Indicação , apresentação do filme e texto : Reinaldo Silva
O Anjo Exterminador
Buñuel nos provoca a pensar
Diretor: Luis
Buñuel Portelés (22/02/1900- 29/07/1983)
Título
Original: Os Náufragos da Rua da Providência
Lançado no
México: 1962
Renomeado
como O Anjo Exterminador por Buñuel em homenagem a peça inacabada de seu amigo
José Bergamin
Total de
filmes que dirigiu: 33 (trinta e três), sendo 2 (dois) com Salvador da Dali
Explicações preliminares
Cabe de
início uma explicação sobre o título do filme. O Anjo Exterminador é uma figura
da religião judaica, que aparece no Velho Testamento, nos livros Gênese, Êxodo,
Segundo livro dos Reis e Segundo livro de Samuel. Quando Deus queria castigar
enviava o Anjo Exterminador a terra com uma missão. No filme a imagem do Anjo
Exterminador aparece na porta do quarto onde um casal se esconde. Alguns
trechos bíblicos mencionam que a presença ou a passagem do Anjo Exterminador,
indicava que o local por onde passava deveria ficar isolado. Nenhuma pessoa
poderá sair ou entrar no local. Outra referência de cunho religioso são os pés
de galinha que uma personagem feminina em uma cena retira da bolsa. Na tradição
das religiões Camdoblé e Umbanda os pés
de galinha são utilizados como objeto simbólico para proteção (diz-se “fechar o
corpo”). Geralmente, eram pendurados na parede do local em que se pretendia
proteger de espíritos malignos.
Comentários
Prefiro duas
possíveis interpretações, dentre outras prováveis perspectivas.
A primeira interpretação
pode ser baseada nas fortes referências religiosas tanto do título original
quanto o renomeado por Buñuel, e de elementos “misteriosos” que aparecem em
algumas cenas. Por este ângulo é possível associar a presença de que os sintomas
psicológicos ou psiquiátricos causados nos personagens (delírios,
passionalidade, histerismo, fobias, paranóias, esquizofrenia) podem ser
atribuídos a presença de espíritos em conseqüência do Anjo Exterminador.
A segunda interpretação
é de caráter histórico e político. O filme seria a visão de Buñuel sobre o
período fascista do governo do general Francisco Franco, iniciado com a guerra
civil espanhola entre 1936 a 1939, até o fim da ditadura em 1975, com a morte
de Franco. Para sustentar essa tese, menciono a ambigüidade simbólica dos
cordeiros, animais associados aos rituais de sacrifício de cunho religioso e como
metáfora política de obediência e servidão. A cena que antecede o final do
filme é decisiva para esta interpretação: a presença do aparelho repressivo do
Estado no uso da força bélica. Ou seja, para quem privilegia esta interpretação
os personagens não estão sendo alvos de uma dominação invisível, o anjo
simboliza a opressão do Estado. Particularmente, estou mais próximo desta tese.
Penso que Buñuel utilizou recursos simbólicos extraídos de crenças religiosas
para caracterizar uma conjuntura política de um período histórico da Espanha.
Ao contrário
dos filmes de Costas Gravas (outro grande diretor), Buñuel não apresentava em
seus filmes uma associação de idéias que iam se encadeando no decorrer das
cenas até a conclusão de uma mensagem final. Ele coloca em cena elementos que despertam
a curiosidade, e introduz a dúvida para que nós possamos perguntar: o que isso
tem haver?o que significa? Como isso se encaixa na cena? É por isso que ao
final de seus filmes da fase surrealista, surgem interpretações divergentes.
Buñuel nos provoca a
pensar!!
O
Surrealismo coloca em questão a perspectiva de uma consciência que imagina
construir um entendimento final após o encadeamento de idéias que se associam. É
difícil olhar uma tela de um pintor surrealista e não se indagar sobre os
múltiplos sentidos que ela desperta. Parece-me que foi isso que Buñuel fez
neste filme: mesclou elementos que podem ser utilizados como simbolismo para
que possamos elaborar múltiplas perspectivas de interpretação.
Finalmente,
quero concluir este texto suscitando o que no filme considero de suma
importância como conclusão da escolha da interpretação que escolhi. O “livre arbítrio” e o medo são temas presentes
do início ao fim do filme, quer de maneira explícita ou implícita. Vou fazer
apenas uma breve explanação e “deixar no ar” algumas interrogações.
Aparentemente
todos os personagens do filme possuem a capacidade de escolher o que desejam,
uma vez que pertence a uma classe social detentora de capital econômico. Esse
privilégio os torna possuidores de privilégios de bens culturais compartilhado
por hábitos e identificações semelhantes no que diz respeito aos
comportamentos, gestos, escolha do vestuário, organização e objetos domésticos
ostentados como símbolos de sucesso, demonstração de poder com subalternos. Todos
esses “predicados” estão unificados por uma visão de mundo.
Por que, então,
os personagens não exercem o “livre arbítrio”? O que os coloca em “condição
sub-humana”, a ponto de todos guerrearem contra todos? Onde nascem os desejos?
Decidimos sobre o que desejamos?
Reinaldo
Silva
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