Indicação, apresentação do filme e texto :Reinaldo Silva
Rosetta: Angústia e “Realismo” Social
“Se Roseta fosse um filme mudo, mesmo
assim eu entenderia todo o seu conteúdo”
A angústia
ao contrário do sentimento do medo não possui um objeto determinado,
identificável a olho nu. O que alimenta a angústia é um estado que fixa e
aprofunda um sentimento que não pode ser expresso, seja pela fala, por gestos
ou por outra forma de simbolismo.
O fundamento
que une angústia e “realismo” social é o movimento da câmara, impossível de ser
dissociado. A habilidade dos diretores, qualidade estética pouco presente em
outros diretores, envolvidos no segmento da indústria cinematográfica comprometida
com efeitos visuais, que pouco ou nada acrescentam à qualidade dos filmes,
orçamentos elevados e retorno financeiro garantido. Enfatizo: não entenderemos nada
do envolvimento emocional que o filme provoca sem levar em conta os movimentos
da câmara com as nossas emoções.
Roseta não
deixa a câmara descansar (ou é o inverso?) registrando suas expressões faciais
pouco variáveis, o rosto ocupando, majoritariamente, o primeiro plano na tela,
uma experiência física e ao mesmo sensível, associada as imagens longas e não
fragmentadas como estamos habituados a ver em filmes. O desempenho da atriz que
interpreta Rosetta é de tirar o fôlego.
Física é a
angústia e o desespero de Rosetta. Ela não dança e não sorri durante todo filme
(apenas um esboço em um determinado momento), as emoções estão reprimidas. Quem
assistir ao filme saberá em que local do corpo a angústia de Roseta se
localiza. O sintoma desse estado é visível em seu comportamento. Não é algo que
ela vive na mente, porque angústia e desespero ou qualquer outro sentimento são
também corpóreos. E quem capta o desempenho da atriz em relação a esses
sentimentos são os movimentos da câmara.
Quando
associo a angústia de Roseta as condições sociais em que ela vive (o que estou
chamando de “realismo” social) não estou reduzindo esse sentimento ao mero
efeito das condições econômicas e políticsa nas quais ela busca o reconhecimento
e a possibilidade de uma existência material digna. Mas sem conhecermos (e não
iremos conhecer) a trajetória de vida de Rosetta, seremos convencidos que a sua
angústia é derivada de “problemas psicológicos”, do chavão “antissocial”, que
até hoje domina os discursos dos portadores de uma ideologia que desvincula
indivíduo de sociedade. Particularmente, estou cansado de ouvir essa bobagem.
A angústia
(derivada do latim angere, apertar, estrangular), que ao contrário do
sentimento do medo não possui um objeto determinado, não pode ser identificado.
O que alimenta a angústia é um estado de constante ameaça da liberdade de ação,
uma vertigem e movimento que pode paralisar ou intensificar com sinais de
violência e consequente desespero, o domínio do vazio na existência.
Finalmente,
minha última consideração sobre esse extraordinário filme. Considero essencial
vincular a existência de Rosetta ao “realismo” social, isto é, ao conjunto de
precariedades sociais, econômicas e políticas nas quais ela vive. Essa é a
mensagem que, acredito, de fundamental importância e próxima de um “realismo
social” bem semelhante ao nosso, vivendo a milhares de km de Rosetta.
Reinaldo Silva
Vídeo: O Realismo Social do Cinema dos Irmãos Dardenne
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