terça-feira, 17 de maio de 2022

O Anjo Embriagado( Akira Kurosawa;1948)


 Indicação,apresentação do filme e texto : Fábio Martins


O Anjo Embriagado (Yoidore tenshi) – Japão, 1948
Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Keinosuke Uekusa, Akira Kurosawa
Elenco: Takashi Shimura e Toshirô Mifune.
Duração: 98 min.

O filme é frequentemente considerado a primeira grande obra de Kurosawa como diretor. Trata-se de uma história realista, com alguma influencia do realismo italiano, no qual um médico, alcóolatra,  atende um gangster ferido e identifica nele sinais de tuberculose. Esta foi a primeira parceria de Kurosawa com o ator Toshiro Mifune (que irá interpretar papéis importantes em 16 filmes do diretor). Apesar de Mifune não ter sido escalado como protagonista, sua performance explosiva como o ganster dominou tanto o filme que acabou desviando o foco do personagem principal, o médico alcoólatra. Se em Um Domingo Maravilhoso (1947), Kurosawa abordou de maneira crítica e lírica a vida da população pobre no Japão pós-guerra, em O Anjo Embriagado ele voltou suas lentes para os miseráveis e para as gangues. 
O protagonista de Anjo Embriagado é interpretado de forma marcante por Takashi Shimura, que dá vida a um médico de modos pouco sutis, mas que expressa seu lado doce com uma jovem adolescente que ele cura. O médico mostra-se preocupado com a saúde dos que o procuram, agindo, às vezes, como um verdadeiro pai turrão. Já o mafioso interpretado por Mifune, embora acometido com tuberculose, não consegue interromper seus vícios, o que agrava cada vez mais o seu estado de saúde. Entre vícios e miséria, o filme apresenta o cotidiano de uma comunidade na periferia de Tóquio, entre a sujeira e o mau cheiro, no qual Kurosawa usa da própria constituição do cenário para delinear a composição psicológica de suas personagens, que não sofrem apenas dos males do corpo, mas também do espírito.
A fotografia de Takeo Ito explora bastante o contraste entre o dia e a noite, o preto e o branco, lembrando, até por sua constituição criminosa, os filmes noir. Com o retorno do chefão da gangue reassumindo o seu lugar, o personagem de Mifune vai definhando, os seus comparsas da Yakuza arquitetam um modo de deixá-lo fora dos negócios o mais rápido possível. A indicação de uso do homem como uma peça, que quando quebrada ou defeituosa é jogada fora, é apresentada de maneira cruel. Kurosawa não faz apenas a condenação moral do crime, mas convida os espectadores a refletirem sobre o contexto social em torno da criminalidade.
O Anjo Embriagado foi um grande sucesso de público à época de seu lançamento, 1948, sendo aclamado também pela crítica, e escolhido pelo grupo de críticos Kinema Junpo como o melhor filme do ano, o primeiro de três filmes de Kurosawa a receber essa honraria. Foi ainda vencedor dos prêmios de Melhor Fotografia, Filme e Trilha Sonora no Mainichi Film Concours. Em que pese ter sido obrigado a reescrever o roteiro por causa da censura dos tempos da ocupação americana,  trata-se de obra geralmente caracterizada como o início da independência e domínio pleno de Kurosawa sobre a direção geral de seus filmes, o que irá se consolidar em Cão Danado (1949), e despontaria nas obras-primas da década seguinte.


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