quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Amarcord (1973,Federico Fellini)


Indicação ,apresentação do filme e texto : Joaquim Ferreira


Qual é a obra-prima de Federico Fellini ?
É muito possível  apontar " A Estrada da Vida "(1954), "8½ " (1963)   ou  A Doce Vida (1960), como sua obra máxima,Contudo, é difícil. Grandes diretores não se revelam apenas em uma obra,mas, se há um filme que resume  todas as qualidades e excentricidades do cinema felliniano, este filme é " Amarcord" de 1973, Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1974.
Espécie de neologismo para a expressão “eu me lembro”, Amarcord mostra passagens autobiográficas de Fellini. Os pequenos contos que preenchem o filme acompanham nostalgicamente o cotidiano de uma pequena vila italiana durante o governo fascista  de Mussolini, suas  excêntricas personalidades a partir do olhar  do  jovem protagonista Titta ( o ator Bruno Zanin) ,alterego do diretor.
É  um filme que ,aparentemente, é classificado como confuso e sem sentido e com uma linearidade mínima. Contudo para uma orientação do olhar do espectador , consideremos Amarcord como um tipo de pintura abstrata, por natureza subjetiva, que  produz reações  diferentes em cada pessoa. É o surrealismo felliniano. Amarcord é um filme bastante próximo a nós quando mostra as  brigas familiares durante o almoço, a descoberta do sexo, o domínio da política, os desejos carnais, a morte, por exemplo. 
Entre várias  situações absurdas que são colocadas em tela, surgem personagens muito bizarros: uma freira anã, uma comerciante com seios gigantescos, um músico cego, um narrador improvisado que aparece e desaparece o tempo todo, um exército fascista dançante,  a tradicional bonitona da cidade- A Gradisca , uma pavão colorido que caminha e voa pela neve, um padre desinteressado pelos seus fiéis, um tio maluco que sobe em árvores, dentre outros.  Tudo isso caminha em direção a catarse, quando transatlântico Rex majestoso e iluminado passa pelo litoral da  cidadezinha, seduzindo   olhares, arrancando confissões sinceras . Segundo Fellini, “uma situação de total estupidez. O pretexto de se juntarem é sempre um processo nivelador… o único ritual que os une. Já que nenhum personagem tem noção da responsabilidade individual ou possui apenas sonhos mesquinhos, ninguém tem a coragem de não se integrar no ritual, de ficar em casa, longe dele. Nesse momento do filme, Amarcord mostra um dos seus sentidos: a ênfase das individualidades sem mascaras ou dissimulações: o surrealismo felliniano mostra seu nível real!
 Fellini foi bastante atacado pela sua suposta falta de visão social ou perspetiva política. Defendeu-se deste modo : “Boas intenções e sentimentos honestos, e uma crença apaixonada pelos nossos ideais, podem resultar em excelentes políticas ou trabalho social influente… mas não resultam necessária e indiscutivelmente em bons filmes. E não há nada mais feio e soturno – apenas por ser ineficaz e inútil – do que um mau filme político.” Durante o regime fascista Fellini e seu irmão Riccardo fizeram parte de um grupo fascista que era obrigatório para todos os rapazes da Itália: o "Avanguardista".Fellini achava que o fascismo triunfou em Itália devido a “uma espécie de bloqueio na fase adolescente” em pessoas que negam a responsabilidade e se focam em sonhos absurdos, pensamento de grupo e provincianismo.
Quando Fellini zomba da  escola ele,a meu ver, não desacredita da instituição.Ao contrario, ele critica o modelo apresentado na tela, Assim contornos e exposições da Gradisca , da Volpina e da mulher da tabacaria,por exemplo , soam exageradas mas ele faz uma homenagem a mulher, a menina a mãe , sem nunca ofender ou denegrir. 
Uma passagem no filme, um dos personagens de Amarcord , o advogado ,que é basicamente o mesmo de " La Nave Vá", aparece com narrador e  desfia a história e gloria do Império Romano, a união romanos e celtas, enaltecendo uma narrativa  romântica. Quando um ruído de desdém, um " pum com a boca", sugerindo um careta juvenil ,ecoa zombando do advogado. Fellini não nega a cultura greco-romana, a cultura Renascentista.Mas quer interpretá-la no seu tempo, Afinal o recurso a "historia morta", romanesca, idealizada é típica dos regimes  fascistas.Por isso  as tomadas de quadris largos e bustos fartos do clima afrodisíaco não são reflexos do desejo sexual carnal mas sim uma homenagem, uma glorificação da mulher, ao belo ,ao humano.  Por outro lado, referencias a figura materna são fortes como a mãe de Titta que cuida do menino e morre logo depois , significando para Titta sua transição da adolescência para a vida madura 
A cena do resgate do Tio Teo  de cima da arvore pela freira anã é genial .A mulher mostra força e importância mesmo fora de padrões convencionais .Seria ela a freira anã a figura humanizada da Madonna ou a loucura  do Tio  só seria controlada por uma instituição "louca", na medida em que o racionalismo é para a Igreja algo secundário?Afinal " Há dias em que está normal, e outros em que não está. Como todos nós.", afirma um dos personagens de Amarcord.
O ator Zanin comenta que Fellini era “um grande mentiroso e, quando dizia a verdade, não era muito acreditado”. “Não consigo distinguir o que realmente aconteceu daquilo que inventei. Sobrepostas às minhas memórias reais estão memórias pintadas de um mar de plástico, e os personagens da minha adolescência em Rimini estão a par dos atores ou figurantes que os interpretaram nos meus filmes.”  Para Fellini, , era uma forma de tornar a realidade melhor e mais bela. 
Amarcord é filme para se ver na tela grande. Em termos técnicos, o filme é perfeito. A montagem é de Ruggero Mastroianni. A direção de fotografia ficou por conta de Giuseppe Rotunno,indicado ao Oscar da categoria pelo filme" O Show Deve Continuar" (1979), mas perdeu para "Apocalypse Now", de Coppola  
A trilha sonora é de Nino Rota é um dos principais nomes da música no cinema,Além de  "Amarcord" , "O Poderoso Chefão", "O Leopardo", "Oito e Meio e "A Doce Vida;" 




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