vestuário, os diálogos e os simbolismos que em todo momento estão presentes realizamos uma LINDA viagem,guiados pela gastronomia que com toda sua grandeza permite mudanças no comportamento das pessoas (todos positivos).
O chocolate não foi a toa a escolha do diretor, o chocolate é de uma grandeza que consegue, no filme, transformar a maioria da população.O chocolate é uma dessas delíciasque mergulhamos quando tomamos líquido, ou nos deixa com outra cor, pois, podemos viajar nele desde o branco até o preto e isso é bem explorado no filme.
Muitos filmes tocam em temas da gastronomia, mas Chocolate é de uma delicadeza, de um sabor de uma paixão que poucos alimentos se igualam.
Quando me preparava para apresentar o filme realizei algumas anotações para seguir uma espécie de roteiro, de guia na apresentação e simplesmente não me senti com o direito de escrever sobre o filme, pois preferi compartilhar com todos vocês que SÃO LOUCOS POR CINEMA.
Escrever sobre um filme quando você não é critico de cinema, nem tem a qualificação para isso ,é muita pretensão,.Entrego a vocês parte do tempo que dediquei quando preparava o que falaria quando apresentei o filme.
Acho que isso diz um pouco de mim, de como vejo a vida e das coisas que nos fazem felizes e mais humanos.
Respeito os grandes críticos, aqueles que nos ensinam ver o cinema com outros olhos. Aos críticos, toda grandeza da lucidez semiótica, a vocês todos o que vi nesse filme, tentando passar de uma forma breve o que me fez ver esse filme (mais uma vez) e sentir um pedaço de chocolate na boca.
Simbolismo: cheio de simbolismos, o vento (inicio),Vianne e Anouk chegando, luz e vento penetram na igreja apagando as velas. Inicio das mudanças.
Força das mulheres na transformação, poder do chocolate (da comida em geral) gerando transformações.
O Conde, olhando pela janela do escritório,Vianne (Juliette Binoche) recebendo mercadoria, sendo dois negros que entregam e ela beija os dois, simplesmente mudanças radicais de comportamento.
Chocolate (alimento) transformando as pessoas.Marido da senhora que comprou os chocolates, comportamento não usual na cidade quanto aos prazeres da vida.
O Luc (garoto) sombrio e triste, os desenhos sempre com temas tristes e que tem seu momento de transformação no quadro que desenha a avó, onde não aparece morte e sim vida e brilho.
O controle da cidade peloConde (prefeito) quando corrige o texto do padre, a hipocrisia da igreja e seus dogmas, como se usam mutuamente os políticos e a Igreja.
A professora quando a menina briga falando que-¨aqui somos civilizados¨- um símbolo do preconceito e de como não aceitavam, até então, mudanças.
A menina (Anouk) jogando cartas no bar, comportamento que quebra os costumes da cidade.
O padre dançando todos os desejos reprimidos, momento de felicidade que o Conde consegue quebrar.
O Conde falando com Josephine, pois ela deixou o marido (preceitos hipócritas),ele convencido de fazer o bem, ponto de vista arcaico.
Boicote a imoralidade pela chegada dos ciganos.Esse fenômeno até hoje é comum na Europa e de uma vigência impressionante, pois, essa velha Europa vive a maior crise da historia na relação com os imigrantes.
Os ciganos com seus costumes, sua música e alegria termina contagiando muitos na cidade, mas seguem seu caminho (depois do incêndio provocado), em fim eles não são bem-vindos e a sociedade deixa isso bem claro. A partida deles tem um simbolismo muito forte, por um lado eles seguem com sua vida (a vida segue) de ciganos, mas marcaram e transformaram a cidade. As mudanças ocorrem quando forças opostas se cruzam.
Pela falsa moralidade (Cristine) termina reprimindo os desejos do filho.
Falsa moralidade do sermão do padre (escrito pelo Conde) colocando a música da rádio como inimigo, no entanto, ele adora.Colocando quem faz doce e o chocolate como inimigo e como um pecado.
Anouk chama a mãe de AJUDANTE DE SATANÁS. Não é fácil ser diferente (verdade), isso é de um simbolismo que marca, pois realmente quando você passa a questionar ou não entra no sistema estabelecido é diferente mesmo.
Ceia da festa, simplesmente FANTÁSTICA, camarão, pelo tamanho parece um peru, lagostinhas e o efeito sobre as pessoas, mais uma vez o alimento mudando a cabeça das pessoas.O filme consegue transmitir o sentimento de que a comida pode muito. Quantas coisas não se resolvem em volta de uma mesa, é uma forma LINDA de unir as pessoas, é como se a arte de cozinhar tivesse sido criada para unir as pessoas.
O desenho da avó, mais jovem, altiva, não parece com os desenhos sombrios do inicio do filme.
Roux (JonhyDeep), outro simbolismo usado pelo diretor, pois roux é uma simples mistura de manteiga e farinha de trigo (base) que se usa para engrossar molhos, dar consistência em molhos ou iguarias. Permite que se transforme, dá homogeneidade.Ele, no filme, é como um roux, capaz de encorpar, de unir, em fim de transformar o TODO.
Música, doce, chocolate, mulheres, tradições dos ciganos, presença forte na Europa.Discriminados, isso fica muito bem colocado no filme.Termina sendo uma grande combinação de elementos que simplesmente transformam MUITO.
Simbolismo da troca de olhares entre Caroline e a mãe.Aceitação das mudanças, mesmo no final da vida marcada pela enfermidade (diabetes).Mudança de ambos os lados, principalmente da Caroline.
Olhar de Josephine quando vê Serge, o marido, ela dança com mais vigor.É uma libertação, decadência dele tornando-se um criminoso (o incêndio).
A morte de Armande e o conserto da bicicleta acontecem ao mesmo tempo, é uma ruptura, o começo de uma nova vida na cidade, com traumas como a morte, mas inicio de nova vida.
Vianne na beira do rio e o vento na cidade. O vento indicando que tem que partir, mas já tinha mudado e muito a vida da cidade, e também a vida dela, simplesmente as mudanças atingem a todos;
Conversa de Vianne com Josephine, depois de ter se tornado uma mulher nova que luta e muda junto com a cidade.
A fala de Caroline com o Conde onde diz que a esposa não voltará é indicio de mudança. Caroline aceita ajudar a Josephine e se consolida a mudança (mudança de valores).
Ponto culminante da mudança na cidade e do comportamento das pessoas: O assalto do Conde a chocolateria tentando impedir mudanças, eu diria o progresso, a abertura das mentes das pessoas, termina aceitando as transformações, por um simples pedaço de chocolate que cai em sua boca e ai bom...... é só tirar suas próprias conclusões.
O sermão do padre, a aceitação de mudanças que de fato, estavam na cabeça de todos, só não eram verbalizadas. Faltava o toque que foi dado pelo chocolate.A comida, as mulheres, os ciganos (estrangeiros) e até os próprios moradores da cidade, com sua Igreja, seu Conde, seus costumes aportam nas mudanças.
A festa, com chocolate, no domingo de Páscoa é o ponto em que você pode afirmar que mudanças aconteceram, que o bom senso prevaleceu.
O nome ¨Armande¨ no café de Josephine é outro símbolo de mudança até porque Armande acelerou sua morte (comendo chocolate) deixando um legado. O velho cedendo ao novo.
O vento quente do verão chegou e Roux voltou, outro símbolo de mudança, até no comportamento de um cigano.
 Grande simbolismo quando a menina quebra o pote de cinzas, pois essas cinzas eram o combustível para sempre seguir andando, isso quebrou e mudou a vida delas também. Elas sempre estavam em movimento (mudando), as cinzas fixam os corpos (territorialidade e tempo).
A partida do canguru esse personagem (imaginário) E QUE APARECE SÓ NO FINAL DO FILME,outro símbolo, pois elas ficam e Roux também.
Na cena final todas as casas, chocolateria, Igreja todas juntas no centro da cidade.Isso reflete a aceitação das coisas diferentes no mesmo contexto (tempo e espaço), fenômeno típico das pequenas cidades do interior, até hoje preservado.
Cena inicial e final são a mesma, só que no inicio está tudo nublado, fechado o tempo, sem sol e na final, o mesmo lugar, os mesmos detalhes, mas tudo claro e com sol, simplesmente mudou de inverno para verão, mudou de frio para calor, de escuro para claro, esse mesmo comportamento acontece com as pessoas da cidade.
Foi uma forma interessante que o diretor achou para que essas cenas(inicial e final) embora as mesmas, porém distintas.
O filme coloca como todas as pessoas são capazes de mudar, pois levam dentro de si essa chama de mudança que simplesmente precisa de uma pequena faísca para acender.

Miguel Armando Perez







Um comentário:

  1. Miguel, que bom que vc nao é critico de cinema, pois só assim vc ficou livre para falar do filme com o coracao, com a percepção de quem ficou com todos os sentidos atentos e nos presenteou com essa riqueza de detalhes. Leio seu comentario e me vejo voltando a cada cena , dada a riqueza de sua narração. Sua introducao tb trouxe a magia, que bons filmes, quase sempre nos levam a reviver experiencias pessoais. Parabéns!

    ResponderExcluir