segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964;Glauber Rocha )



Indicação  do filme: Maria Salles
Apresentação do filme  : Joaquim Ferreira

O CINEMA NOVO 
 O Cinema Novo correspondeu a emergência de um cinema nacional. Com a decadência dos grandes estúdios cinematográficos paulistas  em 1952 e os desejos de ver um cinema efetivado com maior realismo, mais substância e mais barato, surgiu o movimento brasileiro, intitulado Cinema Novo, inspirado pelo Neo-realismo italiano  e pela ‘Nouvelle Vague’ francesa.
Nova etapa na história do cinema brasileiro, a partir do filme Rio, 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos.Lançado em 1955. ela revelava uma obra de caráter popular para a própria população. Não havia lugar, na simplicidade desta película, para o artificialismo da fala empolada. A narrativa se desenrola em ambientes naturais, como o Maracanã, o Corcovado, as favelas, praças urbanas, retratando, soldados, favelados, crianças no mundo do crime e deputados.
O que se desejava agora era o cinema criado com “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”. O destaque, no Cinema Novo, é para a esfera dos conceitos, é o auge do chamado “cinema cabeça ou autoral”. Na estética deste Cinema predominavam os deslocamentos lentos e escassos da câmera, os ambientes desprovidos de luxo, o destaque conferido aos diálogos,
Na primeira etapa do Cinema Novo  (1960 a 1964) , os cineastas se voltaram para o Nordeste como fonte temática, abordando os graves problemas que afetaram o sertão. São lançadas ‘Vidas Secas’, de Nelson Pereira dos Santos, e ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, de Glauber Rocha.Os diretores mais conhecidos neste momento são Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Paulo Cesar Saraceni, Leon Hirszman, David Neves, Ruy Guerra e Luiz Carlos Barreto.
A segunda fase( 1964 a 1968), reflete a meditação destes cineastas sobre os caminhos ditados pela Ditadura Militar para a política e a economia brasileira. Surgem O Desafio (1965), de Paulo Cezar Saraceni, O Bravo Guerreiro (1968), de Gustavo Dahl, Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha.
A terceira fase do Cienam Novo (1968 a 1972,) revela o desgaste sofrido por este movimento, com a repressão e censura. As produções deste período são profundamente inspiradas pelo Tropicalismo. Recorria-se agora ao famoso exotismo nacional, com o uso de indígenas, araras, bananas, enfim, tudo que é típico das terras brasileiras. Mesmo em declínio, o Cinema Novo traz clássicos como Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, , baseado na obra-prima de Mário de Andrade.
 DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL(1964)
 Um dos filmes mais representativos desse período é “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, ao lado de Vidas Secas, lançado em 1963 e e Os Fuzis (de Ruy Guerra, 1964) compõem a trilogia sertaneja que constitui a essência e a excelência do Cinema Novo brasileiro. “Deus e o Diabo na Terra do Sol” teve grande repercussão no Festival de Cannes em 1964.
Ambientado no sertão nordestino e tendo como referência a literatura de cordel , o filme retrata a trajetória de fuga dos personagens Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa(Yoná Magalhães), testemunhas de uma realidade marcada pela seca, miséria, opressão, fanatismo religioso e violência . A história de Manuel e Rosa é contada à semelhança de uma epopéia, onde o misticismo e a violência aparecem em doses intensificadas pelas figuras do beato Sebastião e do cangaceiro Corisco.
" No Nordeste, os cegos, nos circos, nas feiras, nos teatros populares, começam uma história cantando: eu vou lhes contar uma história que é de verdade e de imaginação, ou então que é imaginação verdadeira. Toda minha formação foi feita nesse clima. A idéia do filme me veio espontaneamente (Extraído do site Tempo Glauber)."
Manuel é um personagem-síntese do povo como massa de manobra: livre do patrão explorador (Mílton Roda), encontra-se sem saída até se juntar, com a mulher aos fanáticos liderados pelo profeta negro São Sebastião (Lídio Silva) e, depois, ao cangaceiro Corisco (Othon Bastos). Ao mesmo tempo em que escancara facetas diferentes da exploração a partir da miséria, Glauber constrói grandes personagens, como o matador Antônio das Mortes (Maurício do Valle), contratado pela Igreja e pelos latifundiários para eliminar as ameaças ao status quo que constituem tanto o líder messiânico quanto o justiceiro do cangaço.
A temática abordada por Glauber Rocha em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” é eminentemente social e política. Ancorado no ideal cinemanovista de transpor a realidade brasileira para as telas, Glauber realiza uma composição cinematográfica, na qual o homem sertanejo é protagonista de uma complexa narrativa de encontros e rupturas. Assim, o   filme representa a libertação da linguagem cinematográfica de seus entraves coloniais e a ruptura com os modelos ditados pela indústria cinematográfica hollywoodiana,Desse modo, o cinema brasileiro experimenta uma renovação sem precedentes, possibilitando a emergência de um cinema essencialmente nacional.
Outro aspecto digno de nota é a complexidade da trilha sonora, que transita entre a música popular dos cantadores nordestinos e a obra erudita de Villa-Lobos. Uma mistura de sons, refletindo sobre as dualidades e conflitos que permeiam toda a obra.
Deus e o Diabo é rico, em parte, pela forma barroca e pela valorização das alucinações sebastianistas ("O sertão vai virar mar/ e o mar virar sertão"), que ressaltam a força e a atemporalidade do discurso religioso. A inspiração na literatura de cordel foi o caminho para explorar o lado místico daquelas relações sociais. Acabou sendo fundamental para dar transcendência ao filme e dotá-lo de uma eterna e inabalável atualidade.
(Adaptado de \http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2014/07/ha-50-anos-deus-e-o-diabo-na-terra-do-sol-mudava-a-historia-do-cinema-brasileiro-4549960.html)


Um comentário:

  1. Uma questão que coloquei para a conversa após a sessão: o cego Julio, personagem do filme, não seria o alter-ego de Glauber Rocha? Afinal, por mais que lentes "vejam" e sejam por natureza transparentes, o cego vê e constrói uma realidade pelo imaginário que é a própria representação do que o cineasta faz. Além disso a sensibilidade dos outro sentidos desenvolvidas pelos cegos, potencializariam outros aspectos que compõem a formação e a narrativa de um filme. O que não vê, acaba vendo com mais amplitude : é um certo olhar estrangeiro.

    ResponderExcluir