quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Últimas Conversas( Eduardo Coutinho;2015)

 






Apresentação do filme e texto por Asaph Beraldine (UJC;Coletivo Nós por Nós) 

ÚLTIMAS CONVERSAS

Dirigido por Eduardo Coutinho, esse filme traz um problema que se fazia presente em toda a sua obra: o embate com o real, como vencer a barreira que impede uma imagem, de uma fala, de encontrar a verdade. Eduardo Coutinho foi um dos mais renomados documentaristas brasileiros e, nesse último filme, entrevistou estudantes do último ano de escolas públicas do Rio de Janeiro, tentando descobrir o que se passa na cabeça dessas pessoas, prestes a entrar na vida adulta. No entanto, após a morte do diretor, o próprio acabou virando personagem também, deixando mais claro do que nunca o processo de realização. E logo no início, é o próprio documentarista, sentado na cadeira destinada a seus entrevistados, conversando com sua equipe sobre o que o incomodava no material que estavam captando. O trecho em que ele se queixa do resultado das entrevistas e reclama de que os adolescentes já vêm programados e não são verdadeiros em suas respostas só entrou na montagem final devido à morte inesperada do realizador, antes que o filme estivesse pronto.
No entanto, poucas vezes se pode ver um filme tratar de tantos temas diferentes com naturalidade. Últimasconversas, fala de racismo, cotas, homossexualidade, prostituição,pais ausentes, abuso sexual, bullying e religião, sem soar como se fosse planejada aquelas falas e com isso fica muito real tudo que expressado. Esses temas estão ali porque são parte da vida, porque surgem nas conversas conduzidas por Coutinho. Não há uma tentativa de dissertar sobre eles e chegar a conclusões, apenas de perceber como eles permeiam a vida dos estudantes entrevistados.
Se tem uma coisa que esse filme destrói é o mito de que adolescentes são todos iguais. Mesmo que tenhamos acesso apenas às entrevistas de cerca de dez estudantes, podemos perceber ali pessoas completamente diferentes, com pensamentos por vezes até opostos. Uma menina bate no peito para falar que vai usar sim as cotas para entrar na faculdade, porque lá só tem branco e é o direito dela. Uma outra, logo em seguida, diz que é contra as medidas afirmativas e que não fará uso delas. Não cabe ao filme julgar quem está certa, e sim mostrar que esses dois pensamentos podem existir ali, no mesmo lugar. 
Um dos grandes méritos do filme, aliás, são os jovens que foram escolhidos para estar em frente às câmeras. São estudantes de escola pública, em sua maioria meninas, em sua maioria negras. Quantas vezes essas pessoas têm a oportunidade de contar suas histórias, sonhos e aflições nas telas do cinema? É claro que há a mediação do diretor – muito afastado desse universo – e de sua equipe, mas, mesmo assim, é um feito raro no cinema.
Se por um lado, a experiência de Eduardo Coutinho atrás das câmeras traz uma grande habilidade de extrair falas interessantes dos entrevistados, por outro, a grande diferença entre ele e os adolescentes (de idade, geração, classe social, vivência) nos deixa com vontade de – sem descartar o filme que já foi feito – assistir a um novo.



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