domingo, 4 de dezembro de 2016

Comandante ( 2003;Oliver Stone )


Apresentação do filme : Miguel Armando Perez
Texto: Reinaldo Silva


Comandante  ou um mito moderno chamado Fidel

Este comentário não aborda Fidel Castro num confronto ideológico entre o certo e o errado nem sobre os aspectos da revolução cubana e seu desdobramento. Não tem a carga moral do bem e do mal.
Vivemos num mundo em que a busca do convencimento é uma arma permanente de persuasão, manipulação e sedução. É um mundo com pântanos que o senso comum, os discursos das mídias impressas (jornais, livros e revistas), eletrônica (televisão), e no presente as mídias sociais, criam para nos fazer acreditar em “verdades”, “realidades”, “neutralidades” e “objetividades” dos fatos.
Todos esses espaços servem à luta política, principalmente quando retratam indivíduos de uma forma personalista. O que desejam é gerenciar a nossa atenção. Proliferam as ilusões de crenças e obscurecem o esclarecimento. Acreditam que somos todos tolos, consumidores de novidades. Portanto, minha intenção não servirá a esses propósitos.
 Minha pretensão é apontar algumas projeções que o mito irradia. Exemplos: uma  “liderança carismática”; o “grau de religiosidade de sua personalidade”; e “as realizações que são lhes atribuídas como dádivas de um ser atemporal”.
Não só Fidel, mas Che Guevara e a revolução são os três pilares de sustentação da estrutura do mito. É impossível mencionar apenas um elemento dessa estrutura sem tocar nas outras duas. Che é o mito da revolução permanente, de um bem estendido as sociedades da América Latina.
São os três pilares acima mencionados que o filme de Oliver Stone esmiúça, com suas lentes focadas em diversos ângulos, que faz a câmara tremer em diversas ocasiões, diálogos provocativos, entrecortados pelas mãos, rosto e corpo inteiro de Fidel. Oliver Stone expõe o mito em seu estágio de idade avançada.
Fidel é um líder carismático das massas porque a sedução é uma fusão afetiva puramente emocional, o êxtase e o encanto que sua enérgica postura de pai provedor provoca, acompanhada de um discurso de atos de bravura, canaliza e promovendo uma vontade de superação coletiva das dificuldades materiais.
Um inimigo comum, espécie de grande mal, fortalece a união da massa em torno do líder Fidel. O grau de religiosidade faz parte da dimensão altruísta emanado pela sua figura. Ele inclusive relata o sacrifício dedicado à revolução. Nas cenas externas, principalmente com estudantes, ocorre um frenesi, a tensão dos braços erguidos para tocá-lo, como somente os santos irradiam. Um beijo de Fidel é motivo de lágrimas.
Seu surgimento e de Che Guevara como mitos modernos está localizado num período histórico em que as utopias marxistas vigoravam como lema central na luta política contra a miséria econômica e conseqüente opressão de classe nas sociedades capitalistas.
Não há como entender o mito Fidel revolucionário se não localizar a sua figura num ambiente mundial da “guerra fria”, dividido pelo capitalismo americano e o socialismo soviético. E ainda, pela resistência a partir do início do bloqueio econômico imposto pelos americanos na década de 60. A própria resistência ao bloqueio foi a chama que manteve acesa a figura de Fidel como mito.
Outro elemento importante para manutenção da chama do mito Fidel teve a participação de depoimentos artistas de diversas áreas, filmes, publicações de livros, festivais, além das  “realizações” de Cuba, principalmente nas áreas de saúde e educação.
Mas o que restará no futuro do mito Fidel?
O avanço do capitalismo na sua forma globalizada não suporta os bens duráveis, tanto materiais quanto como idéias. O capitalismo se propõe a si mesmo como um modelo indestrutível. E nisso que os seus defensores acreditam. Até que ele próprio se destrua, aniquilando todos os meios de extração da natureza.
Não acredito que os mitos modernos e arcaicos estejam ausentes da efemeridade em nosso dia a dia.
Como todo mito, Fidel (como aconteceu com Che Guevara) se transformará em objeto de consumo de camisetas, pôster, flâmulas, tatuagens etc. O duplo avanço das tecnologias, e de um acelerado consumo material, causam efeitos na instabilidade emocional e nas escolhas de longa durabilidade dos indivíduos.
Acredito que um dos temas mais fascinantes atualmente é o que a aceleração produz em nosso cotidiano. A rapidez que nos provoca a fornecer respostas quase que instantaneamente.
Para terminar uma imagem:
Caminha-se sobre uma fina camada de gelo. A ordem é não parar, porque senão afunda.
O mito é a embriaguez de um tempo sem retorno as suas origens.

Reinaldo Silva



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