Na seqüência de nossas sessões presenciais na Euterpe Lumiarense, exibimos na ultima terça -feira, 23/11, o filme " Viridiana", de Luis Buñuel.O filme foi indicado e apresentado por Virgilio Roma.
Produção espanhola de 1961, o filme ganhou Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1961 e é considerado por diversos críticos como um dos melhores da história do cinema
A obra cinematográfica de Buñuel é marcada por características que o colocam na posição de um dos mais controversos cineastas do mundo. Na sua vasta obra, composta de 33 filmes em cinqüenta anos de carreira, obras como "Um Cão Andaluz" (1928) , "A Idade do Ouro" (1930); "Terra sem pão" (1933); "Os Esquecidos" (1950); "O Anjo Exterminador" (1962), "A Via Láctea" (1969) ; "La Belle de Jour" (1967), "Tristana" (1970).; "O Discreto Charme da Burguesia " (1972), "Esse Obscuro Objeto do Desejo" (1977), dentre outras, mostra Buñuel explorando temas com o amor louco, o anticlericalismo, o inconformismo diante do convencional, a transcendência mostrada em imagens alucinatórias , utilizando um humor caustico e , muitas vezes, uma certa singeleza nas imagens que marcaram seu estilo
Segundo Buñuel ,
" A moral burguesa é a i-moral,contra a qual devo lutar.A moral fundada sobre nossas tão injustas instituições sociais, como a religião, a pátria, a família, a cultura;enfim, aquilo que se chama os pilares da sociedade"(Entrevista de 1960)
É uma filmografia densa, sinuosa .mas muito fiel a vida que Buñuel levou, desde a convivência com os surrealistas nos anos 1920 , os problemas de gênero com Garcia Lorca até o rompimento com Salvador Dali nos anos 1940, passando por seus diversos destinos e"exílios" . Ao deixar a Espanha com o início da Guerra Civil em 1938., foi para A França, Estados Unidos e México . Regressa a Espanha no início da década de 1960 e realiza Viridiana
Em Viridiana , o estilo de Buñuel a meu ver, tem um conteúdo mais político, mesmo que não explicito . É uma critica profunda a ditadura de Franco que, teria aceitada ingenuamente subsidiar e promover o filme no Festival de Cannes de 1961, sem que governo examinasse previamente a obra. Se Franco foi ingênuo a esse ponto não posso afirmar mas que a genialidade superou a ditadura, isso é fato! Depois o filme foi proibido na Espanha e só foi reexibido no pais com o fim do franquismo.
Os elementos que sustentavam a ditadura de Franco são alegoricamente tratados no filme: especialmente os conceitos habituais de caridade e virtude cristãs. da Igreja Católica , uma das bases de apoio ao franquismo. .Viridiana representa a submissão do baixo clero a tal da caridade , limitada por natureza em termos de capacidade para superar a pobreza e conceder aos pobres autonomia para transformação social .
A aristocracia, outro sustentáculo do franquismo, e representada no filme por Don Jaime (Fernando Rey), que quer a todo custo seduzir a noviça Viridiana(representada por Silvia Pinal.,) .Don Jaime morre sem conseguir seu objetivo e é substituído pelo filho Jorge (Francisco Rabal,) na condução dos negócios .Este apresenta uma postura moral mais "moderna" porem também hipócrita e sem ser transformadora , típica de frações da classe dominante que se alternam no controle do poder. .A cena final envolvendo Jorge mostra bem a moral que Buñuel tanto criticava.
Viridiana , que etimologicamente significa “a verdadeira divina" , também leva o nome de uma santa católica italiana do século XIII, condenada por blasfêmia e indecência pela autoridade papal.
A cena mais marcante de "Viridiana" na minha opinião, é a profanação ,marca de Buñuel, ocorrida durante a ceia dos mendigos que redimensiona os atos caridosos e de fé de Viridiana
A cena quebra a "harmonia" do filme quando os mendigos são deixados sozinhos na casa de Dom Jaime. Sem os “patrões”, os pobres realizam um banquete , onde reproduzem " A Última Ceia" de Leonardo Da Vinci. E na fotografia que congela e transpõe o quadro de Da Vinci para o filme de Buñuel, a posição no centro do quadro que é originalmente a de Jesus Cristo é representada pelo líder dos mendigos, que é um cego! Na seqüência o mundano se impõe sobre o sagrado, mandamentos e sacramentos são transformados e pecados cometidos : um dos mendigos, vestido de noiva, dança a Aleluia de Handel , há estupro, destruição de objetos da casa e tentativas de assassinato. Uma inferência que fiz ao rever "Viridiana" tem origem na demonstração que a caridade não concede autonomia..O baixo clero -Viridiana- sufocado pelo controle hierárquico da Igreja Católica submete-se a essa constatação Ao optar pela vida mundana expressa na cena final, a ex-noviça transforma--se abandona a caridade , transforma-se moralmente e não se interessa pela organização política dos pobres.É anarquia social verificada no banquete citado e, possivelmente para Buñuel ,a representação da própria desorganização da oposição sindical, partidária e política da Espanha franquista..
Assim,
" A traição de Viridiana em relação ao seu Deus-Igreja compõe uma das sequências finais da obra, quando ela queima os objetos religiosos e penteia-se e maquila-se para uma visita ao homem que ela secretamente desejava. A ex-noviça começa (ou termina) a sua jornada ouvindo jazz e jogando cartas com Jorge e a empregada da casa, com quem ele mantinha um caso. A câmera abandona o “trio pecador” afastando-se lenta e dramaticamente, pondo-se à distância, como que envergonhada. O desejo alcança a sua vitória ao fim da fita e, na mesa de jazz, cartas e sexo, cada ponta do triângulo tem uma vontade oculta a realizar. mundo. " (Luiz Santiago . Disponível em https://www.planocritico.com/critica-viridiana/)
Típico filme para ser visto ,revisto e a cada exibição ter a percepção de ser uma obra nunca vista!
Viridiana– Espanha, México, 1961
Direção: Luis Buñuel
Roteiro: Luis Buñuel, Julio Alejandro (adaptação da obra de Benito Pérez Galdós)
Elenco: Silvia Pinal, Fernando Rey, Francisco Rabal, José Calvo, Margarita Lozano, José Manuel Martín, Victoria Zinny, Luis Heredia, Joaquín Roa, Lola Gaos, María Isbert, Teresa Rabal
Duração: 90 minutos
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