domingo, 26 de março de 2017
segunda-feira, 20 de março de 2017
Memória Para Uso Diário(2007;Beth Formaggini)
Apresentação do filme : Cecilia Coimbra
Indicação do filme : Joaquim Ferreira
Texto: Reinaldo Silva
Texto: Reinaldo Silva
A apresentação generosa que a Cecília fez deste documentário, os seus esclarecimentos, as indagações que continuam sem respostas sobre o desaparecimento de militantes políticos que pertenciam aos grupos guerrilheiros de esquerda, numa época histórica dominada pelas ditaduras militares em toda região do continente da América Latina, vai além de uma luta política de caráter ideológico para tomada do poder do Estado.
Vai além porque não se trata
apenas de pessoas que lutam explicitamente contra um regime autoritário. Isso
fica esclarecido nos depoimentos das narrativas. São mulheres em busca de
“corpos infames”, classificação genérica para “marginais”,”terroristas”,
“favelados”, “desocupados”, “traficantes” etc. Eles desapareceram, continuam a
desaparecer e são ameaçados de extermínio. São matérias primas cultivadas pelos
dominantes ocasionais que regulam a violência jurídica, manipulando o sentido
das leis, ampliando a força política de um Estado aparelhado para difusão do
medo, esse sentimento que nos torna refém de grupos interessados na manutenção
do silêncio e do cinismo socialmente devastador, que conforma nossas ações e
pensamento.
É fundamental mencionar que o
filme foi realizado por mulheres em busca de respostas para o desaparecimento de
seus filhos e filhas, de seus parentes e amigos. Há um elo que une essas
mulheres. Todas as mulheres, que isso fique claro. Uma cumplicidade oriunda de
um sentimento ancestral de parir a vida humana quando da ameaça e da perda inexplicável
de um corpo humano gerado. Mulheres que não foram silenciadas, que não aceitam
as explicações dos representantes dos dominantes. Não aceitam o chavão dos
torturadores nazistas: “estava apenas cumprindo ordens”. Também não aceitam dogmas
freqüentemente utilizados pelas mídias, que serviram e servem como indutores da
prática da tortura.
Basta assistirmos os programas de
apelos com dramatização de seus apresentadores nos diversos canais abertos da
televisão ou as manchetes explícitas dos jornais e revistas semanais, onde se
justificam assassinatos de pessoas, onde são entrevistados todos os justiceiros
de uma justiça justa, entronizados como defensores da ordem pública para manter
privilégios. Aquelas mulheres não aceitam a
“banalidade do mal”, porque o “mal” não vem das trevas. Ele é reproduzido
cotidianamente para enfraquecer pela força que manipula o medo. O “mal” não é
um ser abstrato que paira sobre as nossas cabeças. Não há como esquecer. Não querem
esquecer. O silêncio não é aliado da Memória que está exposta neste
documentário. A “sublimação” não é uma saída ou um contorno substituto da dor
dessas mulheres.
Por uma genealogia da violência
na formação social brasileira.
Esse tema é fundamental para
entender a nossa formação da violência em nossa sociedade. E de todos nós. E de
fazermos as mesmas perguntas para nós mesmos e nos lugares onde estamos
envolvidos, nos espaços em que convivemos ou desejamos conviver, nas ocasiões
em que o tema “A Violência” for debatida em seus diversos aspectos:
“o que estamos fazendo de nossas
vidas?”; “em condições sociais queremos
viver?”; “o que nos fortalece ou entristece
na sociedade em que vivemos”; “como mudar o nosso pensamento e as
formas de ações que estão inseridos em nossa formação social?”.
Faço uma ponte interpretativa
entre esses dois elementos sobre a gênese, a continuidade e sofisticação da
violência em nossa formação social desde o período colonial. Os pressupostos da
violência como um corpo presente nas interpretações dos principais estudiosos
do tema, dos documentos, vídeos etc.
Mas o que é uma genealogia?
Ela parte de uma constatação. Não
há nada em nossa cultura que não tenha uma história, um desenvolvimento, laços
contínuos e descontínuos. E que permanecem em nossas ações sobre formas de
resíduos conscientes ou inconscientes. Não nascemos prontos. Somos afetados e
afetamos o mundo com nossas ações. Uma espécie de molécula com suas enzimas em
constantes mudanças. O que pensamos e nossos sentimentos não são frutos de meros
acasos. Não existe um tal de livre-arbítrio. Agimos em função dos ensinamentos
transmitidos na cadeia de relacionamento que fazemos desde a nossa infância,
seja no ambiente familiar e nas relações sociais que mantemos ou iremos manter ao
longo de nossa vida.
Não é aqui o local propício para
o desenvolvimento de uma genealogia da violência na formação social brasileira.
Para isso seria necessário dispor de documentos, desde a nossa colonização a
origem histórica desta violência, sua transmissão secular, os dispositivos que
a tornam possível ainda hoje, como por exemplo, as mídias de todos os gêneros
pela importância que exercem na contemporaneidade. A utilização de métodos
arqueológicos, que servissem como uma espécie de pá para retirar os traços da violência,
que dia a dia nos é apresentada de maneira naturalizada e banalizada sobre as
imagens exemplares da justiça dos agentes defensores de nossa segurança.
Talvez nossos preconceitos e
nossos medos fossem compreendidos de uma forma diferente do temor que sentimos
ao nos aproximar de pessoas que consideramos estranhas.
Por isso acredito que as mulheres
que vem a público por intermédio deste documentário exigir que os “corpos
infames” sejam localizados, fazem uma arqueologia em busca de uma genealogia da
violência na formação social brasileira.
Reinaldo
domingo, 12 de março de 2017
Frida ( 2002;Julie Taymor)
Indicação e apresentação do filme: Viviane Heringer e Romina Carvalho
Texto: Viviane Heringer
Este filme retrata a vida desta mulher que
foi um ícone do seu tempo. Frida quando jovem sofreu um acidente que lhe trouxe
uma vida cheia de barreiras e dificuldades, fato este que não impediu que fosse
um ser humano brilhante em diversos aspectos. Apresenta-se nesta obra uma
artista incrível, que usa suas emoções cotidianas e sentimentos mais
pertinentes como fontes de inspirações para sua arte. Além de sua vida
conturbada pela doença vemos uma história de amor vivida por Frida, um amor que
se mostra além dos costumes do seu tempo, cheio de encontros e desencontros.
Enfim, poderemos ver uma vida de uma mulher, artista, comunista, revolucionária,
transgressora do seu tempo. Mostrando um cotidiano cheio de lutas, desafios e amores.
A Cidade das Mulheres (1980, Federico Fellini)
Indicação e apresentação do filme: Reinaldo Silva e Joaquim Ferreira
Texto: Filippi Fernandes
A câmera se posiciona em direção ao túnel, de formato oval. Vê-se a grama na
lateral e as paredes de tijolos encardidos pela fumaça. O túnel parece um dos
mais ordinários. Tanto que se não fosse pelo movimento rítmico do comboio, não
entraria. Se trata de um trem, ao que tudo indica. A fumaça, o apito, a tração.
Por incrível que pareça há a presença do verde nas laterais, típica das
paisagens esquecidas (vide "Stalker", por exemplo).
sábado, 4 de março de 2017
Violeta Foi Para o Céu ( 2012,Andrés Wood)
Textos: Eliana de Andrade e Reinaldo Silva
O filme Violeta foi pro céu é um drama sobre a vida da mulher Violeta Parra, produzido em 2011, pelo diretor Andrés Wood, e filmado em diversas cidades por onde ela passou e morou, entre elas, Varsóvia e Paris.
Ao
longo da narrativa do filme o diretor faz idas e vindas, intercalando as etapas
da vida da Violeta, mostrando a sua personalidade vigorosa, sensível e frágil,
por vezes, intratável e contundente, boêmia e terna.
Andrés
nos presenteou com um trabalho delicado e forte, baseado no livro escrito pelo
filho da Violeta, Ángel Parra. Oferece a oportunidade de refletir sobre a vida,
a obra, a memória, os amores e as esperanças dessa mulher inteligente e
criativa, que fez parte da vida de muitos de nós.
Violeta
nasceu em 04 de outubro de 1917, sendo filha de uma família numerosa e pobre do
Chile e acompanhava o pai, alcóolatra eprofessor de música, pelos bares por
onde tocava.
Aos
três anos, foi contaminada com a varíola, que lhe deixou marcas pelo rosto e na
vaidade de mulher. Com as dificuldades decorrentes da pobreza e de se
interessar pelos estudos formais, autoditada, tornou-se cantora e tocadora de
violão, compositora, artista plástica, ceramista, considerada a mais importante
folclorista e fundadora da música popular chilena.
Do
seu primeiro casamento, com um ferroviário, teve dois filhos. Época em que foi
apresentada ao Partido Comunista.
No
segundo casamento, teve duas filhas, uma delas faleceu com menos de um ano de
idade, quando ela estava morando em Paris.
Em
1960, conhece o jovem Gilbert Fávre, suíço, musicólogo e antropólogo, seu
companheiro nos anos seguintes.
E
em 1964, quando, aqui no Brasil, estávamos vivendo o Golpe Militar, de 18 de
abril a 11 maio acontecia a sua exposição no Museu do Louvre, sendo a primeira
artista latina americana a ter uma exposição individual naquela instituição.
Violeta
tinha um sonho de criar a Universidade do Folclore e, em 1965, instalou a
grande tenda em La Reina, local onde suicidou-se em 05 de fevereiro de 1967.
Seu
último, e considerado o melhor disco, foi gravado um ano antes de sua morte.
Entre tantas e contundentes letras, dois hinos percorrem nossas veias abertas da
América Latina: Gracias a la vida, interpretação belíssima de Elis Regina, e
Volver a los 17, num primoroso e inesquecível duo entre Mercedes Sosa e Milton
Nascimento.
Eliana
de Andrade
NF,
11 de março de 2017..............................................................................................................
A
personagem Violeta Parra
Em destaque:
O filme foi apresentado pela Eliana. Excelente. Pura emoção.
Homenageou o filho de Violeta Parra (personagem adolescente no filme), falecido
no dia em que o filme estava sendo apresentado. Coincidência? Talvez uma “conspiração”
que estimulou a forma como preparou e apresentou o filme. Foi premiada com o
bonequinho em pé batendo palma. Valeu Eliana!!!.
O que aqui me interessa é comentar a personagem independente
da veracidade do que filmado, porque todo filme parte de uma concepção do diretor.
Todas as narrativas não são o espelho da realidade. A idealização é um
componente da natureza humana. Quando narramos um fato da nossa vida isso
também ocorre. A linguagem quer seja verbal, gestual, visual ou composta de
signos não dá conta do real, porque o acesso ao real é impossível na sua
aparição. Por isso buscamos uma representação. Uma produção cinematográfica é a
construção de uma representação imaginária. Nossa perspectiva sobre um filme
depende das escolhas pessoais, ou seja, da subjetividade de quem o assisti,
sentimentos transferimos para ele (o filme) e das buscas de informações que
obtemos sobre a sua elaboração.
É muito comum ouvirmos que um “filme está baseado em fatos
reais”, quando deveria ser dito que um filme está baseado em fatos imaginados
como reais.
Violeta Parra e a Angústia
São raros os filmes que retratam a Angústia sem apresentar
fatos psicológicos de cunho dramático e moralizadores, que fazem uso da fórmula
“agora mantenha o lenço a mão, você vai chorar”.
Em nenhum momento observei que o diretor do filme apelou
para essa fórmula. E é por isso que nos emocionamos. Não há sentimentos
transferidos, somente a emoção de um vazio impenetrável da Angústia que a
personagem de Violeta representa. A atriz é magnífica em sua atuação.
Toda angústia é assim. Um enigma que suga. Perde-se o solo,
o olhar se torna vago e espesso. Quando deixamos de desejar morremos. A
Angústia provoca uma espécie de vida sem desejo. Espaço e tempo estão ali, mas
não os sentimos. Habitamos um corpo desconhecido. O sofrimento é um sentimento
diferente da Angústia. Sofremos e sabemos o motivo ou os motivos reais ou
imaginários.
Angústia é o sentimento do vazio, um hóspede estranho sem um
traço que possa identificá-lo, corpo impalpável, ocupando um corpo que fica
aguardando o momento de voltar a desejar.
O diretor montou a trama do filme relacionando a vida de
Violeta com a sua arte. Uma arte proveniente da Angústia. E ele soube servir-se
dos recursos técnicos que a arte cinematográfica possui para nos presentear com
um belo filme.
Movimento de câmara, fotografia e iluminação.
O rosto de Violeta aparece inúmeras vezes em primeiro plano,
e um olho aberto e inerte em um close-up (o olho aberto ocupa toda tela). Isto
é bastante significativo, porque esses planos captam com a maior intensidade os
movimentos das sensações transmitidas pelas expressões fisionômicas e pelo
brilho ou opacidade dos olhos.
Por exemplo: no momento da sedução entre o jovem estrangeiro
e Violeta.
A câmara mostra o rosto de Violeta de cima para baixo,
assumindo a posição do olhar do jovem e de baixo para cima assumindo a posição
do olhar de Violeta. Toda tensão impregna a cena. Esse encontro é um desafio,
que, numa cena seguinte resulta numa relação sexual visceral entre os dois.
Tudo em Violeta é visceral e combativo sem que haja inimigo
perceptível.
A fotografia capta pedaços do corpo. Pés, mãos, ventre. Mas
o seu rosto, quando criança ou adulto com olhar fixo e penetrante retorna a
tela no plano close-up para mostrar as marcas provenientes da varíola ou para
mostrar suas reações. Ela observa pelas frestas das paredes da madeira o que a
vida está lhe retirando, silenciosamente.
A iluminação das cenas é tão “natural” que confunde. Será
que as imagens foram feitas sem o uso da iluminação artificial? Impossível.
Então, observo o talento do profissional que soube utilizar os recursos técnicos
para “corrigir” a iluminação local sem cometer nenhum exagero no brilho das
cores. Perfeito.
Violeta e a política partidária
Não houve intencionalidade do diretor vincular a arte ou a
vida de Violeta a qualquer ideologia política. O propósito político de Violeta é
decorrente de sua arte e não de um projeto de transformação social. As suas
músicas falam do sofrimento humano sem demarcar terrenos opostos em luta. Suas
músicas descrevem sentimentos de indiferença social dos indivíduos na tradição
do cristianismo. Ela foi criada neste ambiente. Suas músicas não são somente
fruto desta indiferença, que, confundida com uma suposta posição política, pode
servir de instrumento ideológico a um partido político. O diretor não criou a
imagem de uma Violeta libertária. Na cena em que o entrevistador tenta
classificá-la de comunista, tentando associar suas músicas a arte de Pablo
Neruda (militante comunista) sua ironia transforma o entrevistador em alvo de
humor.
Somente em uma outra cena apreendemos o posicionamento
político de Violeta. Quando é convidada a fazer uma apresentação no teatro para
um pequeno grupo da burguesia local com suas indumentárias e gestos característicos,
considerados modelos de sofisticação e prestígio. Ela aguarda no corredor é
acolhida por um garçom despreparado para função, mas portador de
características com as quais Violeta logo se identifica, porque demonstra
pertencer ao seu meio social. Ela veste roupas simples, cabelos desalinhados,
sem maquiagem ou qualquer tipo de preparação especial para esse encontro. É
como ela se apresentar em qualquer lugar. Violeta não aceita ser humilhada, sua
arte não é lazer passageiro, ela não foi ali servir de empregada para o
entretenimento deste grupo. O caráter insubmisso de Violeta vem à tona. Ela não
está numa relação de subordinação com aquele grupo, que considera naturalizada
as formas mais comuns de humilhação.
Foi desta forma que o diretor construiu a imagem de Violeta
Parra. Insubmissa aos que, ocasionalmente, estão no poder, insubmissa aos
sentimentos amorosos, com os quais tem dificuldades (como todos nós) de se relacionar
com os seus afetos, insubmissa às impossibilidades econômicas que inviabiliza a
construção de espaço popular, onde sua arte musical, talvez lhe trouxesse um
pouco de alegria.
Abraços
Reinaldo
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