terça-feira, 30 de janeiro de 2018
segunda-feira, 22 de janeiro de 2018
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
Sem Destino (1969,Dennis Hopper)
Indicação , apresentação do filme e texto: Virgílio Roma
O filme foi feito em 1969, tendo idéia e roteiro de Peter Fonda. Peter teve a idéia do filme e chamou seu amigo Denis Hoper para dirigir. Para produzir contaram com a ajuda do amigo Jack Nicholson que participa do filme fazendo sua estréia como ator. O filme é considerado um marco dos anos 60, assim como a "Primeira noite de Homem" e "Bonie and Clyde". A idéia do filme é a de atravessar os EUA de motocicleta saindo de L.A. chegando até Louisiana de forma descompromissada, sem noção de tempo, conhecendo a realidade interna dos EUA. Deve ser salientado que o filme entra num contexto típico dos anos 1960. A saber, da contra-cultura, das experiências hippies, das drogas, do chamado underground americano. Há por parte dos motoqueiros uma clara contestação dos valores do trabalho, da família, daquele "american way of life". Eles vivenciam o interior americano onde são desprezados, maltratados, e tratados de forma preconceituosa pela comunidade branca da Louisiana .A cena marcante do filme se dá no início do filme quando eles saem de L.A. pegam suas motos e Wyth, personagem de Fonda joga o relógio fora. É um road movie de baixo orçamento e com alto retorno. Inaugurando esse tipo de filme, de baixo custo, alto retorno ,bem alternativo e de contestação.
Virgílio Roma
segunda-feira, 8 de janeiro de 2018
domingo, 7 de janeiro de 2018
Blade Runner (Ridley Scott;1982)
Indicação e apresentação do filme : Joaquim Ferreira
AS VERSÕES DE BLADE RUNNER:
1) VERSÃO DE SAN DIEGO:
Esta revisão só foi exibida uma
vez EM maio de 1982, em San Diego,na Califórnia.. A versão é quase idêntica ao
filme lançado nas salas de cinema norte-americanas, a exceção da inclusão de
três cenas adicionais nunca antes vistas.
2) VERSÃO DAS SALAS DE CINEMA
NORTE-AMERICANAS:
O realizador Ridley Scott
considerou a versão teatral dos EUA – que tinha a duração de 116 minutos – como
uma traição, uma vez que foram feitas alterações no filme sem o conhecimento do
cineasta.
A Domestic Cut, como é conhecida,
incluiu o “final feliz” e a narração de Harrison Ford. Embora várias versões
diferentes do roteiro incluíam uma narração, Ford e Scott decidiram adicionar
cenas para fornecer a informação. Porém, a narração foi reinserida durante a
pós-produção da longa-metragem depois de alguns membros de uma audiência de
teste terem dificuldade em perceber o filme. Além do diretor, também Harrison
Ford contestou a decisão. Existiram rumores de que o ator narrou
intencionalmente mal com a esperança de que a gravação não fosse usada. Além
disso as seqüências aéreas do “final feliz” também não foram filmadas por
Scott. Eram cenas que não foram utilizadas em “O Iluminado" de 1980,
dirigido por Stanley Kubrick.
3)VERSÃO DAS SALAS DE CINEMA
INTERNACIONAIS:
A diferença com a versão
norte-americana prende-se na violência. Este corte inclui três cenas de ação
violentas, sequências que foram cortadas nos EUA
4)VERSÃO TELEVISIVA
NORTE-AMERICANA
Existe a tradição em “limpar os
filmes” para a exibição televisiva. E “Blade Runner” não foi exceção. Em 1986
para que a longa-metragem pudesse ser exibida na CBS, o filme sofreu um novo
corte. A revisão, agora com 114 minutos, foi editada para diminuir a violência,
palavrões e nudez com o objetivo de cumprir as restrições de transmissão.Esta
versão foi precedida do programa “Saturday Night Movie Teaser”, que explicava a
premissa do filme, deixando claro que Deckard não é um replicante. Além disso
na revisão televisiva, o texto inicial do filme é lido por um locutor anônimo e
não Harrison Ford
5) O CORTE DO DIRETOR (The Director’s Cut) ,de
1991 com 116 minutos de duração
A revisão de 1992, aprovada por
Ridley Scott, foi motivada pelo lançamento da versão não autorizada em 1990 e
1991. Quando Ridley Scott rejeitou publicamente essa versão da longa-metragem,
a Warner Bros. decidiu reunir o corte definitivo do realizador para uma
reedição oficial em sala, em 1992. Esta decisão do estúdio deveu-se à
necessidade em colocar um final à polêmica com Scott, mas também era uma
resposta às exibições esgotadas do filme e à popularidade de culto de “Blade
Runner”. Ridley Scott forneceu extensas notas e consultas à Warner Bros.,
embora tenha sido o restaurador de filmes Michael Arick o responsável por criar
o “Director’s Cut”.
6) O CORTE FINAL ( The Final Cut) ,de 2007 com
117 minutos de duração
Este é o verdadeiro corte do
realizador, pessoalmente montado por Ridley Scott e lançado nos cinemas em 2007
sob o apelido “Final Cut”. Esta é a única versão sobre a qual o cineasta teve
controle artístico completo, já que a produção de “Director’s Cut” não colocou
Scott diretamente no comando. Em conjunto com o “Corte Final” foram produzidos documentários e outros
materiais, uma vez que serviram para a edição do 25º aniversário de “Blade
Runner”. Foi em 2000, que Scott encontrou tempo para ajudar a montar uma versão
definitiva do filme com o produtor de restauração Charles de Lauzirika. A
versão ficou parcialmente concluída em 2001, antes de questões legais e
financeiras impedirem o trabalho. Após vários anos de disputas legais, a Warner
Bros. anunciou, em 2006, que garantia os direitos de distribuição completa do
filme.“Final Cut” apresenta “Blade Runner” como Scott queria originalmente: o
sonho do unicórnio aparece na sua versão mais completa.As cenas violentas da edição internacional foram
reinseridas e a trilha sonora de
Vangelis soou melhor.
Reflexões sobre "Blade
Runner" e sobre o livro "Do Androids Dream of Electric Sheep?",
de Philip K. Dick
O livro surgiu antes, escrito por
Philip Kindred Dick, e foi publicado em 1967. Depois veio uma primeira versão
do filme, dirigida por Ridley Scott, em 1982, que inicialmente não teve a
atenção merecida. No Brasil, o livro foi publicado nos anos 80, na esteira do
filme, como O caçador de andróides. Por último veio a segunda e definitiva
versão do filme, em 1993, quando a primeira versão já era considerada um cult
movie. O livro e as duas versões do filme são semelhantes, ou seria melhor
dizer parecidas, mas guardam entre si algumas diferenças que são muito
importantes. O livro conta a história de um policial decadente, Rick Deckard,
atuando como caçador de recompensas, um bounty hunter, especializado na captura
de andróides evadidos. Pelos sucessos alcançados (mas porque então o clima de
decadência?), ele é destacado para capturar seis andróides especiais, de uma
classe denominada como Nexus 6, conhecidos como replicantes no filme, dotados
de capacidades físicas e mentais bastante superiores às do homem.
A estória apresenta uma
característica presente em quase toda a obra do autor. As idéias são sempre
geniais, envolvendo drogas, religião, meios de comunicação de massa e dúvidas
sobre identidade, mas os livros parecem começar bem, sem contar depois com uma
finalização adequada. É como se ele começasse a escrever e lá pelo meio do
trabalho perdesse o entusiasmo e concluísse apenas por compromisso. Essa
impressão não está presente por exemplo em O homem do castelo alto, que é sua
opera prima.O livro O Caçador de Andróides parece estar centrado na procura por
animais sintéticos. Deckard aceitou a tarefa de caçar os Nexus 6 interessado na
recompensa e pensando no animal que poderia comprar com ela. Ele almejava
adquirir uma cabra. O romance com Rachel mostra-se superficial, ao ponto dele
inclusive ser casado. É como se os homens em 1992 (quando se passa a estória)
quisessem recuperar o tempo perdido, já que não mais existem animais naturais. O
roteiro do filme é fortemente baseado no livro. Há o policial decadente, há os
andróides, há a fuga e há o desejo de viver mais. O filme é polêmico ainda
hoje. O tema clonagem (se bem que não é isso que acontece na estória) e todas
as questões éticas envolvidas são muito atuais, para não dizer que estão na
moda. Certamente os primeiros espectadores não conseguiram entender tudo que se
queria dizer... No filme há também o teste de perfil de personalidade de
Voigt-Kampff. Um medidor de resposta do sistema nervoso avalia a veracidade da
reação das pessoas a questões que só podem ser bem resolvidas com base em
experiências pessoais. O que você faria se seu cônjuge lhe traísse sobre a cama
que compartilham? O que você faria se seu filho trouxesse para casa um animal
machucado? As respostas autênticas vêm da experiência acumulada com o passar
dos anos, que é justamente o que os andros não têm, já que suas memórias
consistem em implantes. O filme é bastante lembrado ainda pelo clima noir e
pelas imagens de trânsito com os hovercars. As cidades parecem caminhar para
aquelas imagens claustrofóbicas, noturnas e úmidas, com gigantescos outdoors e
anúncios de Coca Cola e de fast foods japoneses. A Terra configura-se como um
local difícil de aturar, onde permanecem os seres humanos menos dotados,
incapazes de viver no espaço. Mas é preciso dizer que o filme toma um enfoque
diferente do livro, ao não prestigiar tanto a ambição por animais sintéticos e
dar maior ênfase ao gênero humano. O filme se preocupa com os replicantes e com
suas ansiedades e desilusões. No filme, um replicante volta ao apartamento que
ocupava para procurar por fotos, e morre por isso, já que encontra Deckard,
tenta se livrar dele mas acaba morto por Rachel (aliás, não teria ela o salvado
já sabendo que seriam iguais?). A segunda versão apresenta diferenças marcantes
em relação à primeira. Foram alterados cerca de cinco a dez minutos. Grande
parte desses acréscimos envolve cenas de trânsito com carros voadores, sem
qualquer importância no desfecho. Mas dessas alterações, uma é fundamental,
mesmo sendo bastante curta. E não há a narração em off pela personagem de
Harrison Ford. A grande diferença entre as duas versões aparece mesmo em duas
cenas: uma acrescentada e outra retirada. Na primeira, acrescentada, quando
Rachel aceita acompanhar Rick até seu apartamento, depois de tê-lo salvado em
um embate com outro replicante, ele se deita no sofá com um copo de uísque. E
sonha com um unicórnio. A segunda cena, retirada, no final, quando Rachel e
Rick fogem em um carro voador, e ele conta que ela é especial, pois não tem um
prazo de validade. Essas duas cenas, mais a cena anterior a essa, em que Rick
busca Rachel em seu apartamento, e antes de entrar no elevador encontra um
origami de um unicórnio, conferem a essa segunda versão uma dimensão que supera
a primeira em profundidade e em transcendência, e que a diferencia do livro em
objetivos. Apesar de sonhos aparecerem no livro já no nome, questionando sobre
o conteúdo dos sonhos de andróides. Talvez mesmo fazendo referência ao seu
inconsciente. O filme todo transcorre em um ritmo forte, sempre noturno e
úmido, com pessoas que não chegam a constituir exemplos a serem seguidos. Os
dois últimos replicantes, Roy e Pris, o portador de mal de Matusalém, J. F.
Sebastian, o geneticista empreendedor, Tyrrel, o andro que é melhor que os
outros, Rachel, e o próprio removedor, Deckard. O sonho com um unicórnio e o
origami deixado pelo colega fecham o filme dando uma sensação que é tão
impactante quanto um choque de um automóvel a 200km/h em um paredão. É como se
o filme nos fizesse flutuar por breves instantes, retirando nossas referências
de cultura, de passado, de profissão, de amizades e de relacionamentos, para
nos mostrar como talvez esses apegos cotidianos não merecem a importância e a
preocupação que despendemos, para depois nos soltar ao chão novamente, para nos
encontrarmos perdidos entre referências embaralhadas. O clima de pessimismo do
filme, um pessimismo visceral sobre o futuro e sobre a raça humana, só é
amenizado pela belíssima trilha sonora composta pelo grego Vangelis. O solo de
piano que Rachel dedilha quando descobre essa habilidade e enquanto Deckard sonha
com um unicórnio, e a faixa que acompanha os créditos no final, logo depois da
porta do elevador em que Rachel e Deckard entraram se fechar, são
inesquecíveis. Enfim, o homem conseguira criar homens à sua imagem e
semelhança, como aparecia nos cartazes de lançamento de filme, agora teria que
arcar com as conseqüências, o que poderia exigir alguém à altura, fisica e
mentalmente. Mas se o encarregado de resolver a situação pode (ou precisa) ser
um replicante, quantos mais não podem ser? O incrível é que o filme vai muito
além dessa pergunta tão simples e tão óbvia.
1. Uma singular mistura de
gêneros
Ambientado em um futuro
distópico, Blade Runner mistura em sua ficção científica subgêneros como o
policial noir e a estética cyberpunk. Mas vai além disso. Utiliza esses
elementos para contar uma história que reflete e propõe questões filosóficas e
existenciais.
No futuro, a humanidade passa a
explorar e colonizar outros mundos. A tecnologia permite a fabricação de
androides com aparência humana, destinados ao trabalho escravo em colônias fora
da Terra. Chamados de replicantes, eles têm se tornado cada vez mais avançados.
Até que exemplares de última geração, dotados de uma sofisticada inteligência
artificial, se rebelam e fogem.
Difíceis de serem distinguidos
dos humanos, a presença dos androides passa a ser proibida na Terra. Para
cumprir essa lei existe os Blade Runners, encarregados de caçar e “aposentar”
(exterminar) qualquer androide ilegal identificado.
O policial Rick Deckard (Harrison
Ford) faz parte desse esquadrão e é incumbido de encontrar quatro replicantes
em Los Angeles. São androides que descobriram que, por medida de segurança,
foram fabricados com um período de vida mais curto e em breve vão simplesmente
morrer. Por isso, correram o risco de vir à Terra em busca do cientista que os
desenvolveu, na esperança de terem suas vidas prolongadas.
Ao contar esta história, o filme
cria uma atmosfera noir dentro de uma realidade futurista suja, de espaços
urbanos superpopulosos, escuros, estreitos, barulhentos, asfixiantes e
visualmente poluídos. Já os ambientes internos são compostos de contrastes de
luz e sombra, assépticos mas também escuros, refletindo o caráter ambíguo e
melancólico dos personagens que vivem e transitam nesses espaços.
2. Questões morais no encontro
com Rachel
Ao visitar o criador dos
replicantes, Deckard conhece Rachel (Sean Young). Ele deve submetê-la ao teste
como uma espécie de contraprova, já que ela, presumidamente, é humana. No
entanto, antes mesmo disso acontecer, ela o provoca. Pergunta se ele, por
engano, já matou um humano achando que era um replicante.
A questão revela uma linha
borrada entre o que distingue homem de androide, trazendo à tona o primeiro
conflito moral com que Deckard irá se deparar.
Rachel se sai bem em quase todas
as questões do teste e, por muito pouco, não se passa por humana. Mas ela é uma
replicante. O problema é que não sabia disso, mas começa a desconfiar a partir
desse encontro com o agente.
Este é o momento em que o filme
confronta seu protagonista com uma possibilidade nunca antes imaginada por ele.
Se um replicante pode desconhecer sua condição de máquina por meio do implante
de memórias, o que garante que ele próprio não seja também um deles e suas
lembranças todas falsas?
3. O desenho sonoro na morte de
Zhora
Há uma sequência, já tornada
icônica, na qual Deckard persegue e mata a replicante Zhora (Joanna Cassidy).
Durante a perseguição, e no seu desfecho, os elementos sonoros criam um efeito
singular.
A maior parte da caçada é
acompanhada pelos ruídos caóticos e desnorteantes da cidade superpopulosa. Sons
de veículos, semáforos, pessoas, sirenes. Não há trilha sonora, apenas o que se
chama de som diegético (o que o espectador ouve é exatamente o que os
personagens ouvem), o que, no caso, é o caos atordoante da cidade.
Então, quando a replicante é
alvejada, tudo muda. Os ruídos dão lugar a uma trilha melancólica, dentro da
qual cresce, sutilmente, o som de um coração batendo, até parar subitamente.
A humanidade daquilo que acaba de
ser morto é simbolizada (e posta em questão) por meio dos batimentos cardíacos.
Isso surge dentro da virada no desenho de som, que muda do diegético para o
não-diegético (aquilo que espectador ouve não é exatamente o que os personagens
ouvem).
Mais do que isso, toda a
composição e montagem da cena dá àquela morte um sentido de violência
humanizada pelo tom de tragédia, de real perda de uma vida e não pela
“aposentadoria” de uma máquina.
Em seu desconforto, Deckard
parece desenhar questões que vão atormentá-lo e se tornarão a grande questão
final do filme. É o início das dúvidas éticas e morais trazidas pelo trabalho
que executa. Dúvidas que o colocam em conflito com sua própria noção de
existência e identidade.
4. Deckard: caçador ou caça?
Vale notar que em apenas um dos
quatro confrontos com replicantes Deckard está na condição de perseguidor. Nos
demais, ele apenas se defende de ataques. Especialmente no final, quando
encarna definitivamente o status de caça.
Esta é uma inversão que nubla,
sorrateiramente, não apenas sua posição dentro da ação física, mas
principalmente sua condição existencial. É um jogo de espelhos simbólico que
reflete, por meio desse acaso, a natureza de seu protagonista.
Se androides é que devem ser
caçados, colocar seu protagonista como caça na maior parte do tempo pode ser
visto como uma alegoria da inversão. Ironicamente, esta metáfora pode ser
encontrada na provocação que o replicante Roy (Rutger Hauer) faz ao agente
durante o confronto entre eles: “mostre-me do que você é feito”.
5. Blade Runner: o noir em sua
ambiguidade máxima
Ridley Scott optou em Blade
Runner por uma narrativa de filme policial noir. Embora os códigos desse gênero
sejam diversos e dispersos (gerando debates até mesmo sobre poder ou não ser
considerado um gênero) uma de suas principais características é a do anti-herói
de caráter ambíguo.
O personagem de Harrison Ford
assume essa ambiguidade em uma dimensão excepcional, pois ela transcende seu
caráter e atinge sua própria condição, fazendo aflorar profundas questões
éticas relacionadas à sua natureza ambígua: homem ou replicante?
Se ele for mesmo um replicante, a
consciência disso o coloca no centro de uma tragédia: a de ser um exterminador
de sua própria espécie. É a maldição do saber, a maldição do conhecer a si
mesmo. Dentro da ignorância, nada disso importava. Porém, uma vez confrontado
com sua condição existencial, a ética se impõe como um fardo e suas ações
ganham outra perspectiva e densidade.
É dentro dessa profunda
ambiguidade que Deckard torna-se então o suprassumo do anti-herói noir. Os
questionamentos éticos de seu trabalho ultrapassam as dúvidas dos limites
normativos e morais da sociedade. Eles alcançam o mais íntimo e profundo estado
da existência: a consciência de um modo muito específico de estar no mundo e a
descoberta de que todo este tempo ele esteve (e se enxergou) no mundo de modo
errado. O resultado é uma completa e
brutal destruição de qualquer possibilidade de pertencimento. É o esfacelamento
de sua identidade.
6. A morte de Deus e a libertação
da alma
Roy e seus companheiros descobriram
que sua geração de androides tem um tempo curto de duração. Em quatro anos,
“morrem”. Por isso retornam à Terra. Porque querem viver mais. Um desejo básico
da natureza humana diante da consciência de sua finitude.
Busca, então, seu criador movido
pela fé de que este pode ajudá-lo. Descobre, entretanto, que é impossível, o
que revela a fraqueza e a impotência daquele que o criou. Diante disso, renega
e mata com suas próprias mãos aquele que acreditava ser capaz de salvá-lo da
morte. Mata, simbolicamente, sua única fé. Roy encarna então a representação
da morte de Deus. Ele, como o filho que retorna à Terra, encontra aquele que
lhe deu vida e o mata por descobri-lo impotente. Mais uma vez, Blade Runner
representa o drama do homem que adquire uma consciência ampla das coisas. É
através do conhecimento, do choque com a realidade absoluta, que se mata a
fantasia de um salvador. O que não deixa de ser uma forma de libertação.Mais tarde, momentos entes de
morrer, o replicante salva a vida de Deckard, daquele que fora enviado para
matá-lo. É um gesto de compaixão, um ato humanitário de perdão absoluto, como
uma redenção dos pecados do policial.Reforçando toda essa carga
simbólica, Roy havia antes se flagelado com um prego, trespassando-o na mão.
Uma marca que faz referência à crucificação e às chagas de Cristo. E, por fim,
carrega uma pomba branca, símbolo do Espírito Santo.
Logo depois de salvar Deckard,
morre. Seu tempo acaba. A pomba se liberta de suas mãos e voa para o alto em
uma forma de ascensão, ou uma libertação, simplesmente.
7. A memória das máquinas
O que define a humanidade de uma
criatura? Hoje, essa resposta é fácil porque ainda é exclusivamente biológica.
Mas, e no futuro? É esse campo que a grande ficção científica explora, testa,
pergunta, provoca. Blade Runner propõe uma série de
alegorias filosóficas sobre a existência e sobre a humanidade. Sobre os limites
e as possibilidades de ampliação desses conceitos. No seu momento mais poético,
as últimas palavras de Roy colocam a memória, o ter estado no mundo, como algo
precioso, mesmo que artificial. Esta existência anterior, mesmo que falsa,
torna-se verdadeira dentro de cada indivíduo. Por isso, diz Roy para Deckard: “Eu tenho visto coisas que sua
gente não acreditaria. Vi naves de ataque em chamas nos limites de Orion. Vi
raios cintilando junto aos portões de Tanhäuser. Todos esses momentos vão se
perder no tempo, como lágrimas na chuva.
segunda-feira, 1 de janeiro de 2018
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