Exibimos no Espaço ECOARTE Livraria, em São Pedro da Serra ,o documentário " A Ultima Abolição", por conta do "Mês da Consciência Negra" iniciado com a exibição de "Marighella", de Wagner Moura no último dia 18. Dirigido pela carioca Alice Gomes e lançado em 2018, o filme aparentemente poderia ser " mais um filme de história , mais um filme sobre o racismo" .Mas considero que não é!
Os documentários correm sempre o risco de absorver uma centralidade do saber pela fala.Isso , em grande parte é ,na minha opinião, um processo falho, além de monótono, que tem no descompasso entre o trabalho de roteirização e montagem a origem do problema. O processo de montagem de um documentário ou de um filme ficcional é responsável pela estruturação final da narrativa desejada. É o que podemos considerar como um “terceiro filme” que é feito a partir do material bruto dos depoimentos de extensa duração.
Entretanto , " A Ultima Abolição" supera certos lugares-comuns existentes na estruturação de diversos documentários afins. Nesse sentido, num filme de pouco mais de uma hora e 20 minutos de duração , o processo de montagem utiliza-se de uma crescente argumentação lógica e histórica , que com o diálogos divergentes e complementares dimensionam o entendimento para uma necessária perspectiva de totalidade. É o entrelaçamento e equilíbrio imprescindíveis entre roteiro-direção - montagem.
A montagem do documentário em questão foi feita pela competente e premiada Natara Ney que também divide o roteiro do filme com Alice Gomes.Natara , dentre outros trabalhos , fez a montagem de " Pernamcubanos - O Caribe Que Nos Une" ,de 2012 e ganhou em 2014, o “Prêmio Cinema Brasileiro” por Melhor Montagem. do documentário " O Mistério do Samba" , ambos exibidos pelo cineclubismo de Lumiar e São Pedro da Serra.
Assim, os diversos depoimentos e análises variam de posições que vão de um viés mais culturalista à afirmações que sugerem criticas a circularidade de argumentações contra o racismo que não consideram as questões classistas, passando ainda por um atualização jurídica e penal sobre o problema que desmonta a linguagem jurídica que ainda criminaliza a população negra.
O final do documentário, seguindo o excelente trabalho de montagem e direção, converge para um chamamento em prol da construção de um outro tipo de sociedade, espécie de síntese de todas as posições colocadas ao longo do filme feita pela filósofa Sueli Carneiro., do Geledés.Ela lembra uma citação do também filósofo jamaicano Charles Wade Mills que afirma que " toda pessoa branca, queira ela ou não, é beneficiária do racismo a despeito de sua vontade . Porém, nem todas as pessoas brancas são, necessariamente, signatárias desse contrato racial."
A conclusão de Sueli Carneiro enfatiza a necessidade de diálogo, negociação, parceria e consenso, decorrente do reconhecimento de que nem todas as pessoas brancas concordam com o contrato do sistema injusto.do racismo e deve se engajarem no processo.de luta antirracista.
O documentário conta ainda com importantes depoimentos de intelectuais, acadêmicos e profissionais, como Alexandre do Nascimento, Álvaro Pereira do Nascimento, Amilcar Araujo Pereira, Ana Flávia Magalhães Pinto, Ângela Alonso, Antônio Carlos Higino da Silva, Elciene Rizzato Azevedo, Fernando Conceição, Giovana Xavier, Hebe Mattos, Humberto Adami, João José Reis, Nielson Rosa Bezerra, Paulo Rangel, , Tom Farias e Wlamyra Albuquerque.
Outro destaque que faço de " A Última Abolição", é a atraente iconografia videográfica que intercalada aos depoimentos sustenta, exemplifica, esclarece e atualiza as argumentações,. recorrendo as idéias dos pensadores abolicionistas de fins do século XIX, como Luiz Gama , André Rebouças e José do Patrocínio.
Por tudo isso , considero o documentário uma importante contribuição para para o fortalecimento da consciência e luta antirrascistas,. A qualidade narrativa e teórica do documentário é inegável pois com rigor histórico , a relação de permanência e mudança. são desenvolvidas a todo instante no filme. Infelizmente ainda , a prática mostra que permanências ,mais que mudanças, dão o tom da questão racial no Brasil . Mas a qualidade do documentário já é um aspecto da mudança.
Joaquim Ferreira
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